domingo, 30 de janeiro de 2011

O LABRADOR

Mais um dia Olga estacionou seu carro junto a escola, teria aulas a manhã toda. Professora de Matemática, respeitada e temida pelos alunos, altamente racional, avaliava todos os acontecimentos através de uma lógica irrepreensível. Dessa forma, acreditava no que via, ouvia e pudesse representar através de seu apurado raciocínio. Assim não se propunha a discutir questões de fé com colegas católicos, evangélicos, espíritas ou umbandistas que com ela conviviam, pois seria inevitável um comentário irônico, uma proposta desafiadora ou mesmo a ridicularização das crenças daquelas pessoas. Simplesmente não acreditava em Deus ou qualquer manifestação espiritual. Com a morte seria esterco, alimento para animais que a natureza, atendendo-se a um equilíbrio ecológico, providenciara para que o ciclo fosse garantido.
Colegas professores muitas vezes a acreditavam infeliz com tais posturas e filosofia, mas Olga contradizia a todos mostrando-se compenetrada em seu trabalho, filha dedicada, dona de um extenso patrimônio. Não se casara, algumas decepções no início de sua fase de namoro e de forma impassível decidira que permaneceria solteira. Era uma senhora bonita, com a pele bem cuidada, cabelos louros armados, sempre com penteados volumosos, olhar de um carcará, imputando imediato silêncio nas salas de aulas e algumas vezes até produzindo absoluto silêncio na sala dos docentes. Vestidos discretos, com babados e rendas, salto alto e bolsas da moda e marcas caríssimas.
Vivia com seu pai, Sr. Benvindo Barata, agora aposentado, provinha de família abastada. O avô havia conquistado um império, hoje administrado pelos seus dois irmãos. Pessoa de aparência severa, olhar firme e nariz adunco, de raros cabelos e andar elegante revelando sua procedência. A idade já começava a comprometer sua antiga agilidade e disposição.
Certa manhã, Olga recebeu um telefonema na escola de sua empregada, já há anos na casa, de que seu pai não passava bem. Em pouco tempo o vai-e-vem de familiares no hospital denotava que o estado do homem não era bom. Benvindo faleceu, o coração simplesmente parou de bater. Foi um grande choque para a filha. Lágrimas contidas e um séquito luxuoso rumo ao mausoléu da família. Ouviu impávida as palavras de consolo dos amigos apontando possíveis situações da alma do falecido, conforme as crenças que nutriam. Olga ignorou a todas as falas, em pouco tempo seu pai seria reduzido a um esqueleto inerte e empoeirado.
Passados meses, Olga confessou que estava saudosa de seu pai e estava sendo difícil administrar isso. Vivia sozinha e a casa parecia ter se tornado duas vezes maior. Ouviu incentivos, votos de coragem, força, fé. Decidiu adotar um cãozinho. Foi procurar uma amiga sua cuja cadela havia tido filhotinhos. Um deles despontou-se, correndo para junto dela como se a conhecesse. Logo encantou-se. Era um belo labrador. Comprou-o.
O chegar a casa foi festivo. O cãozinho logo sentiu-se em seu ambiente, correndo de um canto a outro. Seria uma boa companhia, pensou.
A vida de Olga aparentemente retornou a normalidade. Argos crescia e dominava a casa. O cãozinho a entendia como se ele fosse uma pessoa, passava horas a olhando, acomodado na poltrona antes ocupada por seu pai. Na verdade, definiu como seu espaço o quarto e a cama de Benvindo. Algumas vezes, Olga se impressionava com a semelhança entre os dois, olhares, atitudes, gestos, até mesmo horários para acordar e deitar-se. Olga ria de sua criativa imaginação. A falta de seu pai teria transferido para o cãozinho todas as características dele.
Com essa idéia fixa pensou em fazer um prato que seu pai apreciava e que jamais iria atrair o paladar de um cão: mjadra – arroz com lentilha. Ela também era fascinada por esse prato. Para sua surpresa logo que iniciou a preparação, Argos dirigiu-se ao alpendre e lá sentou-se como era hábito de seu pai. Chegou a gargalhar na cozinha, refletindo o quanto era idiota com aqueles pensamentos e o quanto deveria reservá-los para si mesma. Desnecessário dizer que o cão fartou-se de tanto comer.
Olga definiu-se como louca. Eram coincidências, apenas isso. Sua carência estava gerando alucinações. Procurou, de forma discreta e usando de subterfúgios, conversar com os colegas na escola sobre a possibilidade de reencarnação em animais, sem que fizessem qualquer associação ao seu caso, mas nada a convenceu.
A cada dia surpreendia-se com a semelhança entre Argos e Benvindo. Inclusive quando ofereceu carne de porco ao cachorro e foi recusada. Seu pai não comia carne de porco ! Entendeu que algo misterioso estava acontecendo, delírio ou realidade o cão continuava com as expressões e comportamentos paternos. A solidão havia desaparecido.

sábado, 29 de janeiro de 2011

La Vecchia Religione

A festa de noivado havia sido alegre, sem muito requinte, destinada a parentes mais próximos. O casamento seria em breve e estavam comprando aos poucos todo mobiliário, enxovais e demais necessidades de quem vai constituir uma família. Faltava a casa. Por isso, Roberto e Mara foram ver uma casa muito antiga que estava a venda. A casa era dos primórdios da cidade. Estava bastante desgastada, embora conservasse a arquitetura da época. Ainda era habitada, com extrema simplicidade por Teresa, já de idade avançada.
Antes era uma casa isolada, com uma enorme paineira ao lado, poço, fossa afastada, um perdigueiro que sempre dormia recostado a aroeira. Galinhas circulavam soltas. Lá moravam Teresa, sua mãe e três irmãs. O pai havia falecido quando eram bem crianças. As quatro irmãs não se casaram e aos poucos foram morrendo, sobrando apenas Teresa. Agora iria para um asilo, estava fraca, quase cega, caminhando com grande dificuldade. Sentia deixar a casa, mas percebia ser impossível continuar sozinha.
Mara era apaixonada por aquela casa e queria reformá-la mantendo, ao máximo, seu padrão. A imaginava pintada, bem decorada, rodeada com jardins bem cuidados. O quintal era muito grande e pretendia ter ali uma piscina, churrasqueira, para o conforto e diversão da família. O negócio foi feito. Roberto tratou de rapidamente procurar um engenheiro para que fossem feitos estudos sobre a reforma da casa.”Entrego a casa, por que é para vocês”, comentou Teresa ao despedir-se, apesar de nunca tê-los visto antes.
Alguns pontos precisavam ser demolidos e reconstruídos, outros poderiam ser conservados em especial a fachada. Os trabalhos começaram, arrancando os assoalhos de madeira de imbuia, velho e desgastado. O porão se evidenciou, tendo ali muitas coisas guardadas e que haviam ficado. Mara e Roberto foram chamados pois além de tantas coisas ali armazenadas, haviam desenterrado uma caixa de madeira bem lacrada. Mara encantou-se com os achados. Móveis rústicos do início do século poderiam ser restaurados, penteadeiras belíssimas. Com um pé de cabra, Roberto abriu a caixa. Nela haviam potes ricamente decorados, com entalhes muito bem confeccionados demonstrando a habilidade do artista. Mara delirou já imaginando a decoração da casa. Ela que era fascinada por objetos antigos. Os potes eram lacrados, com tampas acobreadas. Acharam por bem não tentarem abrir com o risco de danificar as peças.
Passaram-se alguns dias com os trabalhos de demolição, retirada de entulhos, escavação para a construção da piscina e novamente o casal foi chamado às pressas. Outra caixa havia sido encontrada, agora muito grande e comprida. Preocupados com a cobiça das pessoas, pediram apenas que caixa fosse conduzida até a casa de Roberto, já que morava sozinho e poderia explorá-la com mais tranqüilidade e longe de olhares curiosos.
Os olhos de Roberto encheram-se de curiosidade e espanto, quando conseguiu arrancar a tampa. Uma mulher embalsamada jazia ali. Altamente conservada, sendo possível traçar-lhe o perfil com tranqüilidade. O barracão em cujo solo fora sepultada de certa forma a protegera ao longo de anos. Estava rodeada de outros objetos, candelabros talhados com figuras estranhas, outros potes, colares e pulseiras provavelmente de ouro e pedras preciosas. Vacilou entre chamar a polícia e calar-se. Foi afoito até a casa de Mara e a trouxe quase arrastando-a. Ficaram horas admirando o sono da anciã. Resolveram calar-se. Manteriam um porão na casa e a levariam para lá.
A casa foi reconstruída rapidamente. No porão fizeram uma sala mortuária, onde poderiam visitar a senhora. Isso era um segredo dos dois. Ela decoradora, ele professor de História tinham seus motivos de excentricidade.
Pouco tempo depois, Roberto foi convidado para assumir aulas na Universidade e Mara encheu-se de muito trabalho, a ponto de dispensar alguns. Tudo estava fluindo de maneira favorável, com alegria e oportunidades que se sucediam de maneira espantosa. O casamento acabou tendo uma festa bem maior que a prevista, com fartura, beleza e certo luxo. Mudaram-se. Não iriam viajar, queriam o mais rápido possível curtir a casa que desenharam com tanto carinho cada dia desde que a visitaram pela primeira vez.
Roberto iniciou minucioso estudo sobre o início da cidade e, em especial, dos moradores daquela casa. Pouco se sabia a respeito. Mara, sempre encantada com os artefatos encontrados pegou um dos potes e começou olhá-lo, atenta aos detalhes. Percebeu incrustado nele a palavra “streghe”. Chacoalhou-o e percebeu que havia algo dentro dele talvez areia. Interessou-se e outra surpresa se delineou com o significado da palavra. Com extremo cuidado abriu o pote. Dentro dele havia cinzas.
Sem muitas respostas, Roberto e Mara decidiram ir até o asilo falar com Teresa. Mal se apresentaram e Teresa os interceptou antecipando o motivo da visita. “Encontraram”. Mara expôs que muitas coisas haviam sido encontradas, estava curiosa com tudo e queria que a anciã contasse o que sabia, já que não haviam pessoas da época que pudessem contar o que quer que fosse. Teresa sorriu.”Ninguém saberia”. O que há no pote onde está escrito “streghe”? “As cinzas de minha avó queimada na Itália acusada de bruxaria”. “Somos de uma família de bruxas, minha mãe veio fugida de lá e trouxe consigo as cinzas e outros potes e utensílios utilizados por ela, quando aqui chegou enterrou no porão da casa.”
Roberto e Mara se entreolharam estupefatos. “E a mulher no caixão? Está embalsamada !”. “Enterramos minha mãe normalmente, também com seus utensílios, mas não foi embalsamada”. “Ela está intacta”, advertiu Mara. Mais uma vez Teresa sorriu enigmática. “Ela própria lhe contará o resto. Você foi chamada para La Vecchia Religione, siga o seu caminho”. Teresa levantou-se, mal se apoiando sobre si mesma. “Siga o seu caminho”, determinou mais uma vez.
Mara debruçou-se no estudo da Stregheria. Suas noites passaram a ser agitadas, com sonhos diversos, onde recebia orientações, vivenciava rituais, intuía receitas e encantamentos. Comprou um caderno onde passou a notar o que sonhava e intuía.
Receberam a notícia do falecimento de Teresa. Ela parecia sorrir, tranqüila, com cento e dois anos. Poucas pessoas, em geral curiosos e transeuntes acompanharam o séquito. Aquele seria um local de constante peregrinação do casal, a partir daquele dia.
“Você tem olhar de fogo” disse a senhora diante de Mara, trêmula e gelada. Pela primeira vez a anciã falava com ela, conforme Teresa havia anunciado. “Vou lhe ensinar os segredos da Velha Religião”.
Curiosamente Roberto e Mara tiveram três filhas que seguiram a velha crença, mantendo-se unidas, solteiras e reservadas. Hoje, Mari a mais nova está com noventa e dois anos, vive sozinha na casa. Um casal a procurou para comprá-la.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

