sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

REVEILLON

ela sorria enquanto as taças se encontravam
aspergindo gotas de champagne pelo ar
ao longe crianças cantavam
num coral uníssono a ressoar
rosas brancas, sorrisos, o perfume de iguarias
orações a todas as Marias
Conceição, Aparecida, Rosa Mística, da Agonia
Medianeira, Sete Dores, Doce Beijo, da Adadia
das Graças, de Angola, da Guia... Estrela Guia
velas, flores nas águas, encanto no mar
votos, esperanças, beijos e saudades
no outro dia homens de ressaca
ressaca no mar
a vida continua renovada
até a próxima virada.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AMOR E SEXO

amor, cântico antigo dos profetas e avatares,
impulso cristalino do coração
sopro raio rosa dourado
que eleva, renova, encaminha
abraça, cuida, zela, encantado
equilíbrio misterioso da vida
muscalura, ocitocina, sabor
o gato e a gata
o kiwi macho e fêmea
é amor ?
ou instinto de procriação?

BEIJO ENVERGONHADO

Queria saber
como se beija
ensaiar languidamente
pelo seu corpo
vaguear pelo seu rosto
umedecer seus lábios
enrolar em seus cabelos
beber de teu sorriso
tocar sua língua
e encostar meus lábios aos teus
devorar-te
doce e histericamente
como um buraco negro que suga as estrelas
suspirar de paixão
enquanto te olho envergonhada.

MUITAS FACES

pode ser o lótus, o amor-perfeito, a orquídea, a margarida
sensitiva, sempre viva, camélia, budléia
pode ser o urso, o leão, o condor, a águia
o cervo, a pomba, o elefante, uma colméia
a ametista, a turqueza, o diamante
Isis, Artemis, Friga, Kali, Astartéia
Hórus, Krishna, Mayahuel, Jesus
tantos nomes, tantas formas, tanto tempo
quem é Deus
energia, força, movimento
manifestação do pensamento
sombra e luz
renascimento
simplesmente um acalento
velho ou novo testamento
alcorão, talmud, vedas
obsidiana negra
segredo oculto e vivo
no inconsciente humano
estranha semente que germina
na areia, no barro, na montanha
bóson, fóton, big bang
essência de tudo.

PARE DE GRITAR MEU NOME

Pare de gritar meu nome
De alardear a fome
De estar junto de mim

Deixei-te naquela encruzilhada
Cujos braços
Você nem conseguia decidir

Você seguiu com o vento

Siga o vento, seja o vento

Gire moinhos, gere energia,
Carregue as folhas secas
Mova o veleiro

Siga o vento
Conheça florestas
Visite riachos
Adentre charcos
Espalhe o perfume daquela rosa isolada

Pare de gritar meu nome
De chamar-me

Veja tua bússola
Descubra mares
Conheça lugares

Não estarei lá
As águas passam
O vento passa
A vida passa
Os amores passam
Você passou

Pare de gritar meu nome
Hoje mal lhe conheço
Você foi um tropeço
Que se dá
Entre os caminhos que caminhamos
Na busca do outro
Que acreditamos
Ser um pedaço que falta

Pare de gritar meu nome
Ensurdeci aos teus apelos
Vivo hoje sem atropelos
Aprendi a viver sem você.

O BOSQUE

Sinto o vento em meu rosto
enquanto caminho solitário
por entre as árvores do bosque.
O ruído das araras em algazarra
O passo cauteloso do guará
Restaurador silêncio
Enquanto abraço um jacarandá
E respiro
Verde
Paz
Sossego
Vida

O BEIJO

Beijo na boca
Na mureta da calçada
Sonho e calor
Lágrima e decepção

O TREM

O apito do trem
Corpo do gambá nos trilhos
Basalto e caruru
Lá vai o trem

REVEILLON

Rolha da champagne
Toca o céu
Fogos, brindes, alfazema
Mataram ele a facadas.

O MAR

O céu e o mar
O barco oscila
som de concha
o peixe e o sal

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

DONO DOS CAMINHOS

ele mora no caminho
estrada, rua, viela
camina en la noche
looks you in days
mесяц з'яўляецца вашым сябрам
die sonne ist Ihre reiseführer
닭이 새벽에 까마귀
dan dia tersenyum
jahat
bezpieczne chodzenie
en glimlag
le chien abóie
彼はゆっくりと歩く
kontan mache
講所有的語言
κατέχει το οδικό δίκτυο
laroiê

O ENCONTRO

"Deus é pai de Jesus / Jesus é pai do divino Espírito Santo/ com o poder de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito/ afasta todos os males desse corpo/ Amém”. (benzimento popular)

A criança chamava-se Isabela e era uma espoleta, correndo por todos os cantos apaixonada e curiosa por tudo o que a vida lhe revelava a cada instante. Cabelos louros e cacheados, olhar turquesa e maçãs rosadas demonstravam além da beleza, a graça e a simpatia, a meiguice e o carinho com todas as coisas e pessoas. Sorria irreverente diante do inusitado, das surpresas, das descobertas.

Encantada pelos animais, em especial os macacos, quando apareciam na televisão ou em visitas ao zoológico, programadas pela mãe e incentivadas por ela. Também pelos gerânios que rodeavam a casa, atraindo borboletas. Surpreendia-se com as lagartas verdes que os devoravam, mas havia um tom de amorosidade quando as orientava a não danificar as plantinhas.

Era única filha, nunca tivera contato com o pai e sua mãe buscava manter tal assunto sepultado no passado. Talvez a única coisa boa tenha sido justamente Bela, como a chamavam. Conforme se costuma dizer “Deus escreve certo por linhas tortas” e era grata por ter um anjo consigo.

Um anjo que aos poucos se transformava. Sua energia independente e forte traçara um caráter questionador, ousado, disposto a enfrentar regras ao mesmo tempo pacato e sonhador. Seu cabelo agora, liso e de tons azulados, piercings nas orelhas, umbigo, lábio e língua davam-lhe outra aparência. Tatuara um golfinho na nuca. Suas amizades também causavam estranheza à mãe que buscava reorientá-la aos padrões considerados normais para uma criação tradicional. Isabela respondia com tranqüilidade, acalmando a mãe inconformada que “não tinha nada demais” em seus atos e que não fazia nada de errado.

Isabela não era a chamada melhor aluna, mas interessava-se por filosofia, passando horas discutindo com seu professor sobre vários temas. Era vista com reservas pelos professores e por outros colegas que a achavam estranha, embora se comportasse naturalmente em sua vida escolar. Talvez sua postura aparentemente agressiva fosse tão somente uma leitura que as pessoas faziam dela a partir de suas próprias concepções.

As idas noturnas ao cemitério eram freqüentes. Um lugar de paz, tranqüilidade, sossego, onde podia conversar com os amigos, beber vinho ou ficar simplesmente em silêncio olhando a lua, as estrelas...Ao contrário do que se cogitava, Isabela não era usuária de qualquer droga, exceto o vinho, que saboreava moderadamente uma taça, em um brinde à vida no habitat dos mortos.

Era ali também que assistia, de longe, diferentes rituais com os mais diversos objetivos. Numa dessas noites, olhava oculta entre os túmulos, uma senhora que acendia velas e oferecia flores e champagne,quando foi surpreendida pela percepção da mulher.

- Aproxime-se, menina, aproxime-se !, insistiu a anciã, - não tema !

Isabela não temia, apenas tinha receio pelo desconhecido, ao mesmo tempo em que magneticamente sentia-se atraída pelo mistério.

Conversaram longamente. A velha parecia saber de toda sua vida, suas dúvidas, seus receios, sua busca inconsciente. Isabela identificou-se com a simplicidade e sabedoria daquela mulher.

Passadas algumas semanas ainda latejava em sua cabeça a imagem daquela senhora e resolveu procurá-la, já que havia sido convidada a essa visita naquela noite.

Isabela pegou o circular que levava ao bairro quase fora da cidade, na periferia da mesma. Encontrou o asfalto destruído e abandonado, casas pobres apenas de tijolos expostos, ou ainda algumas improvisadas com plástico, folhas de zinco e até papelão. Aquela cena mexeu com seu interior, nunca havia estado lá e não imaginava tantas pessoas vivendo em situação tão precária.

- A senhora sabe onde mora Dona Serafina ?, perguntou a uma senhora já de idade bem avançada, com lenço na cabeça e recostada a uma cerca de bambus.

- A benzeira ?, questionou insegura avaliando a imagem estranha da garota, o que uma pessoa como você pode querer dela ?

- Acho que sim...buscou esclarecer, embora não tivesse muitas referências, ela mora na rua Cariri...resmungou desatenta ao olhar inquisidor da mulher.

- Humm...é ela mesma. Sobe essa rua que ela vai dar lá no morro. Vai sempre reto, quando chegar numa árvore bem grande você olha na descida e vai ver uma casa branquinha...é lá.

Isabela foi recebida com o sorriso sem dentes da dona da casa e mal sabia que sua vida se transformaria ali.

"Setenta anos
Passei dentro da Jurema

Discípulo não tenha pena
de quem algum dia lhe fez mal.

