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“Em cada homem de talento existe, escondido, um poeta; ele manifesta-se no escrever, no ler, no falar ou no ouvir.”
Marie Eschenbach
Entendemos que o ensino deva estar estruturado sob cinco pilares. O aluno deve ser incitado e orientado a perguntar, buscar, interpretar, escrever e socializar. Métodos mais ativos e dinâmicos têm entrado em cena favorecendo proporcionar ao aluno mecanismos que valorizem seus conhecimentos, já conquistados, e experiências vivenciadas, e também ao professor na desafiadora tarefa de enfrentar cotidianamente a heterogeneidade de suas classes, apresentando diferentes níveis de maturidade, idade, expectativas e de formação geral.
Desde tempos imemoriais a narrativa tem sido um caminho interessante e motivador de se ensinar, gerando reflexões, curiosidade – que é um importante combustível para o aprender - , debates e abre um leque de opções extraordinário propiciando o desenvolvimento de uma diversidade de métodos para o professor engajado em amarrar em firme nó as informações transmitidas e o conhecimento em construção. Diversos profissionais têm se dedicado a este estudo e experiências fascinantes começam a ser descritas em congressos, seminários e fóruns de educação. Um meio que favorece o trabalho de todo e qualquer Componente Curricular, não apenas a Língua Portuguesa e Literatura, mas a Língua Estrangeira: seja inglês ou espanhol, a história, a matemática ( quem se esquece d”O homem que calculava”), da física, química, biologia...quem poderá ficar de fora?
A construção de narrativas cênicas a partir de jogos teatrais mostra-se uma alternativa e que avança na produção de filmes, explorando ainda muitas outras habilidades necessárias à formação do educando. Sejam as narrativas orais ou escritas vão criando alicerces para que o aluno se posicione como protagonista do processo de ensino-aprendizagem abandonando a incômoda e submissa posição de alguém que recebe e pouco produz. Ele cria e materializa sua criação.
Narrativas de diferentes culturas também estimulam a pesquisa e possibilitam um trabalho interdisciplinar relevante, inclusive valorizando o propósito de conhecer o que não se conhece. Sempre é válido lembramos que o preconceito é fruto da ignorância. E assim quando mais se compreende o outro em todas as suas dimensões mais fácil entender diferenças e enriquecer-se com tradições, muitas vezes milenares que sinalizam os povos.
Sou favorável ao incentivo da leitura de contos. Geralmente mais curtos permitem que aquele que não gosta de ler ou ainda possua dificuldades de leitura encontre um caminho atraente para ser percorrido. Desperta o interesse pelo texto, considerando ser uma narrativa mais concisa, mais breve. E escrevê-los é sempre fascinante.
Permitir a leitura dramatizada e propiciar a interação entre os alunos é também uma maneira agradável de aproximá-los e nos aproximarmos deles. Os contos rompem as barreiras das idades. Integram a todos.
Quero compartilhar com os leitores um conto que escrevi e que já obteve alguns reconhecimentos. Chama-se “A cadeira da varanda”. Encerro com ele esse nosso bate-papo e deixo a cada um reflexão de como podemos explorar este e outros tantos contos em nossa sala de aula.
“Ela gritou para o menino que passava na calçada, enquanto se ajeitava na cadeira almofadada disposta na varanda da casa:
- Você é o filho da Dita ?
O menino, de uns doze anos, sem camisa e com uma bermuda aparentemente bem maior do que deveria usar, arrastando um chinelo, olhou-a surpreso e com expressão de agressividade, agitando o braço esquerdo, com a frase “sai pra lá!”. Afinal, já podia ter se acostumado às indagações da senhora, uma vez que essa pergunta sempre ressoava quando ele passava por ali. Aliás, não apenas ele, mas todo e qualquer transeunte.
Os vizinhos conheciam Dona Faustina e toda sua história de vida. A vizinha, Dona Zilá, ao adentrar a casa sempre era recepcionada pela senhora lamentosa afirmando que não havia comido ainda, que ninguém dava comida para ela, mesmo que fosse logo após o almoço.
Dona Faustina sempre foi uma mulher batalhadora, sofrida. Havia criado oito filhos, dois haviam falecido. O marido também não estava mais nesse mundo, para felicidade de todos, pois nunca tinha prestado, às voltas com amantes, jogos e bebidas. Tinha sido assassinado pelo marido de um de seus casos. Sempre se fizera ausente e Faustina havia assumido tudo, trabalhando na roça e educado seus filhos. Hoje todos muito bem sucedidos. Bem sucedidos e alheios a mãe. Somente Ciça não teve como escapar daquele “peso”.
Eventualmente alguém surgia para uma rápida visita e deixar um pacotinho disso ou daquilo ou um valor em dinheiro que pouco ajudaria.
Faustina não os reconhecia. Conversava com eles aparentemente interessada, falava de seus filhos como se ainda fossem crianças, sem obedecer a regras temporais. Algumas vezes perguntava do marido e reclamava que estava demorando para o almoço.
De um momento para outro ficara daquele jeito. Para alguns havia se tornado motivo de chacota, para outros de desprezo, para outros de comiseração. Assim se passavam os dias de Faustina na cadeira da varanda. Não havia mais o vigor da juventude, nem se aventurava em preparar suas saborosas iguarias no fogão a lenha, a manter a casa asseada, o jardim florido, as galinhas nutridas, a horta viçosa. O mundo de Faustina oscilava em resgates curiosos, buscando nas janelas da memória pessoas e cenas arquivadas pelo tempo.
A vida seguia seu curso, mas os dias de Faustina eram outros. Tinha muito medo de Ciça que lhe fazia claras ameaças de aprisioná-la no quarto ou na casinha do cachorro. Nesses momentos se calava, sentava-se em sua cadeira e lá permanecia, pensando sabe Deus em que.
Algumas vezes era surpreendida em seu quarto, sentada na cama em animado diálogo com alguém invisível, e logo feliz anunciava que estava conversando com fulano de tal. O que deixava a todos arrepiados, pois a pessoa se encontrava no reino das sombras há décadas. Pairava a dúvida entre a insanidade e a espiritualidade.
Mostrava, contudo, uma saúde de ferro. Nem gripe pegava. Ciça dizia que iria morrer antes dela. Mas não foi assim. Um dia Faustina deitou-se e não levantou. Alguns dos filhos apareceram. Debruçaram-se escandalosamente sobre o caixão e choraram, talvez arrependidos, lembrando-se do descaso, da ausência e do desejo de mantê-la distante, ou preocupados em teatralizar o momento visando penalizar os espectadores.
Faustina estava no céu. Cumprira sua missão, mesmo que de forma inconsciente nos derradeiros meses de sua vida.
Ciça sentou-se na antiga cadeira da varanda e chorou temendo encerrar seus dias como os de sua mãe. Tinha três filhos, cuidariam dela ? Acariciou a cadeira, onde Faustina se mantinha sentada dia após dia. Seria prudente conservá-la.”
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