PIO DA CORUJA

na floresta o pio da coruja buraqueira
misteriosa, altiva, ameaçadora
a jibóia desliza entre galhos
úmidos
não se ouve
os passos cuidadosos
entre assobios e cantigas monótonas
do índio velho
esfumaceando com ervas ali colhidas
medita olhando a lua
pura, branca, entre nuvens
espaço infinito
lar das estrelas
e dos espíritos
dos deuses, dos sonhos
para onde a fumaça sobe
em tufos de mil formas
ponte entre os mundos
o macaco prego
só observa
atento e imita
o velho
acocorado e quieto
o pio da coruja
é hora de voltar.

A TEMPESTADE

“E porá a sua mão sobre a cabeça da oferta da expiação do pecado, e a degolará por oferta pelo pecado, no lugar onde se degola o holocausto.”
Levítico 4: 33

As férias estavam prometendo, por isso tratei de arrumar algumas roupas na mochila, alguns itens de higiene pessoal e uns troquinhos para comprar algumas cervejas. Não demoraria para que Fábio passasse por ali para me pegar. Iríamos todos para uma chácara, onde tudo já estava preparado. No carro estariam Fábio, eu, Leo e Fred, mas iriam outras pessoas para lá também.
A chácara era muito bem cuidada, com gramado amplo, árvores frutíferas, pavões soltos e jardins bem cuidados. Ficava um pouco distante de maneira que deveríamos permanecer lá. Por essa razão cuidamos para que nada faltasse, evitando-se ter de se deslocar até a cidade mais próxima que ficava a 108 km.
Chegamos após longo percurso já animados com a cerveja rodando no veículo, buscando nos alojar e já acender a churrasqueira. Aos poucos outros chegaram Natan, Zélia, Soraya, Neucy, Sandra e Zuleide.
A expectativa era grande e a alegria, a algazarra e os gracejos faziam do lugar uma espaço que parecia acolher cem pessoas. Logo o cheiro de carne tostada se espalhou e a fumaça de gorduras subiu ao céu.
O que não esperavam era a chuva torrencial que desabou. O céu escureceu assustadoramente, apesar dos protestos coletivos. A chuva não apenas começou, começou avassaladora, alagando o que fosse acessível a ela. Dias se sucederam sem que a chuva apresentasse indícios de cessar. “Vamos virar mofo” comentava um e tudo se tornava motivo para pilhérias.
Sandra refugiou-se no quarto visivelmente abatida. Não estava passando bem e permaneceu acamada, com febre e mal estar. Se não melhorasse iriam retornar a cidade, apesar da recusa da moça anunciando que logo iria melhorar.
Aproveitando um intervalo em que a chuva diminuiu de intensidade e se tornou garoa fina, Leo e Neucy foram andar pela chácara. Desceram por entre as goiabeiras e seguiram adiante conhecendo mais a redondeza.
Caminharam por entre as árvores saboreando frutos diversos. Avistaram fora da propriedade uma gruta entre árvores no sopé de uma montanha e decidiram ir até lá.

“Ou, quando tocar a imundícia de um homem, seja qualquer que for a sua imundícia, com que se faça imundo, e lhe for oculto, e o souber depois, será culpado.” Levítico 5:3

Apesar do céu carregado e nuvens negras ameaçadoras avaliaram que poderiam chegar a tempo até a gruta e retornarem. O caminho estava encharcado e o mato parecia ter crescido além da conta. “Será que não tem cobra?”, questionou temerosa a moça, olhando aflita para todos os lados. Leo riu, acalmando e afirmando que ele estava ali ao seu lado. Estavam embarreados. “Olha como estamos !”, a blusa branca de Neucy estava respingada de lama.
A água corria por dentro da gruta. O cheiro de pote molhado e fezes de morcegos encheu as narinas dos moços. “Que massa!”. A gruta era espaçosa, profunda, permitindo que se protegesse das chuvas. E foi providencial terem chegado a ela, pois novamente o céu desabou em furiosa tempestade.
Despreocupados, Leo e Neucy abraçaram-se e logo beijos e carícias se intensificaram, roupas se lançaram no chão molhado. Corpos nus e úmidos se acomodaram em uma rocha, movidos pelo desejo.
De olhos fechados, entre gemidos, Neucy entregou-se a Leo, até que ele abruptamente parou e afastou-se. Abrindo os olhos e com comentários maliciosos, viu Leo deitado na correnteza. Em razão da pouca luminosidade viu as pernas, o ventre, a barriga. “Pare de brincadeiras, a água está fria, seu maluco!”. Acocorou-se sobre ele e então gritou aterrorizada. Leo estava degolado. Viu o sangue esguichar e avermelhar toda a água, a terra.

“Vem a destruição; eles buscarão a paz, mas não há nenhuma.”
Ezequiel 7:25

Na casa as pessoas já se mostravam preocupadas, já entardecia e provavelmente estavam presos em algum lugar ou desfrutando do isolamento.
Escureceu. Alguma coisa acontecera. Resolveram sair a procura dos amigos. Pegaram lanternas, capas de chuva e botas. Saíriam Natan, Fred, eu e Fábio. As garotas ficariam para o caso aparecessem. Zélia achava melhor chamar a polícia, mas achou-se precipitado.
Zélia estava mais apavorada. Sua intuição anunciava algo muito ruim, mostrava-se ansiosa e impaciente. Esfregando as mãos, como era seu hábito nessas ocasiões, permaneceu na ampla varanda olhando a escuridão. Recusou o conforto das amigas, que procuravam animá-la dizendo que logo eles chegariam zoando com a cara de todos, embora não fosse o que sentiam.
Cada uma tratou de ocupar-se. Zuleide pegou uma revista e acomodou-se na rede. Pouco lia, apenas folheava, não conseguia concentrar-se. Soraya agarrou-se a uma cerveja e sentou-se a uma cadeira na cozinha. Sandra continuava enfiada na cama.

“Tão-somente o sangue não comereis; sobre a terra o derramareis como água.” Deuteronômio 12:16

Em seu estado de tensão, Zuleide levantou-se e foi ao quarto pegar uma blusa de frio e ver Sandra. Suas pernas fraquejaram e um grito surdo, quase um grunhido, emergiu de sua garganta. Sobre a cama jazia o corpo da amiga, banhado em sangue e sem a cabeça. Zélia e Soraya correram até o quarto e impressionaram-se com o que viam. Soraya desmaiou e Zélia paralisou-se. A janela aberta, fazia a cortina balouçar-se e o chão estava inundado.
Puxaram o corpo de Soraya para o outro quarto. Fecharam a janela e a porta e encolheram-se ao lado do guarda-roupas. Passos pesados podiam ser ouvidos percorrendo o corredor da casa. Zuleide tentou usar inutilmente o celular. Sem sinal. Todos corriam perigo, mas o que fazer ?
A porta começou a ser pressionada, com estocadas fortes. As garotas não controlavam os gritos a cada pancada. De repente, o silêncio.
Um murro ressoou pelo assoalho de madeira. Ele estava no porão e foi certeiro onde as moças estavam aglomeradas. As tábuas erguiam-se com a pressão e as pancadas. Decidiram arriscar e sair o quarto, passaram pela cozinha. Zuleide entregou uma faca a cada uma. Correriam até o carro, iriam até a cidade e chamariam a polícia. Sentiam-se divididas em ir e deixar os rapazes, mas talvez essa fosse a única alternativa para sobreviverem. Teriam que arriscar.
O carro saiu em alta velocidade rumo a rodovia. A chuva havia recomeçado, ingrata, dificultando a visibilidade. O medo, a velocidade, a chuva e uma árvore caída na estrada. O carro capotou, descendo uma ribanceira e indo parar apenas ao encontro de uma grande árvore. Completamente zonza, atordoada, Zélia forçou a porta do carro. Estava emperrada. Olhou as amigas, chamado-as, sem respostas. Estavam ensangüentadas, aparentemente mortas. Saiu pela janela do carro, caindo no barro e afastando galhos e espinheiros que lhe feriam, sem pena e sem dó. Tentou tirar as amigas, mas estavam presas e inconscientes.
Escalou o barranco escorregadio. A rodovia estava deserta. Caminhou por um tempo até constatar que um desbarrancamento havia impedido o trânsito, além de parte do asfalto ter sido levada pelas águas, criando imensa cratera. Caiu em pranto. Rogando a Deus que a ajudasse. Sentou-se em meio a chuva, a escuridão, exausta, olhando para o alto, sem saber o que fazer.
Uma mão gelada e firme pressionou seu ombro esquerdo.