Quando eu me zango
toco fogo em um rochedo
meu cachimbo é um segredo
que eu vou mandar pra lá".*

Ali está Dona Belinha atendendo a muitas pessoas. Não tem mais piercings,mas tem outras coisas que chamam a atenção das pessoas.

A casa é rodeada por gerânios. Há quem diga que os gerânios representam tristeza. Talvez hoje enfrente preconceitos similares ao que enfrentava na escola, porém mais segura. Descobriu que existem muitos outros. Talvez tudo tenha sido um exercício para hoje orientar com propriedade os que a procuram.

- Mãe, tem um senhor aí que quer falar com a senhora !, anunciou sua filha Isadora.

Belinha conduziu-o ao interior da casa com o carinho de sempre. Ouviu-o atentamente e sentiu seu coração acelerar e partir-se com a história do pobre homem, corroído pelo tempo, pelo remorso e pela saudade.

Embora ele não soubesse, Belinha já descobrira. Estava diante de seu pai. Simplesmente abraçou-o.

- Está tudo bem... disse, enquanto ele se deixava consumir em profundo pranto.



* Cantiga de Catimbó para Abertura dos Trabalhos.

A ENTIDADE

A tarde avançava destemida trazendo o vento gelado que prenunciava uma noite fria. A dança das estrelas cedeu espaço a uma profunda escuridão e não se podia avistar se quer o vôo silencioso da coruja. As ruas estavam desertas e a cidade abandonada, aparentemente seus moradores haviam desaparecido.
No fundo do sofá a menina coberta por grosso edredon mostrava-se hipnotizada por um programa de televisão que assistia absorta. A um canto um gato gordo e cinzento estava adormecido aquecido pelo calor da menina. Seus pais estavam na igreja e chegariam bem mais tarde cumprindo suas obrigações religiosas.
Pela janela podia-se ver as sombras dos arbustos que decoravam os arredores da casa. Mas a menina já estava acostumada a ficar só, dominando seus medos e agarrando-se a companhia fiel de Zongo, seu gato.
Tão atenta estava ao filme que não notou que estava sendo observada por uma sombra na porta da cozinha. Não era possível definir detalhes de seu rosto, apenas a silhueta de um homem alto, provavelmente de terno e chapéu. Baforadas de fumaça demonstravam que possivelmente fumava um charuto.
Os pais adentraram eufóricos pela casa, contando alegremente os feitos do dia, e mal perceberam a existência da menina buscando logo a cozinha. A fome exigia maior atenção e cuidados, por outro lado as ações junto à igreja davam a sensação de dever cumprido, de fazer o certo, dispensando quaisquer outras atitudes cotidianas, inclusive carinho à própria filha.
Foi quando o pai sentiu o cheiro do fumo e indignou-se. A menina estava fumando e isto era inadmissível para uma família cristã. Sem qualquer diálogo agarrou a menina pelo braço arrancando-a do sofá e puxando-a pelo quarto aos berros clamando clemência do Senhor.
- Hoje não vou bater em você. Estou apenas avisando que ficará de castigo e não se atreva em corromper esta casa. Esta é uma casa de Deus...e você sabe muito bem do que estou falando !
A menina o olhava sem compreender, embora já tivesse se acostumado aos acessos de ira do pai. Naquela noite, porém buscava nos recônditos da memória lembrar-se de qualquer ato que justificasse tal postura. Não encontrou e a indignação aumentou, em especial o ódio por aquele Deus e aquela igreja.
Encostado no guarda roupa o mesmo vulto sorria malicioso, assistindo a cena. Ele sabia bem mais que as aparências. Conhecia os segredos do pai traindo a esposa com outras mulheres, entre uma caridade e outra, após a evangelização deste ou daquele grupo. Sabia também dos desvios financeiros que fazia na igreja na qual era respeitado e considerado exemplo.
A esposa era uma coitada, submissa, fiel, acreditando ser essa a posição da mulher, feita de uma das costelas de Adão. Canalizava toda sua energia para ações determinadas pelos superiores e a própria energia sexual. Sendo o sexo destinado a procriação essa tarefa já estava cumprida, sendo abolido qualquer contato no gênero. Seus desejos, sonhos, fantasias foram lançadas no abismo do inconsciente, considerando pecaminosos, perigosos, armadilhas fatais do chamado inimigo.
Na escola a menina mostrava-se retraída, preferindo brincar solitária e caminhar entre os jardins do colégio, repleto de árvores frondosas, flores multicoloridas e um gramado que se traduzia em isolamento, paz e tranqüilidade.
Foi num desses momentos que viu sentado num banco o homem com seu terno e fumando seu charuto.
- Se a Coordenadora ver o senhor fumando ela vai ficar muito brava...advertiu a menina aproximando-se.
- Sério ? Prometo que ela não ficará sabendo. Vejo você sempre aqui. Prefere ficar sozinha ?, inquiriu ele olhando-a debaixo para cima.
- É. Gosto das árvores...
- Não tenha medo das pessoas, nem todas são iguais ao seu pai ou como sua Coordenadora...há bons amigos para você fazer por aqui – orientou.
- Você quer ser meu amigo ?, questionou sentando-se ao lado.
- Já sou seu amigo...quando quiser falar comigo é só chamar.
- Mas eu não te conheço, como você se chama ?, perguntou curiosa.
- Cada um me chama de um nome. Mas para que seu pai não fique bravo com você, basta pensar em mim...disse ele enigmático e soltando baforadas.
- Nossa você sabe o que a gente pensa ?
- Hummm ...muitas vezes. Não se sinta mais sozinha. Tá vendo aquela menina lá, vestida de azul ? Ela é uma boa amiga para você. Faça logo amizade, pois sua Coordenadora está te observando e logo vai chamar seu pai dizendo que você não tem amigos...Vai lá...converse com ela, ela vai gostar...eu garanto.
A menina atenta a nova amiga correu em sua direção, quando pensou em despedir-se do homem, voltou-se para trás, mas ele não estava mais lá. Sem dar importância a isso, foi em direção a Ana Paula.
Da janela do terceiro andar a Coordenadora a olhava e sorriu ao vê-la dirigir-se ao escorregador com sua amiga.
Um mês depois o pai da menina enfartou. A esposa precisou assumir diversas tarefas antes cuidadas exclusivamente pelo marido e rapidamente inteirou-se sobre as muitas responsabilidades, desde ir ao mercado, pagar contas e zelar pelas atividades na igreja. E foi assumindo as atividades do marido que acabou sabendo das amantes, embora relutasse em acreditar em tais informações e romper relações com algumas pessoas que ousaram alertá-la.
Embora não acreditasse a dúvida persistia e a motivava a estar acessível às informações que vez ou outra chegavam a seus ouvidos. O cenário se tornou mais cruel quando foi chamada à igreja. A pessoa que assumira no lugar do marido havia detectado as muitas irregularidades e possibilidade de fraudes. Ficou estarrecida. Aquele não era seu marido, o homem dedicado a Deus, honesto, íntegro, fiel, verdadeiro. Não cobrava dele perfeição, mas não esperava tantos rombos na sua personalidade.
Mais uma vez, olhando com os braços cruzados, recostado à porta, o homem de terno olhava a mulher debruçada sobre a mesa, em prantos, folheando os documentos que demonstravam um marido corrompido.
Envergonhada, afastou-se da igreja, embora não pudesse acusá-la. O culpado por tudo aquilo era seu marido.
Ele, por sua vez, anunciava que tudo aquilo não passava de ardilosa armadilha do demônio e manteve suas mentiras até o túmulo. Momento em que esposa e filha, abatidas, inconformadas, tristes e desiludidas decidiram ir para outra cidade, começar nova vida.
Hoje a menina já é mulher. Advogada, bem sucedida, casada e mãe de dois filhos, Agnaldo e Guilherme. Não acredita em Deus, nem freqüenta qualquer igreja. Dedica-se fervorosamente à família e ao trabalho.
- Mãe, disse Guilherme, um homem de chapéu falou pra mim que sua vida vai mudar, uma coisa muito boa vai acontecer...
A menina-mulher sentiu um arrepio na espinha enquanto aspirava estranhamente o odor da fumaça do charuto.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FLORES

flores
na sepultura dos faraós
no ramalhete para a pessoa amada
nas mãos da noiva
no vaso que enfeita a casa
nas estampas e tecidos
rosas, crisântemos, lírios
brancas, amarelas, púrpuras, coloridas
flores
abelhas, besouros, borboletas, polens
no pântano ou no topo da árvore
flores
presente nas alegrias e nas dores
onde fores
lá estarão as flores
pequenas na tundra distante
exótica Arun Titan
flores
belas, estranhas, tímidas
sagradas
lótus, incenso, flor de Saint Germain
perfumadas, odoríficas
malcheirosa
reinam
apenas reinam acima dos deuses e dos homens

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O GATO

A maritaca no puleiro
pendurado na goiabeira
olha o gato !
- Olha o gato, Dona Maria !
- Olha o gato, Dona Maria !
- Olha...