“E não murmureis, como também alguns deles murmuraram, e pereceram pelo destruidor.”
1 Coríntios 10:10

Na chácara chamando por Leo e Neucy os rapazes deram-se por vencidos. Era melhor retornarem. Provavelmente já estariam na casa. A lanterna de Fred pifou e mal direcionado escorregou no barranco e torceu o pé, precisando de apoio para retornar. Fábio ia na frente iluminando, enquanto eu e Natan levávamos Fred.
O trajeto tornou-se lento e difícil, seja pela dificuldade de Fred, seja pelas chuvas tornarem o caminho intransitável. Estavam ensopados, apesar das capas de chuva.
Aproximamo-nos da casa, gritando por nossas amigas. Intrigados pelo silêncio, avançamos celeremente. “O carro de Zélia não está aqui !”, gritou Natan. Invadimos a casa aos berros. Nada. Adentramos o quarto de Sandra e nos deparamos com seu corpo inerte e decapitado. O desespero tomou conta de todos. Retornamos a varanda e Fred estava estendido no chão sem sua cabeça. Era inconcebível. Não havia tempo para isso. Quem quer que fosse o assassino estava ali, nos espreitando, mergulhado na escuridão.
Corremos ao carro. Os quatro pneus murchos, dilacerados. A única possibilidade era adentrar a noite e buscar a rodovia correndo todos os riscos de vulnerabilidade ou permanecer ali e enfrentá-lo. Juntamos facas, foices, rastelos e um facão, apavorados.
Lá fora apenas o ruído da chuva. Sentamo-nos no grande banco da varanda. Fábio olhando para a esquerda, Natan para a direita e eu para a frente. Nossos corpos tremiam, era como se os músculos fossem despregar-se dos ossos. O coração acelerado, a respiração ofegante. Fábio falava sem parar, buscando inúmeras teorias sobre o acontecimento, a ponto de interferirmos para que se calasse.
Um vulto começou delinear-se logo a minha frente. Um ser de alta estatura, forte e pesado. Era horrível de se ver, impossível de encarar. Seu corpo reluzia, de um cinza-azulado, a pele úmida em todo corpo assemelhava-se a textura de uma lesma. O nariz próximo ao rosto dava-lhe um ar felino, com olhos grandes e os dentes caninos salientes. Não era humano. Com ar agressivo emitiu um ruído que fez doer os tímpanos.
Natan levantou-se. “Não se mova”, adverti. Mas ligeiro apanhou o facão de sobre o banco e lançou-se sobre a criatura. Sem sentir-se acuado, o ser estapeou Natan lançando-o a metros de distância, como se lançasse uma bolinha de papel ao ar. “Temos que atacar juntos”, gritou Fábio. Eu estava paralisado.

“E o homem incircunciso, cuja carne do prepúcio não estiver circuncidada, aquela alma será extirpada do seu povo; quebrou a minha aliança.”
Gênesis 17:14


Natan levantou-se cambaleante. Agarrou-se a uma palmeira e equilibrou-se. Seu nariz sangrava. A criatura olhou-o como que atraída pelo odor de sangue. Retirou um cordão acobreado da cintura e avançou sobre ele. De forma ágil e impressionante envolveu o pescoço e num gesto abrupto decepou sua cabeça que rolou pelo chão. Apanhou-a e contemplou por instantes, como se ganhasse um troféu. Avançamos sobre o demônio. O som emitido por ele, ensurdecedor e estonteante, nos derrubou. Irado, Fábio tendo a foice nas mãos e com os ouvidos sangrando foi em direção a ele. A criatura agarrou a foice e lançou-a para o gramado. Segurou Fábio pelo pescoço e as unhas afiadas penetraram-lhe as carnes fazendo o sangue escorrer, sem que pudesse se defender.

Arrastei-me até o facão e levantei-me. A criatura largou Fábio, deixando-o cair pesadamente no chão, como se desinteressasse dele. Olhou-me com desdém e voltou para a escuridão, levando consigo a cabeça de Natan. Corri para junto de Fábio. Parecia estar vivo. Debrucei-me sobre ele chorando.

Despertei com o sol incidindo sobre meu rosto. Aproximei-me da janela e sorri vendo as crianças brincarem descontraídas no parque. Peguei a Bíblia que estava sobre a cama. Que pesadelo foi aquele ? Achei por bem ligar para o Fábio para saber como estavam na chácara. Haviam me convidado, mas eu recusara em razão de compromissos na igreja.

PARA PARAR DE COÇAR, TIRE AS PULGAS

Cada um tem suas pulgas. Weslei despertou logo cedo, teria um longo trajeto até o trabalho, pegaria ônibus e metrô, além de significativa caminhada. Seu maior desafio, contudo não era o sacrifício para chegar até a empresa. Era o ambiente de trabalho, repleto de egos e vaidades, difíceis de se administrar. Ele era um simples funcionário, mas uma camiseta nova já era motivo de burburinho. “Ganhando bem, heim!”. “Ficando rico, não deixa saberem de onde vem o dinheiro !”. Além disso cada dia vinha recheado de fofocas, olhares maliciosos trocados, um comentário aqui, uma agulhada lá e assim sucediam os dias. Preocupava-se em sair dali, buscar um lugar onde pudesse crescer profissionalmente e como pessoa. Para isso distribuía currículos e passava horas na internet em busca de um novo caminho.
Deise, por sua vez, trabalha em um ambiente alegre e descontraído. Sente-se extremamente feliz e satisfeita ao ver os muros da escola. É funcionária na Secretaria. Atenciosa, carinhosa e prestativa é admirada pelos professores, pais e alunos. Sua ansiedade vai se aproximando ao passar das horas. Momento de ir para casa. Lá encontrará o marido, sempre de cara amarrada, impaciente e insatisfeito, questionando a limpeza da casa, o tempero do molho, o xixi do gato, as contas para pagar. Ali exercitava o dom da paciência e tolerância, mas via que talvez não valesse a pena prosseguir. O período de namoro tinha sido incrível, embora ele fosse chatinho em muitas coisas. O casamento e a convivência revelaram alguns pontos não evidenciados anteriormente.
O carro de Elisa parou em frente a sua casa. Desceu carregando pacotes. Tinha programado um delicioso almoço para a família. Sua paixão era reunir todos e celebrar. Era artista plástica e ótima cozinheira, inventando diversos quitutes para alegria dos familiares. Sua meta era deixar a cidade onde residia e ir para outra, onde acreditava ter maiores oportunidades. Aquela cidadezinha a incomodava por alimentar-se de conceitos excessivamente provincianos.
E você, quais suas pulgas ?
Falo em pulgas, não em sarna ou carrapatos.
Cada coisa exige ser tratada de maneira específica.
Analise também se não é apenas uma coceirinha, que você coça um pouco e passa. Às vezes, você pode ter coçado apenas por ver alguém coçar.
Mas se forem pulgas, tire-as.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

MONTANHA

Vem o frio cortante, a neve, o queijo
vinho, chocolate quente
casacos, peles, coletes
montanhas nubladas
atraindo gente, quase que contente
num riso indecente
de quem curte aquilo
trajes pesados
andar elegante
bochechas vermelhas
olhar distante
também de paixão
lareira acesa, chimarrão
brilho ardente com gosto de uva
só não tiro a luva
pra te abraçar.

PRAIA

Chá gelado com limão
calor, sol, curtição
uma cerveja
praia, areia, onda
corpos se exibem
desfilam, bronzeiam
espetinho de camarão ?
beleza programada para impressionar
sungas, maiôs, biquinis
bolsas, chinelos, óculos
é tempo de charme
mostrar o tanquinho, as curvas
o sorriso
é tempo de paixão, de tesão, de atração
descanso ou azaração
bunda cheia de areia
mergulhando como sereia
em busca de um tritão.

Algumas vezes nos acreditamos apaixonados...

TRÊS CASOS, QUATRO CAMINHOS
UMA REFLEXÃO SOBRE O QUE MOTIVA AS RELAÇÕES


O celular tocou. Era o mais novo namorado rompendo a relação. Apresentou várias justificativas e disse que não seria mais possível continuar. Rosalina sentou-se, afundando na cadeira, inconformada. Mais uma relação frustrada. Buscava insistentemente um relacionamento que fosse duradouro, sincero e que lhe preenchesse. Mas tudo tinha a duração de uns poucos meses. Esnobe, agressiva, mantinha-se carinhosa até assegurar-se da conquista para em seguida estabelecer uma lista interminável de cobranças.
A nova oportunidade era a internet e já vinha trocando palavras com um rapaz que se apresentava como Romoaldo, de vinte e sete anos, malhado, webdesigner. Gradativamente os papos pelo MSN se intensificaram e se tornaram mais apimentadas. Talvez fosse o momento de se conhecerem. Independente e resolvida, Rosalina cuidou de fazer uma revisão em seu Ford Ka e postou-se na estrada ao amanhecer do sábado. Iriam encontrar-se em um Hotel Fazenda que ficava entre as duas cidades. Um lugar aconchegante, com chalés, cavalgada, cachoeira e ótimo restaurante.
Romoaldo realmente era muito atraente, com corpo definido, loiro, olhos muito azuis e receptivo, alegre, contagiante. Rosalina era mais cheinha, de gordas bochechas e vestidos largos, dando uma aparência ainda maior. Era dona de um comércio de roupas e estava muito bem de vida. Faltava o grande amor.
Em pouco tempo sentiu que a panela agora tinha sua tampa. Passearam de mãos dadas, beijaram-se ao luar, pescaram, brincaram como duas crianças na cachoeira. O final de semana prolongado podia prolongar-se ainda mais, pensava ela, temendo que mais uma vez tudo se desfizesse e todo aquele encanto se diluísse.
Já apaixonada, Rosalina fez questão de pagar a estadia, considerando as alegações de que Romoaldo passava por momentâneas dificuldades.
As dificuldades de Romoaldo, porém, não cessaram. Foi morar com Rosalina e mais que isso, casaram-se. A esposa o presenteou com um carro e procurava ajudá-lo, já que estava complicado encontrar emprego.
Não distante da residência de Rosalina morava Suely. Suely era muito bonita, ruiva, com sardas, que lhe davam um toque especial. De muito bom gosto, sabia escolher suas roupas, perfumes, quase sempre caríssimos. Tudo lhe caía bem. Tinha um olhar cativante e um jeito de falar que logo seduzia, com gestos planejados e movimento nos cabelos aparentemente lançados sem intenção, embora sempre atenta aos olhares.
Suely era bancada por um ricaço da cidade, Guilherme, empresário muito bem sucedido e que encontrara na moça o seu deleite. Guilherme era casado e pai de três filhos, uma família socialmente estável, presente em festas, eventos e páginas sociais.
A amante tinha tudo do bom e do melhor, desfilando pela cidade com roupas caras, carros do ano e chamando a atenção por sua beleza.
Romoaldo a olhava com a cobiça e o desejo, mas sem poucas chances de êxito, pois pouco tinha a lhe oferecer. Não custava, contudo arriscar, afinal ele não era de se jogar fora.
Quem sabia muito da vida e história de Suely era Rodrigo, vinte e dois anos, cabelos e olhos castanhos escuros, corpo bem cuidado, alto e jovial, sensual, chamando sempre a atenção por onde passa. Persistente até chegar à teimosia, já há quatro anos mantinha um caso discreto com o gerente de uma importante empresa local. Em geral seus encontros eram fora da cidade, garantindo-se o sigilo da relação, embora todos soubessem, mas evitando-se comentar. Rodrigo gostava de roupas de marca e sabia escolher o que queria, sendo sempre presenteado pelo amante. Tinha uma vida intensa, curtindo a vida e buscando demonstrar interesse por mulheres.
Cleber tinha uma vida estável. Casado, pai de uma menina, encontrara em Rodrigo a pessoa ideal. Havia se casado mais para atender a uma expectativa de seus pais e evitar comentários sobre suas verdadeiras preferências, do que por real envolvimento afetivo. A esposa viajava muito em conferências e seminários, preocupada com sua carreira acadêmica.
Cada um nestas relações buscava a felicidade, em geral, concentrada naquilo que a outra pessoa podia proporcionar. Rosalina sofria a distância do esposo, mas recusava-se pensar em deixá-lo, seja por acreditar amá-lo, seja temendo ficar só para o resto de sua vida. Guilherme encontrava em Suely a vivência de uma relação mais aberta, sedutora, sem os formalismos que adotava com a esposa. Mantinha-se casado em razão de evitar-se um escândalo com uma possível separação. Por outro lado, socialmente, era invejado por manter esposa e amante, ambas encantadoras. Rodrigo e seu amante, Cleber, viviam a mesma simbiose.
Enquanto algumas pessoas se penalizavam por Rosalina, aplaudiam Guilherme e discretamente ironizavam o fato de Cleber sustentar Rodrigo, suas vidas seguiam similares a elas. Alguns debruçando-se sobre seu trabalho diário descontentes e insatisfeitos, mas sem a coragem necessária para mudarem suas vidas, arriscarem algo novo, lutarem por seus sonhos, encontrando justificativas frágeis para manter-se diariamente da mesma forma. Outros alimentando aparências, corroídos por suas vidas medíocres, fundamentadas no apontar o dedo, adicionar veneno e denegrir pessoas.
Quem está agindo corretamente nestas relações ? Onde está o certo e o errado ? Em que somos verdadeiros em nossas vidas ? Verdadeiros com nossas reais aspirações e buscas, não no burburinho frenético das relações cotidianas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A ENFERMEIRA

Mateus saiu afoito do Banco dirigindo-se a casa de sua mãe. Ela estava bastante debilitada e exigia cuidados. Entrou em seu Peugeot e desceu a longa avenida que levava ao Bairro do Açaí onde Zelinda residia. Era um longo caminho, distante do centro da cidade, embora fosse um bairro bom e tranqüilo de se morar, com belas casas e mansões que se sucediam imponentes e luxuosas. A casa de Zelinda tinha um muro baixo logo a frente, com um belo e bem cuidado jardim de roseiras, em especial “príncipe negro”, floridas e atraentes. A casa era bastante grande com salas espaçosas, vários quartos, espaço amplo no quintal novamente com jardins decorados com palmeiras, pinheiros, uma cachoeira e um lago com carpas.
Morava sozinha, o marido falecera já há uns dez anos. Os filhos se casaram e foram cuidar de suas próprias vidas. Mateus ainda ficara mais próximo, trabalhando e morando na mesma cidade. Carla estava nos Estados Unidos. Zelinda havia sido funcionária em repartição federal até aposentar-se. Tivera uma vida de intenso trabalho, porém bastante tranqüila e feliz ao lado do esposo. Construíram juntos o patrimônio, conheceram várias capitais brasileiras, Europa e Estados Unidos. O marido acabou adoecendo e apesar de todo empenho dos médicos não resistiu, o câncer já havia dominado a região abdominal.
Zelinda gostava de reviver os felizes momentos de sua vida retratados em muitos álbuns fotográficos, artefatos adquiridos em diferentes lugares. Também era muito devota tendo uma gruta no quintal com uma bela imagem de Nossa Senhora de Lourdes e tinha sempre o rosário próximo para suas orações.
O filho chegou com a notícia de que havia contratado uma enfermeira com excelentes referências, chamava-se Jandira. Era uma alagoana forte, de seios fartos, de estrutura endomorfa, animada e operante. Começaria no dia seguinte.
À princípio Mateus visitava a mãe diariamente, depois dia sim e dia não, para passar a uma visita semanal. Zelinda e Jandira passavam os dias juntas, com conversas animadas e descontraídas. Afinal a patroa já havia feito algumas viagens a Maceió, terra que admirava. Esse elo pareceu unir de maneira intensa as duas mulheres.
Jandira estava na cidade há três anos, mudara-se com o marido e os cinco filhos. Sua irmã, Janaína, morava a um quarteirão de sua casa. Ali tentavam a vida. Janaína era diarista, labutando para sustentar também seus quatro filhos e estava grávida. O marido de ambas iam para o corte da cana.
Por alguma razão, Jandira percebeu que a abastança da senhora era uma oportunidade e entendeu que poderia se aproveitar da situação. Nos cochilos e descanso da patroa vasculhava guarda-roupas, armários e gavetas no ímpeto de conquistar algo mais para si. “Afinal ela tinha tanta coisa e não ia usar tudo”. Assim coletava vestidos, xales, lençóis, até mesmo panelas e pratos que poderia levar sem que ficasse evidente.
Embora a boa senhora sempre lhe presenteasse com alguma coisa: uma jóia, uma cesta básica, uma toalha. Zelinda lhe era muito grata.
Aos poucos sua casa e a casa da irmã passaram a ter novo visual com belos tapetes, almofadas, talheres e outras regalias que anunciava como presentes de Zelinda. Tornou-se também agressiva, sendo ríspida e brutal. Nas visitas de Mateus procurava estar sempre próxima e ameaçadora para que não fosse denunciada.
Não suportando as sucessivas agressões e vendo-se coagida, Zelinda escreveu um breve relato para entregar ao filho quando estivesse na residência, já que era monitorada constantemente e não conseguia oportunidade para tratar abertamente do assunto com Mateus. Sempre temerosa, pois Jandira lhe exibia a grande faca “que enfiaria no bucho dela se falasse alguma coisa”. Passou também estar mais atenta e flagrou muitas vezes Jandira sair com sacolas abarrotadas para sua casa.
Além de câmeras de vídeo, Mateus tratou de combinar com um amigo investigador, para dar um susto na ingrata mulher. Não tardou para que os registros demonstrassem os abusos físicos e materiais. Jandira não teve saída. Foi conduzida à DP. Mesmo sendo conduzida anunciava que retornaria para matar “a velha”.
Na gruta aos pés da Senhora de Lourdes vê-se uma foto de Jandira, onde Zelinda de alma pura pede a Deus diariamente para que esteja protegida, amparada e que não peque mais.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A MANSÃO