MUNDO DOS INSETOS

a galinha d´angola caminha e reclama
daquele monte de grama
que tem pra pastar
desviando do rabo que se sacode
entre mutucas e moscas disputando o boi
uma multidão de insetos que enchem o papo dos sapos
bernes, aranhas, carrapatos
cada um em seu espaço
até a mosquinha do banheiro
discreta e muda
oculta no vaso branco e tão limpo
acha um canto
e para todo desencanto
surge ela reinando branca ou dourada
a barata
não podia ser uma borboleta ?
mas se fosse preta dava azar !
mas é a barata
observada atenta pela lagartixa...
Já era !

FRUTO PROIBIDO

mordi a rubra maçã
na busca alquímica do conhecimento
sentindo sua doçura e seu encantamento
rocei-a em meus lábios
num gesto quase sensual
meus olhos fitaram sua casca lisa, brilhante
vermelha
boca vermelha
sangue vermelho
céu vermelho
no final da tarde
sereno e distante
será que foi mesmo a maçã ?
talvez tenha sido outra fruta
oculta entre pergaminhos ancestrais
quem sabe a graviola, o cajá, a jabuticaba ?
que fruta uma serpente come ou vigia ?
fruto de cobra é o melão de São Caetano !
ou será a goiaba, o caju, o cacau, o maracujá ?
entre frutos, anéis, pantáculos e selos
floresce o segredo do conhecimento
que a ciência, ousada e muda,
atrevidamente revela.

EMBURRADA

o tempo corria
enquanto a menina fingia
que não queria o sorvete
que o pai lhe oferecia.
- Quero o bombom, a bala, o bolo de nozes !
O pai se divertia
voltando pra casa
com ela sem nada
andando lerda toda emburrada.

A FLOR

não pensei na formosura da flor
nem em seu perfume
nem na delicadeza de suas pétalas cor de púrpura
ou na sua finalidade como reprodutora
apenas a apanhei
apanhei para presenteá-la
oferecê-la a doce e amada moça
que dependurada na janela me observava
de olhos lânguidos, cabelos despenteados e sorriso disperso
que mordia o canto da boca
seguindo hipnótica meus passos
apanhei a flor
era para ela...
- Quer entrar ? A flor não paga minhas contas, mas você pode pagar !

SONHOS DE CARNAVAL

A mulher sorria enquanto esperava o marido
que bebia e caía dançando o frevo
olhado atento pelo professor que ensinava
e acompanhando a agitação lá de fora
ensinava a menina que sofria e pensava no rapaz
que, sem camisa e suado, jogava bola na quadra
sem saber que ela nele pensava
pois ele queria driblar e festejar o gol junto aos colegas
mas um dos colegas fitava o goleiro
sonho longínquo e secreto
para o destemido e ágil goleiro que liderava o time
com medo de chegar em casa
e encontrar o pai que chegando do frevo,
bêbado e transformado o surrava
por isso, divagava entre sonhos e pensamentos
em ser herói de si mesmo
aparecer na televisão, nos jornais e nas revistas
ao lado de meninas bonitas
com carro do ano e meio insano
gastar fábulas de dinheiro
antes que o coveiro
entre seus últimos sonhos
de ser si mesmo.

O COPO

Havia um copo jogado na praça.
A mulher da limpeza passou e indignou-se com o copo.
Quem foi que jogou o copo ?
O homem do bar, logo em frente, vendo o copo
questionou qual dos clientes o deixou ali.
Deixou ali o copo já molhado pela chuva, queimado pelo sol, carregado pelo vento.
Será cliente do bar da esquina ?
Ou alguém teria vindo bebendo e lançou-o ali ao não ter mais líquido que apreciasse ?
O bêbado estirado no banco nem sabia do copo.
É problema da Saúde, da Vigilância Sanitária...
Não convém chamar rádios e jornais ?
Denunciar o copo ?
O menino que passava, desinformado dos problemas do copo, lançou-o no lixo.

CENA DA LUA

O homem lua
Sorria enquanto corria pela estrada
Ziguezagueando na penumbra oculta
Da mente quieta e confusa
Da menina que brincava alheia com a boneca
Boneca branca e sem cabelos
De cabeça grande como a lua
Sentada no barro modelando a noite
Com olhos de pirilampos
Ígneos e distraídos
Focados no distante breu
Que o limo forma
Com o passar das águas
Turvas e inconscientes
Seguindo seu caminho à margem da calçada
Como a menina, o homem e a lua
Desfilando para uma platéia vazia
E delirando pelos próprios aplausos
Vaga calma ou inquieta
Resmungando ao encontro de uma pedra, de uma nuvem, de um nada
Nada quieto no céu
Onde morcegos, corujas e besouros voam
E o gato olha perspicaz
O sapo engoliu o besouro

domingo, 19 de dezembro de 2010

A REZA

O caminho para chegar ao casebre era íngreme, de terra, serpenteando até o alto do morro, com muitos seixos espalhados, troncos e valas produzidas pelas enxurradas que eventualmente desciam nos dias de chuva, incontroláveis.
De carro o trajeto era impossível, era preciso insistir em uma longa caminhada, a menos que fosse a cavalo; mesmo uma carroça enfrentava suas dificuldades. Mas o esforço era válido, Dona Merenciana era benzedeira conhecida. Moravam sós no topo do morro, ela e a filha. A filha também já demonstrava os sinais da idade e havia ficado solteira, mas não tinha as qualidades da mãe, era retraída, esguia e mais afeita a cuidar da casa, dos animais e da pequena horta enquanto a mãe atendia umas dezenas de pessoas ao longo do dia.
Com um ramo verde que colhia no arbusto em frente à casa, Dona Merenciana abençoava a todos, tirava o mau olhado, quebrante, cobreiro, dores de barriga, bicheira, espinhela caída, entre tantas outras que fomentavam o sofrimento das pessoas. Também recebiam receitas de banhos, chás, ungüentos que renovavam aqueles que a procuravam.
“Seu” Natal era assíduo freqüentador da casa e já presenciara fatos incríveis das conversas que Dona Merenciana tinha com as almas. Ele mesmo recorrendo ao auxílio daquela senhora já havia vivido situações que ninguém acreditaria. Certa vez, indo em visita a sua irmã Adelina, em uma cidade longínqua e na qual nunca havia estado, percebeu que havia esquecido o endereço em cima da cômoda ao pisar na rodoviária. Decidiu, então, seguir para a esquerda intuitivamente e quando encontrasse alguém iria se informando. Numa fração de segundos pediu que Dona Merenciana o iluminasse. Ao chegar em uma esquina deparou-se com uma moça e perguntou se ela conhecia fulana de tal e explicou que não sabia como encontrá-la.
A moça, muito atenciosa e simpática, para surpresa do “Seu” Natal esclareceu que a conhecia e estava indo próximo a casa dela e que não ficava distante dali. Foram conversando ao longo do caminho quando viu sua irmã, enxugando as mãos no avental, em frente a casa. Aliviou-se. Sem qualquer reflexão e preso pela saudade correu ao encontro dela. Notou, então, sua indelicadeza com a moça que o conduzira. Não estava mais ali, correu até a esquina, olhou aos arredores...e nada !
- Preciso agradecer a moça, comentou indignado e envergonhado consigo mesmo.
Adelina sorridente o interpelou esclarecendo que ele vinha caminhando sozinho, não havia ninguém com ele. Ela o estava observando desde longe...e pensando: que bom que ele encontrou minha casa !