Acobertado pela sombra das murtas ele pulou o muro da nobre residência. Caminhou como um felino pelas gramas do jardim, esgueirando-se por entre os coqueiros, ipês e “limpa-garrafas”. Pelo que observava há dias não havia cães por ali, porém era preciso estar atento. Mais alguns passos e chegou-se a janela. Para sua surpresa estava aberta, podendo avaliar o interior da casa. A penumbra permitia vislumbrar uma sala muito ampla com poucos mobiliários e grandes quadros adornando as paredes. Resolveu entrar. Pulou a janela e foi esgueirando-se por entre as cortinas. Os móveis aparentavam ser bem antigos. Sofás e cadeiras torneadas, vasos coloridos e de diversos tamanhos davam um tom modesto e elegante ao ambiente.
O interior da casa não fazia jus a sua fachada. Por fora a casa era exuberante e isso o atraíra. Avistou a escadaria e subiu. Vários quartos com camas altas e acolchoadas, outros quadros pelos corredores, sem luxo ou qualquer objeto valioso. A casa passou a ser objeto de curiosidade. Seria impossível não haver nada ali que pudesse levar. Os cinzeiros eram de madeira trabalhada, os lustres já desgastados mostravam a despreocupação do dono. Olhou atrás dos quadros atrás de um cofre. Nada !
Desceu as escadas. Cozinha com panelas de ferro ou cobre. Poucos objetos. Provavelmente o residente era homem e morava sozinho. Não demonstra o gosto feminino, os cuidados com a limpeza, embora a casa não se mostrasse suja. Já pensava em sair quando percebeu uma outra porta próxima as escadarias. Tentou abrir, mas percebeu estar trancada. Com habilidade incrível e um objeto pontiagudo a destravou. A escuridão no interior era total. Procurou uma lâmpada, um interruptor mas nada encontrou. Voltou à cozinha e em uma das gavetas da prateleira localizou várias velas de andiroba.
Uma escada levava para as profundezas da casa. A luz bruxuleante da vela gradualmente revelava o novo espaço. Muito amplo. Mesa de madeira, cadeiras, prateleiras com livros, potes de barro, pequenos baús. Sobre a mesa alguns livros que pela capa demonstravam ter muitos anos. Olhou atentamente ao seu redor e sua decepção atingiu o auge. A um canto uma grande caixa de madeira. Aproximou-se e movido pela curiosidade a abriu. O coração disparou acelerado, enquanto um frio ártico dominou seu corpo. Deitado, com as mãos cruzadas sobre o peito, um corpo aparentemente modelado em cera, com o rosto arroxeado, veias rubras percorrendo a face e um odor putrefato mantinha-se em repouso. Afastou-se quase petrificado. Mirou as escadas e correu, buscando rapidamente a janela pela qual penetrara na casa.
Saltou a janela num lance. Correu, tenso e apavorado, em direção ao muro, sendo porém surpreendido no meio do caminho pela estranha figura. Estática, de olhar penetrante, fitando-o. Congelou-se. O que era aquilo ? Vencendo o tremor nas pernas, pulou o muro sem olhar para trás. No meio da rua o monstro o olhava, agora com um sorriso irônico, mas sem mover-se. Pensou em correr, mas sentiu os braços fortes o segurarem. Ele olhou aterrorizado para aquele ser e nada mais viu.
Despertou nu sobre a mesa no porão da casa. Rapidamente reconheceu o lugar. Instintivamente o explorou em busca da caixa que abrigava aquela coisa estranha que o perseguira e capturara. Lá estava ela. Fechada, provavelmente estando ele adormecido. Subiu cuidadosamente as escadas, mas encontrou a porta fechada. Procurou ao redor algo que pudesse utilizar para abri-la. Nada ! Procurou suas roupas ou algo com que pudesse se cobrir e nada encontrou. Era prisioneiro.
Sentiu-se enjoado, como se tivesse comido ou bebido algo amargo. A nuca doía muito, assim como seus músculos. Sentou-se em uma das cadeiras e passou a olhar as prateleiras. Os livros eram bem antigos e escritos em uma língua que desconhecia. Levantou-se e os folheou em busca de imagens ou algo que revelasse seu significado. Apenas letras e letras, nenhuma figura. Abriu um dos potes e recebeu uma baforada de um pó de odor fétido. Os baús tinham pequenos ossos, pedaços de pele, folhas e cascas de vegetais que não conseguiria identificar.
Estava com fome e sede. Precisava sair dali. Todos os seus anos de roubos e furtos lhe deram muito sangue frio, auto-confiança, segurança, mas estava sendo desafiado. Aquela coisa iria acordar em algum momento e ele precisaria estar longe quando acontecesse. Porém, uma sonolência incontrolável o foi dominando, caindo no chão frio e úmido do porão.
Novo despertar. Ainda estava vivo. Mais uma vez vasculhou cada espaço em busca de saída, forçou a porta. Sua visão estava turva, entendeu que poderia estar sendo drogado. Mas como ? Não havia comido ou bebido o que quer que fosse ! Só então notou que sobre a mesa estavam dispostas várias frutas, água e vinho. A fome o impediu de pensar. Rapidamente avançou e devorou o que havia. Tomou muita água, estava sedento.
Com o passar do tempo, alternando entre a alimentação de frutas, desmaios e tentativas frustradas de escapar pensou em matar aquele ser que o mantinha preso. Talvez desmontando uma cadeira poderia matá-lo a pauladas. Ele deveria continuar adormecido, embora nunca o tivesse visto enquanto ali estava e não se atrevera a abrir a caixa.
Com o pé da cadeira na mão, abriu a caixa pronto para golpeá-lo. Ele não estava lá. Aproveitou o instrumento para arrombar a porta. Sem sucesso. Tentou de todas as formas abrir a porta. Mais uma vez retrocedeu inconformado. Segurou o choro na garganta, gritou, pedindo pelo amor de Deus que alguém o ouvisse e socorresse. Um profundo silêncio permanecia.
Resolveu simular um desmaio. Deitou-se no chão, de olhos fechados e pôs-se atento ao seu redor. Não demorou para que a porta se abrisse e algo descesse pelas escadas. Sentiu a mão muito suave percorrer seu corpo como se estivesse sendo admirado. O sopro quente em seu pescoço demonstrava que o ser estava muito próximo, pronto para beijá-lo talvez.
Em um golpe rápido introduziu a lasca de madeira no peito da criatura. Um urro ressoou pelo porão. Ele fora certeiro. Levantou lançando para o lado a figura horrenda, sangrando abundantemente. De pé observando a agonia percebeu que ela estava gradativamente retomando a forma humana. A beleza da mulher era estonteante, rara, atraente, encantadora.
Afastou-se buscando vê-la com maior clareza. Cabelos negros, a estaca entre seus seios, seu corpo escultural. O que estava acontecendo ? Perguntava-se sem obter qualquer resposta lógica. Aquilo somente acontecia nos filmes e romances de ficção. Agachou-se e acariciou seu rosto. Era deslumbrante. Sentiu-se como se estivesse ardentemente apaixonado. Deveria chamar a polícia ? A ambulância? Estaria ela realmente morta ?
Retomando a sanidade olhou a porta e disparou em fuga. No meio da sala ouviu o choro de um bebê. Perdido em pensamentos e como que atraído por um ímã subiu as escadas, sinalizado pelo choro encontrou o bebê sobre a cama, recém acordado. Com uma estranha lógica acreditou ser seu filho. Cenas começaram a burbulhar em sua mente, visualizando cenas onde, durante seus desmaios, entregava-se ao prazer com a mulher do caixão, na sua forma mais bela, ao mesmo tempo em que a alimentava com seu próprio sangue.
Ele seria Victor e cuidaria dele como um rei. Um rei vampiro.

A VIÚVA E A CARTOMANTE

Ela entrou na casa da cartomante olhando cuidadosamente em todas as direções, assegurando-se de que não estava sendo vista ali, tanto que marcara um horário especial para que não corresse o risco de deparar-se com alguém conhecido ou que pudesse traçar qualquer comentário a seu respeito. Aquele seria mais um recurso, talvez uma esperança. O quarto era simples com uma mesa repleta de pedras coloridas, velas e imagens de santos diversos. Dali conhecia Santo Antonio. Nunca fora de ir muito à igreja ou qualquer outro culto.
Zenilda dispôs as cartas sobre a mesa e iniciou a análise, revelando a pessoa solitária e infeliz que tinha diante de si. Apesar de toda pompa, do olhar altivo, do vocabulário requintado e do ouro que a adornava, tinha a alma vazia, abandonada, em busca de algo que pudesse preencher o vácuo onde boiava sua alma. Logo nas primeiras palavras a senhora despencou em choro convulsivo, tentando, sem sucesso, conter-se.
Tinha nascido pobre, o pai sempre ausente em viagens a trabalho e a mãe dedicando-se como costureira. Ela, com grande esforço, conseguiu realizar diversos cursos e ingressou como funcionária pública. Casou-se com um empresário muito bem sucedido e com ele teve dois filhos, Tânia e Tomás. O casamento durou pouco e com os filhos ainda pequenos, Túlio faleceu deixando-a viúva. Com muita força e coragem, Leocádia cuidou de seus rebentos. Eles já estavam ingressando na fase adulta quando conheceu Sálvio.
A relação com Sálvio foi intensa e tumultuada. Ele não tinha um emprego fixo, vagando de um para outro, cabendo a Leocádia a sustentação da casa em todos os sentidos, a educação e manutenção dos filhos, os recursos financeiros, os caprichos do novo marido que apreciava o que havia de bom no mundo. A relação acabou minguando, em razão dos gastos, compromissos e dívidas geradas pelo amante. Por outro lado, havia a faculdade dos filhos, que também não trabalhavam, o que fazia questão.
Leocádia havia aprendido a viver no luxo, a casa repleta de parentes nos finais de semana que a buscavam para um churrasquinho e uso da enorme piscina. Os filhos tornaram-se exigentes e arrogantes. A mãe, também viúva, e debilitada acabou indo morar com ela. Com o grande fardo sobre seus ombros, Leocádia bambeava. Seu maior vazio, no entanto, era a ausência de Sálvio que embora o denominasse explorador, cafajeste, vagabundo, entre outros adjetivos o queria de volta.
Seu coração disparou quando a cartomante anunciou que ele retornaria. Quando? Em que momento ? Quanto deveria pagar para que isso pudesse acontecer ? Zenilda sorriu avaliando o súbito reavivamento da mulher. Explicou que faria um encantamento cigano e em vinte e um dias ele estaria aos pés dela.
Passaram-se três meses e Leocádia riu-se de si mesma, de sua ingenuidade acreditando naquela mulher que levara um bom dinheiro para nada. Abraçou-se a sua mãe e foram ao mercado. Distraída pelos corredores do mercado chocou seu carrinho com o de Sálvio. Sorrisos, conversas, lembranças e ele apareceu com as malas de volta. Apenas as malas pois não havia construído nada, continuava sem casa e sem recursos, como um peixe-boi alimentando-se do que estivesse disponível.
Não demorou para que Leocádia começasse a perceber as traições de Sálvio. Tomás casou-se e a esposa tratou de cortar o forte cordão umbilical que o unia a mãe, já que a dependência era plena, mesmo casado somente tomava decisões apoiado nas falas de Leocádia. O mesmo sucedia com Tânia que era incapaz de comprar uma roupa sem a avaliação e aprovação materna. A separação do filho determinado pela nora foi mais um golpe na triste e pobre vida da senhora.
Na angústia de deixar a inexpressiva vida que arrastava decidiu cursar uma faculdade. Optou por Gestão Financeira. A formatura foi puro brilho, com a presença da mãe e da filha. Sálvio não pode comparecer com a alegação de uma oportunidade de emprego em outro município e Tomás simplesmente proibido pela esposa.
Para conduzir a solidão conseguiu algumas poucas aulas em uma escola local. Mas sua carência afetiva a tornara uma pessoa amarga, lamentosa e insatisfeita. Sempre pronta a espetar alguém, a fazer uma crítica sutil, a envenenar essa ou aquela conversa animada com absoluta maestria. Como colhemos o que semeamos aos poucos, Leocádia se tornou uma pessoa não desejada no grupo. De maneira ardilosa colocava alunos contra outros professores, diretora contra coordenação, sempre sabendo-se fazer de vítima quando a bomba anunciava breve explosão. Nesses momentos lágrimas incontidas rolavam por sua face, mostrando indignação e acusando de haver uma articulação contra ela.
Leocádia havia se tornado a famosa “mal amada”, expressão que se utilizava para designá-la. O que não se apercebia é que realmente a falta de amor a murchava, desenhando em sua vida uma sucessão de infelicidades, de falsas amizades e relações superficiais. Sua alegria se firmava em pequenos e breves momentos, nos encontros sociais, que dado seu status, lhe rendiam elogios e homenagens, porém disfarçadas em pedidos de patrocínios e contribuições. Ou por famosos chupins que lhe agradavam, sempre com algum interesse arquivado na manga da camisa.
Assim eram preenchidos os dias de Leocádia que tanto conquistara em bens materiais e nada conseguira em carinho e afeto reais. Mendigava aqui e ali uma mísera atenção, um olhar, um gesto mais carinhoso mas transformara sua vida em um frio, extenso e hostil iceberg.

O VALENTÃO

Josué sempre foi um homem dado a valentão, cheio de si, autoconfiante, forte, daqueles que não levam desaforo para casa. Após farrear bastante casou-se, embora essa não fosse nem palavra nem ato exatos, já que vivia em turbulências chegando em casa com um corte, um hematoma ou pela madrugada vindo de encontros clandestinos. Não era agressivo com a esposa, mas fazia o tipo durão, de cara fechada, criando uma grande barreira para que ninguém ousasse censurá-lo.
A esposa refugiava-se na igreja, em oração, buscando uma transformação do marido. Já sentia que mais alguém chegava e o que seria daquele filho? Pensou em contar a ele, mas não sabia como dividir aquela felicidade, pois o marido era imprevisível em suas reações. Assim, Sarah alimentava seus sonhos, vivendo duas vidas: a real e a onírica. Sarah era uma pessoa muito especial, filha única, meiga, aparentemente frágil, de pele muito branca e cabelos negros, dedicando-se ao magistério e a igreja, seu sustentáculo. Insistentemente buscava trazê-lo à religião, mas Josué resistia, zombando de tudo e desafiando os Poderes Superiores com total descaso.
Os pais dele e de Sarah, amigos, vizinhos se condoíam com a situação do casal. Sarah acreditava fielmente que ele mudaria. Isso transparecia com a inocência de uma pessoa apaixonada, cega e sonhadora. Não se sabe a quem poderia ter puxado, pois seus pais eram trabalhadores, pacíficos, discretos. Ele também se diferenciava de seus dois irmãos, Adamina e Jônatas.
Um dos amigos de Josué, Alexandre, preocupava-se muito com o futuro dele, sempre metido em confusões e qualquer dia o feitiço podia virar contra o feiticeiro e ele não sobreviver. Considerando suas crenças propôs levar o amigo a uma gira de pretos-velhos. À princípio, Josué riu muito, imitou o andar e a fala das entidades, e como pilhéria aceitou o convite, mas advertiu ao amigo que não iria aceitar conversinhas tolas, nem qualquer tipo de macumba. Alexandre ouviu o amigo e insistiu que ele pelo menos fosse conhecer. Era mais uma tentativa.
Os atabaques deram início aos trabalhos. Josué mantinha-se atento a tudo, apontando para um gesto ou outro de um médium, comentando ironicamente sobre situações. Os pretos-velhos chegaram. Alexandre sugeriu irem conversar com eles. Josué recusou-se claramente alterado dizendo que tudo aquilo era palhaçada, que as pessoas estavam só fingindo e que iria embora. Alexandre pediu que aguardasse, pois não convinha sair antes de terminar os trabalhos. Sentindo o desafio, Josué empertigou-se ainda mais. Levantou-se e dirigiu-se à saída.
Atravessou a porta e viu-se diante de enormes pés de dracenas e amoreiras. A noite estava escura. Por alguns instantes vacilou, pensando se realmente deveria ter saído. O amigo ficaria ofendido e gostava muito dele. Mas como era homem de não dar o braço a torcer seguiu adiante.
Alguns passos para retirar-se do local e deparou-se com um negro já de idade bem avançada, cabelos algodoados, que o interpelou. “Já vai, meu filho?, disse o velho tocando-lhe o rosto. Josué externou que o amigo o convidara, mas não acreditava naquilo. O homem olhou-o entre carinho e piedade e seguiu em passos lentos o seu caminho, sem qualquer observação.
Josué chegou em casa morto de fome e tratou de ir abrindo a geladeira e panelas, fuçando onde podia. Estando a comida já fria coberta sobre o fogão, foi até o quarto despertar Sarah para que fosse esquentar o alimento a ele. Sonolenta e submissa, levantou-se e foi atendê-lo. Foi quando percebeu a barriga da esposa. “Tá gordinha, heim !”, sarreou ele. Sarah sorriu. “Não seremos mais apenas nós dois nesta casa”, comentou ela. Algo se moveu no coração dele. Pela primeira vez abraçou-a com ternura. “Tem de ser macho, se for fêmea que nasça morta”, decretou ele. Sarah horrorizou-se. “Teremos nosso filho ou nossa filha, Deus saberá o que é melhor”, não diga mais isso.
Os meses se passaram sem qualquer alteração na rotina de Josué e Sarah. Até que Josué despertou sentindo-se muito mal. Entendeu ser algo que havia comigo e permaneceu na cama. Ao passar dos dias não se via melhora, nem mesmo com os chás que Sarah lhe oferecia. Era preciso procurar um médico. Muitos exames, vários remédios e nada. Prostrou-se na cama. Pálido, emagrecendo rapidamente. Sarah preocupou-se, nunca tinha visto o marido tão debilitado e dependente. Temeu pela vida do marido. A mãe de Josué, Ester, postou-se ao lado da cama do filho, preparando sopas que ele cuspia e amaldiçoava a Deus e tudo o que mais poderia, sempre buscando agredir a fé de todos e as pessoas próximas. O médico achou melhor interná-lo, para outros exames e um acompanhamento mais próximo. Josué não teve como resistir, a ambulância o conduziu.
Nesse ínterim, Sarah deu sinais de que nasceria a criança. Grande movimentação de familiares e amigos, mobilizando-se para que tudo corresse bem. Mas a criança não chorou, choraram todos. Estava morta. Era uma menina, linda e saudável. Não conseguiu-se identificar a causa da morte, parada cardíaca foi o diagnóstico.
Josué afundou-se na cama e perdeu a voz diante da notícia. A consciência tomou um peso indescritível. Lembrou-se do que havia falado à esposa e uma corrente de outras lembranças se apossaram de sua mente. Cobriu a cabeça com o lençol e convulsivo pranto. Sentiu um odor de fumo e alguém sentou-se ao seu lado na cama, percebeu o colchão afundar-se com o peso da pessoa. Uma mão afagou seu ombro. “Tudo vai passar, meu filho, tenha fé”. Descobriu rapidamente a cabeça e viu-se sozinho no quarto.
Pela primeira vez, corroído pelo remorso decidiu orar. Explicou a Deus que não acreditava, mas estava com o coração apertado, que não sabia orar, mas precisava de ajuda para mudar. Insistiu que sua esposa, sua filhinha, seus pais, os pais de Sarah não o mereciam. Que ele deveria ter morrido e não a menina. As lágrimas proliferavam, um nó incrível na garganta, sentia-se confuso, perdido, frágil e imundo.
Entre seu rosário de justificativas e lamentações,percebeu a porta abrir-se, o ancião com que conversara na saída do terreiro, entrou no quarto. Vinha com uma aura luminosa, porém agora tinha chapéu e cachimbo. “Você não deve morrer, filho, temos um trabalho juntos, você vai melhorar, mas precisa acreditar em Deus”. Da mesma forma, desapareceu, deixando Josué atônito e confuso. Pediu que Alexandre o visitasse.
Quando Alexandre chegou ao hospital, Josué estava saindo. Recebera alta, estava sentindo-se forte e renovado, alegre,com a voz recuperada e abraçado a Sarah.
Vendo a mudança do marido, Sarah não se opôs a nova crença do marido. Enfrentando tantas coisas como enfrentara, esse seria o problema menor. Logo estava como cambono de seus guias.
Passados anos, ele dirigia o próprio terreiro. O Preto-Velho vinha na corrente de Obaluayê.
Josué e Sarah tiveram então seus filhos: Alexandre, Natasha e Damian. Estão felizes e pouco se lembra daquele homem de antes, apenas ele faz questão de não se esquecer de sua trajetória até chegar ali.