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A MADRINHA

Lá ia ela com seu lenço amarrado na cabeça, o vestido de pregas, sua bengala já tão velha quanto ela, a pele queimada do sol e o rosto enrugado, cambaleando. Os olhos pequenos mas muito vivos mostravam que a alma ainda era jovem, atenta e perspicaz.
- Nossa Sinhora te abençoe, meu fio ! , repetia ela, incansavelmente a todos.
E todos a respeitavam, mas também temiam. Era macumbeira, tinha uma casa e na casa, uma roça. Lá na roça vinham os encantados. Pretos-Velhos, Caboclos, Boiadeiros e Crianças. Era coisa séria, que ninguém brincava.
As pessoas a buscavam, em geral, conselhos, um benzimento, um chá para isso ou aquilo. Todos queriam estar com ela. A chamavam de Madrinha.
E a Madrinha acolhia a todos com um carinho e severidade que só ela podia. E o que dizia era lei. Ninguém questionava fosse do menino ao velho, às vezes mais velho que ela.
Madrinha tinha um caboclo e esse caboclo era chamado por todos da vila, até gente distante.
Na vila também morava Tião Barrica que desafiava a tudo e a todos, valentão que nem ele só. Resolvia tudo no soco e no pontapé, amedrontava as crianças, surrava a esposa. Não se incomodava de ir preso e já fora tantas vezes. Já conhecia as pessoas por lá, já tinha uma cela que era só dele.
Quando chegava no bar do Alceu o pessoal já tremia e ia saindo um a um para evitar confusão: que era sempre certa onde ele estava. Um sorriso, uma palavra mais alta, um esbarrão e ele já estava ofendido iniciando a maior pancadaria.
Sebastiana, a mulher de Tião Barrica, estava cansada de apanhar. Vivia machucada e já arrastava uma perna de uma das surras que levara. Algumas pessoas diziam que ela devia ir embora, abandonar ele, mas ela temia. Ele dizia que a encontraria onde ele estivesse e a mataria. Era prudente ficar e agüentar. E também, refletia, ir para aonde ? Sem família, sem destino, ia deixar a casa e os filhos ? Eram seis !
Um dia disfarçou-se como pode e procurou escondida a Madrinha. A anciã a olhou e sorriu, com seu cachimbo deixando tudo anuviado.
E sem que a moça pudesse esboçar uma pergunta, esboçar uma lamentação ou fazer um pedido, a Madrinha aconselhou:
- Só mais um pôco, fia, e vai ficá tá tudo resorvido...Virgi Maria te abençoe !
Sebastiana desatou num pranto só. Só aí disse que não agüentava mais tantos anos de sofrimento.
Saiu desesperançosa, esperava outra coisa. Esperar ela esperava já há muito tempo, durante anos acreditou numa mudança do marido. Quando nasceu o primeiro filho, o segundo...cada dia era esperar algo de bom, que se resumia em surras, descaso, agressões verbais e outros tantos mal tratos.
A Madrinha era a última esperança que também se esvaía. Mas também pudera, o que aquela velhinha poderia fazer ?
Naquela mesma noite, Tião chegou quebrando tudo. Urrando que nem só ele, amedrontando as crianças e deixando os vizinhos alertas em suas casas. Foi até a cozinha, apanhou mais um litro de pinga e saiu, vociferando.
Caminhando na madrugada, já totalmente bêbado, decidiu que iria matar a Madrinha, tinha sempre uma faca consigo e ia espertar a velha, assim gritava. Mirando rumo a casa dirigiu-se para lá.
A noite estava escura, sem lua e quando ouviu o apito do trem já era tarde. Seu corpo foi arremessado à distância. No dia seguinte foi encontrado, irreconhecível.
Não havia quase ninguém no enterro e Sebastiana, embora chocada, demonstrava alívio.
A Madrinha apareceu antes do sepultamento e deixou um cravo vermelho sobre o caixão.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS

Estranho chamado da memória
Frases, cenas, cores, perfumes
Sonhos que emergem do silêncio
Trazendo à tona tantas coisas esquecidas

E você que anda não sei por onde
Caso se lembre de mim
Dos momentos vividos
Das discussões e sorrisos
Dos beijos, suores, gemidos

Há algo estranho que ainda permeia minha alma
Uma quietude que se movimenta
Como a lava oculta no estômago do vulcão
Silêncio falso
Que nem o tempo ocultou

Lixo que se coloca debaixo do tapete
da existência

A opositora razão
insiste em seus discursos áridos
enquanto o coração pulsa inconsciente e soturno
bombeando lembranças.

ENCRUZILHADA

Tenho sede dos teus beijos
De teu olhar displicente
De teu jeito irreverente
De teu olhar carente

O tempo em suas ondas multifocais
Se espalham como labaredas
Consumindo sonhos e encantos
Como fogo nos canaviais

Você se perdeu de mim
nos caminhos que caminhamos
havia encruzilhadas
e não sei em qual das direções seguiu
enquanto eu olhava a lua

a lua serena e meiga
te segue até hoje olhando seus passos
mas discreta e silenciosa
mantém enclausurada minha agonia

E quando desperto
Lá estou eu na encruzilhada
esperando

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

RITMO NOTURNO

Flor oculta que emerge do canto
Que se enrola no ritmo
Que dança no breu da noite
Como fada encantada
Entre as brumas que emergem do lago
Tão quieto

Som que nasce no Congo
Que dispara em encantos
Lago profundo
Que reflete a lua

Te espero
Numa erupção frenética

Me socorre e me acalenta
Me morde
Me lambe
Me beija
Me domina

Numa rede de aranhas
Com fios de seda
E suor condensado
Num grito aguçado

Som que nasce no Congo
Que dispara em encantos
Lago profundo
Que reflete a lua

Lança-me um beijo
Noturno
Uiva, explode em êxtase
E extravasa

Não existo
Me ergo do pó da vida
Nesse ínfimo instante
Calado, taciturno, distante

Em meio a floresta te vejo
Me acaricia
Me sinta
Me deixa

ÉBANO

Foi estranho
Você olhou e sorriu
Num efervescente ciclone de emoções
Você olhou no meu olhar
Vagou destemido em mim
E entendeu...
Fui algemado por sua pele negra, brilhante, escura...
Condenado a sentir-te onde quer que eu esteja
Misterioso fluido que o coração bombeia...
Minhas pupilas percorrem seu corpo
Despindo cada peça de seu vestuário
Sem nenhum pudor
Sem você perceber...
E mesmo que tudo ocorra só no pensamento
Sinto o tremular de meus músculos...
O suor sedento que
Talvez nunca te toque
Nem sinta o sabor ébano de sua boca
Mas a cada noite
Você se aconchega em meus delírios
Calados, secretos, sombrios.

VELUDO

Minhas mãos tateiam
com a maciez do algodão o seu corpo
o silêncio de um ar sufocado
ouço ...
sons audíveis de encanto
num veludo que escorre num campo de pelúcia
com cheiro de mirra...
trêmulo respirar de um beijo
morno, lânguido
veludo molhado
de luar
que respinga como suor
em seu corpo
que se solta
como vento nas colinas...
eu olho.

INSANO

Sentido sem sentido
Vaga a vida
Em caminhos, curvas e paradas
Chove, venta, queima o sol
No granizo que o céu lança de súbito
Desperto entre lúcido e insano
E penso...penso...
Penso no nada que a vida traga
Que porto é esse ? Que minha pobre caravela encosta ?
Areia que chicoteia
Nuvem que abafa
Sorriso que esconde a lágrima
Que se evapora antes de se desbarrancar pelo meu rosto.
Rosto no espelho
Entre sulcos e manchas que a epiderme guarda...
Vida vaga.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A VESPA

O homem e o beiço
O beiço e a vespa
A vespa e o beijo
O beijo e a dor
A dor e o prazer
O prazer e a vida
A vida e a morte
A morte e o mistério
O mistério e o vazio
O vazio e o nada
O nada e o tudo
O tudo e o espaço
O espaço no buraco
Criado pela vespa.

FIM DA PICADA

A vespa picou o rapaz e seus lábios ficaram grossos, carnudos, sensuais.
Lábios latejantes buscando prazer na dor.
A beleza se transforma.
Que beiço feio, menino !
Põe a faca, põe chá de canela, põe gelo e sal com vinagre !
Foi se engraçar com aquela garota de cinturinha fina, levou !
Da próxima vez aquieta o facho e sossega.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A CLAREIRA