domingo, 23 de janeiro de 2011

O DENTE DE BOTO

Ela estava caminhando por entre lágrimas nas areias a praia. Caminhava buscando sentir as ondas e quem sabe ter uma orientação, ajuda, ou apenas entregar-se sozinha às suas mágoas, tristezas e desilusões. Mais uma vez Otávio a desprezava, com requintes de crueldade a reduzia a quase nada em poucas palavras, alguns olhares, alguns gestos planejados e que a agrediam profundamente. Por essa razão, resolveu deixar a casa e caminhar, sentir a brisa e o cheiro do mar. As lágrimas escorriam insistentes pelo seu rosto, como o mar banha a areia.
- Moça !, chamou uma negra muito bonita, de lábios grossos e bem feitos, belos brincos reluzentes de cristal, uma blusa tomara que caia, talvez de lese, muito branca, deixando à mostra seus ombros.
Bia aproximou-se encantada pelo seu sorriso, seu jeito espontâneo e leve de se mover, suas pulseiras prateadas fazendo um ruído gostoso enquanto a moça promovia quase uma dança à beira mar. Aconchegou-se sem dizer palavra.
Sem muitos rodeios a moça olhando-a bem nos olhos, com um sorriso penetrante, entregou a ela um adorno feito com uma tirinha de algum cipó bem fino trançado e um dente de boto, e reforçou:
- Pegue isto, amarre em seu tornozelo esquerdo após banhá-lo nas ondas do mar. Quando arrebentar esse homem será teu, muito manso...
Segurou em suas mãos o cordãozinho, olhou o mar e dirigiu-se a ele. Faria qualquer coisa para que aquele homem fosse definitivamente seu. Amarrou o cordão umedecido e voltou para casa. Somente bem mais tarde refletiu sobre aquele encontro. Talvez uma moça querendo vender penduricalhos, no outro dia certamente a encontraria.
Os dias de sossego terminaram, Bia, Otávio e seus amigos retornaram a seus afazeres, em suas cidades. O trabalho consumiu os dias de Bia e a praia, Otávio e a moça da praia não tiveram tempo para mobilizá-la. Naturalmente seu amor por Otávio crescia, e nas noites ele sempre aparecia, entre carinho e desejo em seus pensamentos.
Havia passado cerca de um mês, quando enquanto Bia tomava seu banho sentiu romper o cordão em seu tornozelo. Pegou-o e ao sair do banheiro deu de encontro com a moça da praia em pé em sua sala em estrondosa gargalhada. Foram segundos. E estava só novamente, um medo estranho se apossou de seu coração acelerado. O que estaria acontecendo ?
Dirigindo-se ao quarto o telefone tocou. Era Otávio. Queria falar com ela, estava estranho. De maneira misteriosa revelou que sempre a amara. Bia quase caiu das pernas, mal conseguia segurar o telefone, tamanha a tremedeira.
Primeiro encontro e amanheceram juntos. E juntos permaneceram.
Quem era aquela moça ? Um espírito ? Bia começou a ficar curiosa, vagueando entre a curiosidade, a ansiedade e o medo.
Izabel a convidou para ir a uma mulher que benzia e recebia espíritos, talvez ela pudesse esclarecer o que estava acontecendo. Embora duvidosa concordou em ir.
A mulher era simples, de cabelos brancos, um birote, um vestido com florezinhas minúsculas em um tecido parecido com algodão. Pegou um ramo verde, mas parou nas primeiras palavras do benzimento.
- Tem uma moça que te acompanha...é perigosa..., tentou alertar a mulher, porém, num ímpeto, soltou os cabelos, chacoalhou-se, deu uma gargalhada e com as mãos na cintura, completou, - perigosa, mas não ruim. Hoje ele está com você, não está?
- Estou sim, mas quem é você ? Quando a vi achei que fosse uma pessoa...., tentou esclarecer a confusão que acontecia em sua cabeça.
- E sou uma pessoa, a partir de hoje estarei sempre com você. Estarei na retaguarda, protegendo, intuindo, esclarecendo, mostrando tudo o que estiver embaixo do tapete ! Sou Maria d´Angola, comigo nada fica oculto !
- Quero agradecer por ter trazido ele para mim..., disse Bia empalidecida e sem saber o destino daquela conversa.
- Ele ficará com você pouco tempo, está aí porque hoje você o quer, amanhã não vai desejar que ele permaneça em sua vida...
Maria d´Angola riu muito, tentando mostrar que Bia era inocente demais.
Aquela moça da praia, tão encantadora, havia sido assassinada com um chá venenoso servido pela esposa de seu principal amante. A senhora foi vingada e morreu asfixiada com um osso de frango em um almoço luxuoso, feito para anunciar o casamento da filha. A morte da mãe desorientou a menina que entendeu aquilo como um aviso divino e ingressou em um convento. Abandonado, o noivo suicidou-se. O marido, amargurado e triste, terminou seus dias solitário, sonhando com Maria.
No terreiro, com sua roupa branca e rodada, ornada de conchas e enfeites de prata, Bia dá uma gargalhada. É Maria d´Angola que chegou para fazer o bem e o mal, mas não deixará sem resposta o consulente.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

BELA

“A vida é a peregrinação para a morte”

bela, altiva e orgulhosa
segue ela coberta de jóias
tecidos finos, roupas da moda
grifes, carros, jantares
entre curiosos olhares
desfila elegância e bom gosto
desperta inveja e cobiça
até mesmo da noviça
que passa quase descalça

esnobe e agressiva
despreza, desdenha, ignora
a pobre senhora que pede pão
o garçom atencioso que lhe serve
o jardineiro que mal conhece
em nome da etiqueta e bom nome

olha do alto
falcão impiedoso que fita o preá

uma dor no abdômen
lábios que apertam
corpo que contorce
ouro, dinheiro, diamantes
a medicina não resolve

belo mausoléu, coroas e flores
tanta diferença de antes
rija, maquiada e sem dores
entregue agora a vermes e besouros
que esfacelam a beleza e a antipatia
pó que retorna a terra
ratos, baratas, odores
tudo o que detestava
um circo de horrores
que não pode contemplar

mas a senhora que pede pão
nesse tétrico momento
na porta segue o séquito sem lamento
destino certo do bom e mau elemento
esterco, cinzas, passamento
com rimas ou sem ela
em breve não será mais bela
será igual a todas elas
sepultadas no local.

LUCINDA

Não vi o tempo passar, quando olhei para o relógio já estava tarde, chegando quase às oito da noite. Nem havia percebido, envolvido no bate-papo com Dona Lucinda sempre atenciosa e sorridente. Embora já tarde resistia em deixá-la, queria continuar ali, segurando suas mãos macias e de unhas bem feitas. Detive-me ainda um pouco para desenhar em minha mente o seu rosto marcado pelas rugas, porém dominado por sorriso inigualável. Seus cabelos num tom levemente violeta e um olhar bem vivo, profundo, de alguém capaz de viajar pelo seu interior e captar suas emoções e sentimentos mais ocultos.
Lucinda nasceu na roça e ali foi educada juntamente com seus outros onze irmãos. Seis homens, seis mulheres. Seu pai, Malaquias, trabalhava na fazenda, cuidava do gado, das plantações, era quase dono e se orgulhava da confiança que o patrão nele depositava. Sua pele era negra, de caboclo, queimado pelo sol, sempre com seu chapéu amarronzado, a camisa entreaberta, as mangas dobradas até o cotovelo. A mãe, Felícia, cuidava da casa, dela e do casarão onde residiam os donos, era muito querida. Mas morreu cedo, com trinta e oito anos, de uma doença que a lançou na cama e a levou em dois meses.
A vida deu a cada um, um destino. Os relacionamentos das mulheres não foi muito bem sucedido. Onória envolveu-se com um homem, já casado, teve um filho, Cláudio, e depois disso não conseguiu mais ninguém. Tornara-se professora. Eleusa casou-se e teve dois filhos, mas seu espírito sempre oscilou entre a independência e uma certa insatisfação interior, logo abandonou o marido. Sueli viveu sempre na expectativa de um romance, fazendo simpatias e procurando ajuda espiritual para um feliz casamento, teve um filho e somente muito tempo depois juntou-se com um lavrador, tendo mais quatro filhos. Celina desapareceu, nunca se soube o paradeiro dela. Se viva ou morta, casada ou solteira. Vanda conquistou um bom emprego em órgão do governo, mas também deixou o marido, com três filhos. O marido vivia às voltas com amantes e pouco juízo na cabeça.
Os homens parecem ter tido uma trajetória mais bem sucedida. Otávio, Milton, Bento, Célio, Dirceu e Arnaldo casaram-se, tiveram seus filhos, embora outros problemas surgissem. Bento por longo tempo apegou-se a bebida. Foram tempos difíceis, mas conseguiu reerguer-se. Dirceu morreu cedo, de ataque cardíaco, deixando a esposa e filhos. Mas ela logo tratou de arrumar outro e substituí-lo, afinal tinha filhos para cuidar. Célio também sumiu, não se soube jamais para onde.
Lucinda, por sua vez, trabalhou na roça, arrumou um companheiro e teve oito filhos. Casa simples, de chão batido, fogão a lenha, um belo e viçoso pé de saião no lado da casa, galinhas soltas no quintal. Vida dura, de rachar lenha, plantar, colher, passar necessidades muitas vezes. Tempo sem luz elétrica, só o lampião. Mas era um tempo bom de verdadeiras amizades. Lembrava-se de Marcolina que morava não muito longe dali, da Dona Rosa, Dona Dirce...quanta gente boa, solícita, generosa, que não pensavam duas vezes em ajudar, mesmo que não pudessem.
Aos poucos os filhos foram crescendo e tomando seus rumos. A vida era isso. Cria-se filhos para o mundo. No fim sobraram ela e o marido, Teodoro. Teodoro era um homem bom, mas fechado, sério, de poucas palavras, trabalhador que nem só ele. Mas o tempo tinha suas surpresas. Adoeceu e acabou preso a uma cadeira de rodas, presente do “Seu” Baltazar, vereador, que atendeu prontamente quando foi procurado. Assim viveu muitos anos com o carinho e zelo da esposa.
Dos filhos, Clonilde foi a que deu mais trabalho, juntamente com seu irmão, Waltinho. A menina por ser descabeçada, fazendo filhos com quem quisesse, e ele, pelo alcoolismo. Problemas que valeram pelos oito. Foram tempos de grande desgosto, tristeza, insatisfação. Waltinho acabou morrendo, de cirrose. Mais dois filhos morreram. Douglas com uma queda de um cavalo e Odair, metido a valentão, esfaqueado num bar.
A velha senhora sorria, num misto de amargura e doces lembranças, dizendo que sua vida daria uma novela. Com a morte do marido ficou sozinha. Foi morar com Marília, sua filha mais velha, mas não se sentia bem, parecia um estorvo. Por um tempo ficou um pouco na casa de cada filho, mas enfrentou diferentes situações, seja de carinho e receptividade como claras afirmações de que não era bem vinda. E foi em uma dessas exposições que Deise declarou que melhor seria que ela fosse para um asilo. Deise era sua nora.
Entendeu que isso seria o que mais convinha. Deise se incumbiu de reunir os filhos e discutir o assunto. Aparentemente não houve resistência, mas alívio coletivo. Havia um Lar para Idosos, cuidado por freiras. Um lugar muito aconchegante, bonito, florido, árvores, hortas e bom tratamento. Lucinda foi comunicada. Um aperto no coração, um nó na garganta, lágrimas nos olhos e aceitou o desígnio dos filhos. A vida trazia em seu bojo novos caminhos e cabia a ela seguir por eles.
Hoje agradecia estar ali, embora naturalmente a saudade dos filhos se fizesse grande. Nunca mais a visitaram. Fizera naquele recanto novas e grandes amizades. Sempre simpática conquistara a todos.
Deixei as mãos de Dona Lucinda, já com o olhar repreensivo das freiras. Voltaria brevemente para revê-la. Queria ouvir suas histórias, seus conselhos, suas lições de vida. Pena que os filhos não perceberam tantas coisas importantes naquela mulher e que contribuiria muito para a formação do caráter dos netos e bisnetos, que já possuía.
Resolvi deixá-la, pensando insistentemente em registrar a vida de Dona Lucinda em um romance.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