Seguia pela rua de pedra admirando a placidez da noite e o vôo silencioso dos morcegos ao redor das árvores. Silêncio tumular, ferido somente pelo latido distante de um cão aparentemente enorme enjaulado em alguma casa não distante dali. A praça deserta, o vento varrendo as folhas secas. Contam que ali fora um cemitério quando a cidade brotava engolida entre as montanhas.
Respirei fundo para sentir a madrugada. Em breve estaria em casa e a vida retornaria a sua monotonia infernal. A cama, a estante, o criado-mudo com uma foto, as paredes manchadas pelas infiltrações. A vida sem sentido: acordar, ir para o trabalho, engolir sapos, ir para a escola...afinal, precisamos ser alguém na vida. E agora, saindo da escola me dou o direito de solitária vagar um pouco, eu comigo mesma, apenas eu e a noite, sem barzinhos, sem conversa furada, sem correr atrás de meninos bonitos para satisfazer um instante obsoleto de minha vida.
Vida ! Como se eu pudesse chamar isso de vida.
Enfim a casa e o mísero quartinho em que me escondo.
- Sai pra lá, Bóris !
Sempre sou recepcionada pelo estrondoso viralata, anunciando minha chegada a vizinhança.
Não tardou a chuva e o sono.
O relógio rimbombou pelo aposento. Hora do trabalho. Entrar no escritório turbulento, telefones, monitores e o corre-corre atropelado de gente carregada de papéis.
Olavo Zanton é o mais novo funcionário. Zanton como prefere ser chamado. Parece amigável, mas é reservado, quieto, de poucas palavras.
- Você é Zaíra, não é ? Da recepção ?, perguntou-me ele buscando ser gentil.
- Sim, faço o atendimento. Você não é daqui ? – perguntei buscando alongar um pouco o assunto enquanto enchia um copinho com café.
- Devia evitar o café..., disse apontando para o copinho num gesto risonho e discriminador, - é...fui transferido, quis respirar um pouco, sair do sufoco da grande cidade.
- Então você vai gostar daqui, monotonia é o que não falta.
- Você podia me apresentar a cidade, não conheço ninguém e muito menos onde estou.
- E aceitou vir para um lugar que nem conhece ?
- Aventura ! Posso esperar você quando sairmos ? De repente estou aqui por sua causa...e isso não é uma cantada !
- Não !, respondi olhando-o nos olhos.
- Oh ! Você é direta !
- Não, exatamente. Saindo daqui vou para a escola. A gente se vê quando eu sair de lá. Espere-me em frente ao portão. É a única escola, você não terá dificuldades em encontrá-la.
O dia correu rápido e não de morou para que eu avistasse Zanton me aguardando diante do velho portão.
- E então, para onde vamos ?, disse ele olhando os reflexos da lua escondida entre as nuvens.
- Hum, tenho um lugar que gosto, mas talvez não lhe agrade, caso esteja pensando em um barzinho.
- Na verdade, passaria a noite caminhando..., comentou ele em fina sintonia com meus sentimentos.
- Vamos, então...
Levei-o a praça, soturna e isolada, do antigo cemitério.
O cenário era o mesmo: as imensas árvores com suas raízes caminhando sobre a terra, os bancos ocultos na penumbra, o vento cantando entre os galhos. Zanton parecia-me hipnótico. Conversamos por horas a fio, sentados no gelado banco, apartados do mundo. Em pouco tempo sabíamos muitos detalhes de um e de outro. Mas algo nele ainda era enigmático.
Nossa presença no banco cativo tornou-se freqüente. Papos intermináveis e animados se sucediam, até que o assunto voltou-se para religião:
- Em que você acredita ?, disparou ele em determinado momento.
- Hum, não sei. Mas acho que deve existir algo maior, mas não vou dizer que realmente acredito. E você ?
- Acredito em muita coisa...o mundo é cheio de mistérios. Deuses, anjos, espíritos e demônios se esbarram a todo momento.
- Jura ?! Não vai me falar em assombrações, vampiros e lobisomens ! Falando sério, você segue qual religião ?
- Todas e nenhuma.
- Como assim ?
- Os antigos deuses ainda reinam, assim como aqueles vinculados às crenças atuais. E ainda aqueles que ainda vão emergir...
- Mas hoje ninguém acredita mais nisso...
- Muitos sabem que existem, sim, e os cultuam. Osíris, Baal, Ishtar, deuses de todas as civilizações...podem ser conectados.
- Achei que hoje eles só existissem nas aulas de História !
- Os deuses são eternos...
Zanton levou-me a um bosque ali próximo (para quem não conhecia nada dali, ele estava um GPS incrível). A clareira era magnífica, parecia acolher a lua cheia em plenitude. Acendeu uma fogueira. A lenha já estava ali disposta aguardando nossa chegada. Retirou do bolso um saquinho de tecido e aspergiu o pó sobre as chamas quentes e azuladas. Pediu que eu apenas observasse e que, em hipótese alguma, saísse dali. Na clareira estaria segura e protegida.
Ajoelhou-se no centro do círculo formado por imensas árvores. Pareceu tornar-se de cera. Um vento forte agitou as folhagens e passei a ouvir passos estalando galhos secos no breu do bosque. Gradualmente foi se despindo enquanto pronunciava palavras estranhas num tom lamentoso e ritmado. Ouvi um estrondo que me abalou, meu coração começou a pulsar sofregamente e tive vontade de sair em disparada, mas me contive, não iria me aventurar naquela escuridão.
A lua pareceu situar-se exatamente onde estávamos. Tive a nítida impressão de alguém estar parado atrás de mim. Não ousei olhar para trás.
Zanton levantou-se e ergueu os braços clamando por algo. A lua encobriu-se, as chamas da fogueira oscilavam gerando luz e total escuridão. Foi num desses momentos em que sucedendo as trevas, o fogo ergueu-se e vi um homem muito alto, de cabelos longos e esvoaçantes, também nu, diante de meu amigo. Ao lado desse homem havia um lobo de olhos chamejantes. O homem olhou-me entrando pelos meus olhos como lâmina afiadíssima e congelando minha alma. Comecei a tremer intensamente, mas estava paralisada.
Outro vacilar do fogo e Zanton estava só, ajoelhado.
Novamente vieram palavras desconexas e vibrantes, como um agradecimento ou algo assim.
Lentamente levantou-se, vestiu-se e disse-me que podíamos ir. Permaneceu em completo silêncio e disse-me que nada havia a temer.
Estava muito curiosa para interrogá-lo. Após o medo, passei a me interessar profundamente e imaginei poder conectar-me com uma divindade.
Zanton era muito querido por todos, havia uma sedução natural nele. Transmitia confiança e até dependência. Culto, inteligente e “na dele”, sabia ouvir e aconselhar, com a experiência de alguém muito velho, apesar de sua pouca idade. Algumas pessoas do trabalho diziam que era a reencarnação de alguém já evoluído.
Em uma das noites em que ia me buscar para conversarmos pude apresentar um colega de classe, Thiago, um loirinho de olhos bem azuis. Não demorou para que formássemos um trio, sempre juntos, bastando nos aproximarmos para surgir inúmeras brincadeiras descontraídas.
Percebi que havia algo mais entre Zanton e Thiago. À princípio julguei ser ciúme de minha parte, mas aos poucos percebi que não era impressão ou encucação minha.
Zanton contou-me que aquele homem que eu vira na clareira era um vampiro e que ele também era, que ele se alimentava da energia de algumas pessoas. Explicou-me que tinha uma alimentação normal como qualquer pessoa, mas precisava de outros fluidos para manter-se jovem, lépido e eterno.
Achei fascinante, mas não acreditei em uma só palavra. Ele era cheio de brincadeiras.
Naquela noite foram para a clareira apenas ele e Thiago.
Thiago estava apaixonado, mas não era essa a palavra. Estava alucinado, pensava fixamente em Zanton e parecia regredir em todas as outras coisas: na escola, no trabalho, nas metas de vida. Eu que me sentia até então tão sem objetivos, tinha o efeito contrário, sonhava cada vez mais e me sentia incrivelmente feliz.
Conheci um rapaz, cliente do escritório, e combinamos sair. Resolvi dar uma chance a mim mesma. Ser normal, como toda e qualquer garota, embora com o coração apertado, pois deixaria de ver Zanton naquela noite e isso me torturava.
Meu encontro com o cliente foi intenso, sexual, ardente. Sentia-me revitalizada, viva. Thiago comentou que eu estava estranhamente linda. Zanton olhou-me e sorriu dizendo “que é assim que começa”.
Soube que Zanton saía eventualmente com outros rapazes, mas mantive o segredo para não ferir Thiago. Estranhamente comecei a sentir essa necessidade: a de deixar fluir a luxúria. Tinha a impressão de poder sentir o cheiro das pessoas e identificar se seria um bom parceiro ou não.
Curiosamente notei que as pessoas começavam a perceber-me, a conversar mais, a reconhecer meus progressos e minhas vitórias...meu chefe até prometeu que eu subiria de cargo.
- O que está acontecendo comigo ?, indaguei Zanton enquanto me ajeitava entre as raízes de uma grande árvore.
- Algo mais aconteceu naquela noite na clareira...você foi apresentada e aceitou “fazer parte do grupo”.
- Não me lembro de nada disso...apenas fiquei petrificada. Fiquei morrendo de medo.
Zanton levantou-se e colocou o polegar entre as minhas sombrancelhas.
- Feche os olhos e se lembre - ordenou ele.
Imediatamente muitas cenas começaram a pulular diante de mim. Vi o vampiro aproximar-se e olhar-me fixamente. Vi, então, que eu estava nua no centro da clareira deixando-me penetrar por ele, em muitas posições, enquanto o vento chicoteava o fogo. Ele beijava meu pescoço e o prazer era intenso, como nunca havia experimentado.
- Isso é o que você faz com as pessoas agora, comentou ele sorrindo enquanto voltava a se sentar no banco de cimento. Isso é o que faço. Através da energia emanada pelo sexo nos alimentamos, além do sangue. Mas isso não é promiscuidade, nem se preocupe porque você não vai viver pensando “só nisso”. Será sempre um ritual mágico, em que você assume sua eternidade.
- Sangue ?, questionei sem entender.
- Você não beija o pescoço, você bebe o sangue. O sangue vivo e pulsante. É isso que revitaliza...
- Eu não faço isso...protestei indignada.
- Ainda não conscientemente, mas o fará...vaticinou Zanton com segurança.
- O Thiago também ? – perguntei interessada.
- Não, ele é apenas alimento. Você saberá quando deve trazer alguém para o grupo.
- Mas não sei fazer aqueles rituais, não tenho o conhecimento que você tem. Sou apenas alguém que ralo no trabalho durante o dia e faço o Ensino Médio à noite...
-...e caça de madrugada ! Não se preocupe, após mim você conhecerá outro que a instruirá em outras artes...já chegou minha transferência, vou para outra cidade...
- Você não pode deixar-me, deixar o Thiago...
- Os vampiros são solitários, embora vivam momentamente com seu grupo. Em breve você conhecerá o seu...
Já fazia um mês que Zanton havia ido embora quando encontraram Thiago boiando no rio que corta a cidade. Eu, por minha vez, voltei ao meu retiro cotidiano, cortado eventualmente por um momento mais ardente com alguém.
Respirei fundo para sentir a madrugada. Em breve estaria em casa e a vida retornaria a sua monotonia infernal. A cama, a estante, o criado-mudo com uma foto, as paredes manchadas pelas infiltrações. A vida sem sentido: acordar, ir para o trabalho, engolir sapos, ir para a escola...afinal, precisamos ser alguém na vida. E agora, saindo da escola me dou o direito de solitária vagar um pouco, eu comigo mesma, apenas eu e a noite, sem barzinhos, sem as conversas alegres com Zanton, caçando às vezes meninos bonitos para satisfazer um instante obsoleto de minha vida.
Ali estava eu diante da praça do cemitério, mais uma vez solitária e desesperançosa. Foi quando um homem já idoso se aproximou:
- Como está garota ? Zanton disse que iria me encontrar, não disse ? Então vem comigo. Está na hora de você se tornar realmente vampira.

FLAUTA DE PÃ

Sorri o sorriso dos deuses
Dos bem-aventurados, dos iluminados,
Enigmático, santificado e feroz,
Entre odores de crisântemos e adelfas,
Cantarolando nos muros ovais da vida
Olhando o mundo sob os olhos distantes
De Hórus, de Zeus, de Shiva e Baal
Tantos que já passaram por aqui
Os que reinam hoje
Serão contos pagãos do amanhã
Ouço a lépida flauta de Pã ressoar
Nos bosques obscuros  e silentes
Pássaro de Ossayn que sobrevoa o caos
Dentre folhas de cores tantas
E tantos valores
Ressurge inolvidável e pura
A mão nívea que acalenta o canto
Musas distraídas que se divertem
Como iara entre as flores dos aguapés
Deusa alada da fortuna
Nos caminhos fartos de Ishtar
Caminhante da humanidade
Vapores do que se foi
Na metamorfose camaleônica
Do então.

CINZAS AO VENTO

Sou livre como o vento
Percorrendo montanhas, pastagens e acampamentos
Assim vivo e tento
Espalhando sorriso e lamento
Entre bosques e alamedas
Que se contorcem nos limites severos
Das prisões

Vento, ah o vento
Brisa em seu acalento
Viragem
Tufão
Pensamento
Turbilhão de idéias e comportamentos

Vento
Quisera acompanhar-te entre tantos recantos
E tornar a vida um encanto

Silencioso, parco ou barulhento
Vento
Molhado
Num manto de areia
Coberto de folhas

Redemoinho gigante
Eólico
Em puro movimento
És o vento

Quando morrer quero minhas cinzas
Lançadas ao vento
E viajarei por terras que não pude conhecer

Vou provar aromas
Tocar flores e pântanos
Escalar barrancos
Tocar as nuvens
Beijar o cume das montanhas
E mergulhar no mar
Para que numa onda barulhenta
Surja e desapareça
No ciclo infindável da vida.

MEU TEMPO

Tempo
O pó do tempo
O silêncio ruidoso do tempo
Tempo de minha infância
Dos beijos, esporinhas e margaridas no jardim
Dos abacateiros, goiabeiras e roseiras
Das cercas de bambu
Cobertas de amor-agarradinho
Que o tempo levou
Lembranças do tempo
Um tempo que resiste em se diluir no tempo
Tempo este que passará
Emergindo um outro tempo
Ou o mesmo tempo
No tempo em que esse novo tempo se faz
Penso no tempo
Sem ter tempo para tanta coisa
Mas ali está o tempo
Como serpente hipnotizando cada momento
Passado, presente e futuro
Onde está cada um deles no tempo ?
Nas linhas das mãos
No arquétipo dos deuses
Na bola de cristal
No baralho sobre a mesa
No olhar quieto e sarcástico do tempo...

VENTO DO MAR

Eu não vi o mar
Nem pude me encantar com o canto
Tão belo e hipnótico da sereia
No encontro lúgubre das ondas e das rochas
Batuque matreiro na beira do mar
Seu corpo de areia que me assanha
Como aranha sacudindo a teia
No sopro do vento
Que levanta a onda
Do mar
O seu cheiro que se confunde com a maresia
Das rosas vermelhas
Enfeitando a renda das espumas
Você se desnuda
Areia que reluz a lua
Quero ser tua
No horizonte do mar
Onde o sol beija a praia
Lampeja teu corpo
E me faz delirar
Ah! O mar
O mar feiticeiro
Moleque fagueiro
Me deixa sonhar...

MEMÓRIAS

Pobres sinos
Quando o ribombar do bronze
Agia na alma
Tocava os corações
Traduzia em sinais
Seu ressoar metálico

Catedral altiva e bela
De esmagadora beleza
Altiva, inóspita, eterna
Poder sobre deuses e homens

Catedral, poder fortuito,
Denunciando o poder dos deuses sobre tudo
Ou da classe sacerdotal neste mundo
Onde nada é gratuito

Façam tocar os sinos
E despertar as catedrais
Os deuses se silenciaram
Esperando um novo tempo
Esperando outros deuses
Esperando outros homens

O altar da vida é a consciência
Atenta, misericordiosa e cruel
Santa e demoníaca
Traduzida em tantos nomes
Na memória infalível do tempo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

MADRUGADA FRIA

“Beberiquei orvalhos, na cafeteira da madrugada”
“O caçador de ausências”/Mia Couto

            O dia passou rápido e os ruídos sofreram a transmutação do crepúsculo. Deixando-se varrer para dentro das sombras da noite. A lua me fitava altiva, fria com seu descaso corriqueiro de quem apenas desfila na passarela ebúrnea do tempo sem olhar para os expectadores.
            Seguia eu também meu caminho comum, aquela mesma rua, os mesmos botecos já suspendendo as portas, um menino mal trajado pedindo moedas. Meu caminho. Caminho esse que se revelava tão particular a cada instante: quando irritado eu seguia sempre encontrava uma pedra para quase torcer o pé, um nível mais elevado da calçada para tropeçar, um bêbado inconveniente para perturbar. Outras vezes era possível identificar o canto solitário de um sabiá laranjeira entre as poucas árvores que lhe restavam, uma criança fazendo estrepolias aplaudida pela mãe coruja, a alegria de cruzar com tantos olhares e belezas diversas. Outras tantas vezes tudo parece indiferente e a única coisa que desejo é chegar em casa e me esquecer.
            A noite avançava destemida e um vento suave e fresco passava roçando todo meu corpo. Beijei a noite. Beijei-a escandalosamente. Deixei-me senti-la. Não tinha estrelas. De longe vinha o som de algum lugar onde tocava um samba de roda. Em um barzinho pessoas conversavam animadamente saboreando uma cerveja gelada. Eu estava só. Eu e a noite. A solidão, contudo, não era depressiva, mostrava-se repleta de virtudes.
            Decidi sentar-me. Pedir um lanche nesses traillers, atraído pelo cheiro de bacon que alfinetava a todos que passavam. Lá vai um x-bacon e uma cerveja, uma latinha. Sorte encontrar algo a essas horas. A mulher cansada e com todos os odores pelo corpo, ainda buscava servir-me com presteza e atenção.
            As trevas da noite atingiam seu ápice e uma garoa fina saltitava sobre a terra. Sorri analisando aquele meu momento, só meu. Em breve outro dia iria se precipitar trazendo suas próprias emoções e acontecimentos.
            Achei por bem curtir a madrugada. Sorvê-la. Do meu jeito, do jeito que pude fazê-la feliz.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DONA SERENA

           Muito velha, sulcada pelas rugas, ninguém se atrevia a arriscar a idade daquela mulher que parecia ter atravessado os séculos. Não se sabe há quanto tempo morava recolhida em uma casa de pau a pique na mata fechada perto do vilarejo. Sempre com seu vestido com dois bolsos para apoiar as mãos, lenço na cabeça evidenciando seus cabelos alvos e longos, presos por um birote.
            Os avós e tataravós diziam que ela já era assim quando eram crianças. Era temida e muitas lendas corriam entre as árvores do bosque sobre ela. Dona Serena. Esse era seu nome.
            Sua casa estava fincada em um lugar paradisíaco. Além de grandes e copadas árvores, um rio cristalino formado por uma cachoeira de águas geladas e puras desabava não muito longe. Contam que ali se banhava, com o sabão de cinza que ela mesma fazia. Se banhava também com um certo sabão que lhe devolvia a juventude e se tornava bela e sedutora. Narram que já viram a transformação em noite de lua cheia. Seus cabelos prateados pela luz da lua vão se tornando escuros como o breu e seu corpo vai recuperando curvas e maciez.
            Nessas noites, Serena deixa sua cabana isolada para penetrar nos sonhos dos moradores do vilarejo, em especial dos meninos que terão sua primeira polução noturna. Sonhos se sucedem deleitando a todos e fazendo-os despertar excitados ou já não mais. Como um súcubo viaja com o vento e adentra as casas pelas frestas das janelas. Por isso, algumas esposas preocupadas cuidavam de fechar todos os vãos perceptíveis de suas casas no afã de proteger seus maridos ou impedir que os compartilhem com a feiticeira.
            Especula-se que é com o sêmen coletado que ela faz a alquimia que a mantém eterna.
            Jão Terezo sempre sonha com Serena e acredita ser eleito, seu favorito. Esse é o seu assunto enquanto vira uma branquinha no Bar do Tadeu ou enquanto racha lenhas. Vive pensando na noite, pois na noite sonhará com Serena. A pequena população ri dos delírios do moço.
            Apesar das advertências, Jão Terezo decide ir ao encontro da amada na mata fechada. É um caminho perigoso e a velha não é confiável.
            Quando Dona Serena desce para o vilarejo em busca de mantimentos, tudo se torna silêncio. O cão não late, o galo não canta, a galinha não cacareja. Só depois que ela se afasta pegando a trilha lá no longe é que parece tudo voltar a respirar. Não se vêem crianças nas ruas e há quem diga que nem pássaros passam voando.
            Mesmo assim Jão Terezo tomou a trilha. Acompanhado pelo olhar atento dos jacus e cocorutas, seguiu entre os arbustos e árvores antiqüíssimas. Macacos prego e chauás do alto das árvores estranhavam tal presença. Um vento úmido acariciava seu corpo, enquanto urtigas anunciavam que não era bem vindo.
            Caminhou longa parte do dia até que ouviu as águas despencando na cachoeira. Sorriu, alimentando em sua mente os mais doces sonhos. Atravessou cipoais, até que pode visualizar toda beleza daquele lugar. Ao subir o barranco pode ver a mais deslumbrante mulher banhando-se alheia a tudo, sentada sobre uma rocha próxima a queda d´água. Ela parecia não ter percebido sua presença, mas estava ainda mais provocante.
            Serena o olhou como se penetrasse João Terezo. Ele sentiu-se profundamente atraído e nem percebeu que se encontrava demasiadamente no alto e deixou-se lançar rumo a ela. Jão Terezo sentiu seu corpo cair em queda livre.
            Despertou no centro da praça, entre as folhagens. Acordou atordoado, não reconhecendo o local a princípio e sem entender o que acontecera.
            Naquela tarde Jão Terezo conheceu Odete, sobrinha do alfaiate e que iria morar com ele. Enamoraram-se. Mas essa é uma outra estória.  
           

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O MOSQUITO


A couve e o prato
O prato e a sopa
A sopa e a fome
A fome e a miséria
A miséria e o dinheiro
O dinheiro e a fortuna
A fortuna e o gato
O gato e o muro
O muro e o ladrão
O ladrão e o dinheiro
O dinheiro e o verdureiro
O verdureiro e o plantio da couve
A couve e a lagarta
A lagarta e a Peris rapae
A borboleta e o repelente
O repelente e o mosquito
O mosquito e o cão
O cão comeu o mosquito.

MARIA DO BREJO

            Maria do Brejo. Assim era chamada. Morava distante do vilarejo incrustrada na mata, entre paus d´alho, dracenas e açoita cavalo. A casinha era simples, mas denunciava sua antiguidade. Tão antiga quanto a moradora. Os olhos vivos e profundos em um rosto marcado abundantemente pelas rugas. Sempre de lenço na cabeça e vestidos surrados, mostrava a vida dura do campo e os sofrimentos que certamente a vida lhe proporcionara.
            Era conhecida benzedeira. Curava as crianças e adultos: mau olhado, quebranto, espinhela caída, vento virado, bicheira e tantas coisas mais. Respeitada e temida ao mesmo tempo. Sua casa tinha as paredes repletas de quadros de santos já empalidecidos e rodeados de ramos secos, fitas e breves.
            Perto dali tinha um brejo, grande, cheio de taboas e uma dezena de outras espécies se confundindo entre as águas e gerando uma aparência hostil, residência de jararacas e outros répteis peçonhentos.
            Maria do Brejo ali vivia. Solitária. Diziam que o homem que amava, quando ainda jovem e formosa, havia fugido com outra e Maria do Brejo se fechou em si mesma, refugiando-se na mata. Quando de lá saiu benzia e curava.
            Um dia Maria do Brejo sumiu. A casa estava intacta, nada levara dali. A partir daí muitos rumores surgiram, inúmeras estórias proliferaram na vila. A casa estava encantada. As estórias atiçavam a imaginação, em especial, dos mais jovens que resolviam desafiar Maria do Brejo e visitar sua casa. Retornavam sempre esbaforidos, aterrorizados, retornando às suas casas com mais estórias. Uns diziam ter visto sombras e ruídos estarrecedores, estalos e uivos. Outros anunciavam ter saído uma vaca braba de trás da casa que os perseguiu até a ponte. Outros descreviam um enorme pássaro negro pousado sobre a casa da benzedeira.
            Os jovens ansiavam e temiam chegar até a casa. E tudo transcorria num grande conto fantástico até que Vitinho, filho impúbere de Dona Carlota desapareceu. Os moradores revoltaram-se e decidiram colocar fim a estas estórias incendiando a casa do bosque. Somente foram impedidos por uma violenta tempestade. Os ventos pareciam querer arrastar tudo e o céu desabava sobre o lugar. Aponte que ligava a casa ao vilarejo foi arrastada como folha seca entre águas.
            Os moradores apavoraram-se imaginando vingança da anciã sobre todos. Velas foram acesas e o Credo foi rezado em todas as residências.
            Após a chuva Vitinho apareceu. Lamacento, cansado, riscado por galhos e espinhos. Esclareceu que havia se perdido na mata e uma velha lhe indicou o caminho. Era Maria do Brejo ! Todos estavam certos disso.
            A casa continua quieta e taciturna, isolada entre as árvores  e orquestrada pelas rãs que vivem naquele brejo.           

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CENA NOTURNA : A CAMINHO DO RANCHO

             O automóvel passou rápido fazendo ouvir apenas os estilhaços das pedras. O canavial se confundia com a noite escura. Vez ou outra o farfalhar das folhas se evidenciava chamando levemente a atenção. Um clarão ao longe denunciava que o fogo se alastrava.
            Como pequenos diamantes pequenas cidades se mostravam encrustradas na escuridão. Céu ébano, sem lua e sem estrelas.
            Só faltava o carro quebrar, comentou a amiga entre brincadeira e preocupação.
            Um cachorro cruza a pista.
            - Não pára !, grita a moça desesperada.
            Um ganido, e o cão também grita.
            - Será que matei ele ?
            O caminho era pela estrada de terra. Árvores secas e um milharal.
Um solavanco e o carro parou.
Não dá partida.
- Fui mordida !, anuncia indignada.
A mão incha e lateja avermelhada.
- Que bicho me picou ?
A plantação parecia tenebrosa, remetendo a um filme de terror. Pareciam estar sendo observadas.
- Liga no celular do Gui. Ele já lá no rancho e vem buscar a gente.
Bendito celular.


CONTOS EMANADOS DE SITUAÇÕES COTIDIANAS

“Os contos e poemas contidos neste blog são obras de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”

SABORES DO COMENDADOR

Ator Nacional: Carlos Vereza

Ator Internacional: Michael Carlisle Hall/ Jensen Ackles/ Eric Balfour

Atriz Nacional: Rosamaria Murtinho / Laura Cardoso/Zezé Mota

Atriz Internacional: Anjelica Huston

Cantor Nacional: Martinho da Vila/ Zeca Pagodinho

Cantora Nacional: Leci Brandão/ Maria Bethania/ Beth Carvalho/ Alcione/Dona Ivone Lara/Clementina de Jesus

Música: Samba de Roda

Livro: O Egípcio - Mika Waltaire

Autor: Carlos Castañeda

Filme: Besouro/Cafundó/ A Montanha dos Gorilas

Cor: Vinho e Ocre

Animal: Todos, mas especialmente gatos, jabotis e corujas.

Planta: aloé

Comida preferida: sashimi

Bebida: suco de graviola/cerveja

Mania: (várias) não passo embaixo de escada

O que aprecio nas pessoas: pontualidade, responsabilidade e organização

O que não gosto nas pessoas: pessoas indiscretas e que não cumprem seus compromissos.

Alimento que não gosta: coco, canjica, arroz doce, melão, melancia, jaca, caqui.

UM POUCO DO COMENDADOR.


Formado em Matemática e Pedagogica. Especialista em Supervisão Escolar. Especialista em Psicologia Multifocal. Mestre em Educação. Doutor Honoris Causa pela ABD e Instituto VAEBRASIL.

Comenda Rio de Janeiro pela Febacla. Comenda Rubem Braga pela Academia Marataizense de Letras (ES). Comenda Castro Alves (BA). Comendador pela ESCBRAS. Comenda Nelson Mandela pelo CONINTER e OFHM.

Cadeira 023, da Área de Letras, Membro Titular do Colegiado Acadêmico do Clube dos Escritores de Piracicaba, patronesse Juliana Dedini Ometto. Membro efetivo da Academia Virtual Brasileira de Letras. Membro da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias. Membro da Literarte - Associação Internacional de Escritores e Acadêmicos. Membro da União Brasileira de Escritores. Membro da Academia de Letras e Artes de Fortaleza (ALAF). Membro da Academia de Letras de Goiás Velho (ALG). Membro da Academia de Letras de Teófilo Ottoni (Minas Gerais). Membro da Academia de Letras de Cabo Frio (ARTPOP). Membro da Academia de Letras do Brasil - Seccional Suíça. Membro da Academia dos Cavaleiros de Cristóvão Colombo. Embaixador pela Académie Française des Arts Lettres et Culture. Membro da Academia de Letras e Artes Buziana. Cadeira de Grande Honra n. 15 - Patrono Pedro I pela Febacla. Membro da Academia de Ciências, Letras e Artes de Iguaba Grande (RJ). Cadeira n.º 2- ALB Araraquara.

Moção de Aplausos pela Câmara Municipal de Taquaritinga pelos serviços em prol da Educação. Moção de Aplausos pela Câmara Municipal de Bebedouro por serviços prestados à Educação Profissional no município. Homenagem pela APEOESP, pelos serviços prestados à Educação. Título de Cidadão Bebedourense. Personalidade 2010 (Top of Mind - O Jornal- Bebedouro). Personalidade Mais Influente e Educador 2011(Top of Mind - O Jornal- Bebedouro). Personalidade 2012 (ARTPOP). Medalha Lítero-Cultural Euclides da Cunha (ALB-Suíça). Embaixador da Paz pelo Instituto VAEBRASIL.

Atuou como Colunista do Diário de Taquaritinga e Jornal "Quatro Páginas" - Bebedouro/SP.
É Colunista do Portal Educação (http://www.portaleducacao.com.br

Premiações Literárias: 1º Classificado na IV Seletiva de Poesias, Contos e Crônicas de Barra Bonita – SP, agosto/2005, Clube Amigo das Letras – poema “A benção”, Menção Honrosa no XVI Concurso Nacional de Poesia “Acadêmico Mário Marinho” – Academia de Letras de Paranapuã, novembro/2005 – poema “Perfeita”, 2º colocado no Prêmio FEUC (Fundação Educacional Unificada Campograndense) de Literatura – dezembro/2005 – conto “A benção”, Menção Especial no Projeto Versos no Varal – Rio de Janeiro – abril/2006 – poema “Invernal”, 1º lugar no V Concurso de Poesias de Igaraçu do Tietê – maio/2006 – poema “Perfeita”, 3º Menção Honrosa no VIII Concurso Nacional de Poesias do Clube de Escritores de Piracicaba – setembro/2006 – poema “Perfeita”, 4º lugar no Concurso Literário de Bebedouro – dezembro/2006 –poema “Tropeiros”, Menção Honrosa no I concurso de Poesias sobre Cooperativismo – Bebedouro – outubro/2007, 1º lugar no VI Concurso de Poesias de Guaratinguetá – julho/2010 – poema “Promessa”, Prêmio Especial no XII Concurso Nacional de Poesias do Clube de Escritores de Piracicaba, outubro/2010, poema “Veludo”, Menção Honrosa no 2º Concurso Literário Internacional Planície Costeira – dezembro/2010, poema “Flor de Cera”, 1º lugar no IV Concurso de Poesias da Costa da Mata Atlântica – dezembro/2010 – poema “Flor de Cera”. Outorga do Colar de Mérito Literário Haldumont Nobre Ferraz, pelo trabalho Cultural e Literário. Prêmio Literário Cláudio de Souza - Literarte 2012 - Melhor Contista.Prêmio Luso-Brasileiro de Poesia 2012 (Literarte/Editora Mágico de Oz), Melhor Contista 2013 (Prêmio Luso Brasileiro de Contos - Literarte\Editora Mágico de Oz)

Antologias: Agreste Utopia – 2004; Vozes Escritas –Clube Amigos das Letras – 2005; Além das Letras – Clube Amigos das Letras – 2006; A Terra é Azul ! -Antologia Literária Internacional – Roberto de Castro Del`Secchi – 2008; Poetas de Todo Brasil – Volume I – Clube dos Escritores de Piracicaba – 2008; XIII Coletânea Komedi – 2009; Antologia Literária Cidade – Volume II – Abílio Pacheco&Deurilene Sousa -2009; XXI Antologia de Poetas e Escritores do Brasil – Reis de Souza- 2009; Guia de Autores Contemporâneos – Galeria Brasil – Celeiro de Escritores – 2009; Guia de Autores Contemporâneos – Galeria Brasil – Celeiro de Escritores – 2010; Prêmio Valdeck Almeida de Jesus – V Edição 2009, Giz Editorial; Antologia Poesia Contemporânea - 14 Poetas - Celeiro de Escritores, 2010; Contos de Outono - Edição 2011, Autores Contemporâneos, Câmara Brasileira de Jovens Escritores; Entrelinhas Literárias, Scortecci Editora, 2011; Antologia Literária Internacional - Del Secchi - Volume XXI; Cinco Passos Para Tornar-se um Escritor, Org. Izabelle Valladares, ARTPOP, 2011; Nordeste em Verso e Prosa, Org. Edson Marques Brandão, Palmeira dos Indios/Alagoas, 2011; Projeto Delicatta VI - Contos e Crônicas, Editora Delicatta, 2011; Portas para o Além - Coletânea de Contos de Terror -Literarte - 2012; Palavras, Versos, Textos e Contextos: elos de uma corrente que nos une! - Literarte - 2012; Galeria Brasil 2012 - Guia de Autores Contemporâneos, Celeiro de Escritores, Ed. Sucesso; Antologia de Contos e Crônicas - Fronteiras : realidade ou ficção ?, Celeiro de Escritores/Editora Sucesso, 2012; Nossa História, Nossos Autores, Scortecci Editora, 2012. Contos de Hoje, Literacidade, 2012. Antologia Brasileira Diamantes III, Berthier, 2012; Antologia Cidade 10, Literacidade, 2013. I Antologia da ALAB. Raízes: Laços entre Brasil e Angola. Antologia Asas da Liberdade. II Antologia da ACLAV, 2013, Literarte. Amor em Prosa e Versos, Celeiro de Escritores, 2013. Antologia Vingança, Literarte, 2013. Antologia Prêmio Luso Brasileiro - Melhores Contistas 2013. O tempo não apaga, Antologia de Poesia e Prosa - Escritores Contemporâneos - Celeiro de Escritores. Palavras Desavisadas de Tudo - Antologia Scortecci de Poesias, Contos e Crônicas 2013. O Conto Brasileiro Hoje - Volume XXIII, RG Editores. Antologia II - Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro. antologia Escritores Brasileiros, ZMF Editora. O Conto Brasileiro Hoje - Volume XXVI - RG Editores (2014). III Antologia Poética Fazendo Arte em Búzios, Editora Somar (2014). International Antology Crossing of Languages - We are Brazilians/ antologia Internacional Cruce de Idiomas - Nosotros Somos Brasileños - Or. Jô Mendonça Alcoforado - Intercâmbio Cultural (2014). 5ª Antologia Poética da ALAF (2014). Coletânea Letras Atuais, Editora Alternativa (2014). Antologia IV da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Editora Iluminatta (2014). A Poesia Contemporânea no Brasil, da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Editora Iluminatta (2014). Enciclopédia de Artistas Contemporâneos Lusófonos - 8 séculos de Língua Portuguesa, Literarte (2014). Mr. Hyde - Homem Monstro - Org. Ademir Pascale , All Print Editora (2014)

Livros (Solos): “Análise Combinatória e Probabilidade”, Geraldo José Sant’Anna/Cláudio Delfini, Editora Érica, 1996, São Paulo, e “Encantamento”, Editora Costelas Felinas, 2010; "Anhelos de la Juvenitud", Geraldo José Sant´Anna/José Roberto Almeida, Editora Costelas Felinas, 2011; O Vôo da Cotovia, Celeiro de Escritores, 2011, Pai´é - Contos de Muito Antigamente, pela Celeiro de Escritores/Editora Sucesso, 2012, A Caminho do Umbigo, pela Ed. Costelas Felinas, 2013. Metodologia de Ensino e Monitoramento da Aprendizagem em Cursos Técnicos sob a Ótica Multifocal (Editora Scortecci). Tarrafa Pedagógica (Org.), Editora Celeiro de Escritores (2013). Jardim das Almas (romance). Floriza e a Bonequinha Dourada (Infantil) pela Literarte. Planejamento, Gestão e Legislação Escolar pela Editora Erica/Saraiva (2014).

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Metodologia e Avaliação da Aprendizagem

Pai´é - Contos de Muito Antigamente

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Contos de Geraldo J. Sant´Anna e fotos de Geraldo Gabriel Bossini

ENCANTAMENTO

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Análise Combinatória e Probabilidades

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juntamente com o amigo Cláudio Delfini

Anhelos de la Juvenitud

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Edições Costelas Felinas

A Caminho do Umbigo

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Edições Costelas felinas

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Antologia Literária Cidade - Volume II

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Antologia da ALAB

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Antologia Poesia Contemporânea - 14 Poetas

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Lançamento do CELEIRO DE ESCRITORES

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