JARDIM DAS GLICÍNIAS

Sentei-me no jardim povoado de glicínias. Um sentimento de profunda paz contagiou meu corpo e minha mente. Precisava de um momento como aquele. Há tempos absorvido pelo corre-corre cotidiano, havia abandonado a mim mesmo e parar parecia revelar-se num sacrilégio e imediata cobrança da consciência, como se fosse um vagabundo. Como poderia não fazer nada diante de tantas tarefas a serem cumpridas ? Os pensamentos acelerados lembravam e cobravam atitudes, compromissos, ações diversas variando de uma conta para ser paga na próxima semana a uma gaveta que ficou entreaberta.
A agenda se superlotava de informações e pequenos bilhetes eram espalhados alertando sobre a compra no mercado, a reunião, o encaminhamento de um documento, regar as plantas, mandar um email ou fazer um telefonema. Dessa forma, o almoço tornara-se algo mecânico, onde os alimentos sem sabor eram engolidos para que houvesse mais tempo para atender a tantas exigências em geral profissionais. Era sempre seguro levar uma caderneta no banho ou colocá-la ao lado antes de dormir pois uma lembrança, um insight, uma providência deveriam ser anotadas evitando-se o esquecimento perante os turbulentos dias.
Assim procurava organizar meus dias devidamente planejados, com rigorosos horários, para que tudo pudesse ser cumprido na íntegra. Muitas vezes senti-me obrigado a dispensar as férias e me lançar de corpo e alma no serviço, dado seu volume, prazos, metas, índices e uma dezena de coisas mais. Afinal havia o nome de uma empresa conceituada em jogo. Muito estava em minhas mãos.
Por outro lado, trabalhava com pessoas enfrentando os diferentes humores, educações distintas, reações imprevistas, cabendo a mim um rebolado digno de qualquer sambista. Isso muitas vezes tornava-se desgastante, desmotivador e até inadmissível determinados comportamentos.
Olhando a placidez das flores, das borboletas flutuando entre elas, as abelhas em seu trabalho persistente, penso que todo aquele burburinho teve seu valor e finalidade, mas muita coisa também passou despercebida, muitas belezas não foram contempladas, os dias se sucederam sem que eu pudesse determinar algumas horas para admirar o mundo que me rodeava e sustentava.
Mas não havia tempo. Meus companheiros o cigarro e o café ofereciam os melhores caminhos para superar a ansiedade, o stresse, o nervosismo originados de tantas pressões. E quantos foram os anos que se seguiram nesse ritmo alucinante.
O chamado derrame cerebral freou minhas atividades e demonstrou que tudo poderia ter sido de outra forma. Tudo poderia ter sido concluído com muito mais tranqüilidade e com a mesma qualidade. Mas isso parece um segredo e que deve ser descoberto. Um estranho tesouro encerrado em uma caixa insanamente buscado por tanta gente.
Vejo com certa aflição tantas pessoas no mesmo ritmo que eu caminhava, sem perceber o ipê florido naquela rua em que tantas vezes passam a pé ou de carro, o canto do sabiá, a recepção do cãozinho, a murta que floresceu no jardim de casa. Sei que você está rindo, eu também já achei todas essas coisas imbecis, havia algo mais importante para se fazer ou conquistar.
Agora estou gratamente forçado a alimentar outros valores, a buscar outras conquistas como poder dar um abraço ou correr pelo jardim, a dizer “eu te amo” e saber que a empresa está lá, com seu esplendor e beleza, competência e austeridade, tendo outra pessoa em meu lugar com a mesma intenção de não deixar a peteca cair. E que bom se eu pudesse hoje jogar peteca.

A CONSTRUÇÃO

A imensa construção estava abandonada há décadas. Ali havia funcionado uma potente empresa que fabricava sucos, geléias, extratos. Após o auge entrara em declínio até seu fechamento. Alguns comentavam que havia sido transferida para outro Estado, outros que falira. A verdade e o concreto é que estava fechada. Instalada no ponto alto da cidade podia-se imaginar o glamour de outrora. Era realmente descomunal. Vários andares, vários blocos, ruas de arenito e basalto, talhados formando desenhos caprichosos em formatos diversos. Podia-se vislumbrar espaços que antes abrigara jardins e que hoje estavam dominados por carrapichos imersos em imenso matagal.
Era um lugar lúgubre, escuro, dominado pela poeira, teias de aranha e um silêncio sepulcral, ferido apenas pelo arrulhar e vôo dos pombos e rolinhas que ocuparam o local para nidificar. Naturalmente ratazanas também encontravam naquela construção o lugar ideal para procriarem sem serem perturbadas. Morcegos também podiam ser vistos em abundância em seus movimentos noturnos aproveitando-se das figueiras e outras árvores que lhe oferecem o alimento.
Aos poucos o lugar tornou-se ermo, se quer visitados por andarilhos, permanecendo intacto em sua majestade e esplendor. Um lugar esquecido pela população, afastado, ignorado.
A cidade, pequena e disposta em um vale tranqüilo, caminhava ritmada na expectativa do progresso. Todos se conheciam, sendo comum ver os vizinhos conversando animadamente apoiados nos muros que separavam suas casas ou sentados na calçada onde, inevitavelmente, era possível falar mal dos outros.
Era chamada de "Cidade Latinha", onde os saudosos relembravam "lá tinha isso, lá tinha aquilo"...e de certa forma, orgulhavam-se do próspero passado.
Os prefeitos se sucediam com promessas de saúde, educação e novas empresas que ofereceriam emprego a todos. Também era notório a adversidade política na época das eleições e vistos tempos depois saboreando uma pizza na cantina em geral freqüentada pelos poderosos da cidade. O “pau torava” na época certa e as pessoas digladiavam partidários deste ou daquele, a diferença é que a animosidade das pessoas continuava, fiéis aos seus candidatos.
O jornal “O Devorador”, do adversário, Zé Cuínha, seguia com aptidão de detetive cada passo e cada ação do então prefeito, denunciando e divulgando toda e qualquer informação que pudesse polemizar e criar transtornos, motivando a população a ardentes discussões sobre diferentes assuntos, dos relevantes aos insignificantes. Porém, eram assuntos que acaloravam uma cidade com pouco o que tratar e qualquer tema era importante para reunir pessoas e ter do que falar.
Por outro lado, a Rádio Pitoresca, de propriedade do prefeito, Silas Macaúva, em especial o Programa “Esquenta o tacho” era o mais esperado na hora do almoço e que espetava o candidato concorrente, mesmo após deglutirem uma saborosa pizza de calabresa apimentada.
Após anos de solidão, o antigo prédio foi despertado de seu sono. Silas Macaúva vislumbrara a possibilidade de instalar naquele local uma escola técnica. O assunto dividiu a população. Estudar era importante, mas para trabalhar onde ? Nisso Zé Cuínha entrou de sola, ele faria reviver o tempos de glória da cidade e naquele lugar instalaria uma nova empresa, que iria gerar empregos, e já tinha os contatos firmados. Percebia-se, inclusive, uma briga declarada entre diversas empresas que almejavam se instalar ali.
O “Esquenta o tacho” não vacilou “de que adiantaria trazer ao município uma empresa se não haviam ali profissionais qualificados, exigindo contratar mão de obra de outras cidades ?”. Pitada de pimenta no almoço em cada casa e as pessoas mal digeriam os alimentos, insuflados a debaterem as prioridades.
Ariovaldo Santinho, deputado, político de rapina, enxergou ali um solo fértil para seu trabalho, além de presas fáceis. Tratou de cultivar a adversidade, ao mesmo tempo em que foi criando laços com um e outro, percebendo as verdades e possibilidades nas propostas de cada um, contudo longe de buscar a realização, era preciso fortalecer as promessas. As eleições se aproximavam. Não demorou para que fosse mais popular que qualquer outro. Era o Salvador, o divisor das águas, o grande libertador que levaria a cidade ao desenvolvimento. Os políticos locais babavam por ele.
Os resultados eleitorais foram os previstos. O cara arrebentou de votos. O trabalho agora era reeleger Silas Macaúva, somente assim seria possível concretizar o que fora prometido.
Enquanto isso, alheia a tudo, uma ratazana passeava por uma das janelas no terceiro andar do prédio.
Ricardinho, Wado, Delei e Silmara atraídos pelas discussões que evidenciavam aquele espaço, já alta madrugada, decidiram visitar o local. Deixaram a mesa do barzinho, pegaram mais algumas smirnoff ice e entraram no porsche boxster vermelho de Ricardinho, filho de Silas. O lugar era realmente silencioso. Com duas lanternas pularam uma janela dos fundos do primeiro bloco e passaram a sondar o local. Subiram escadas, devassando teias e assustando-se com o vôo dos pombos ou deparando-se ora ou outra com ratos e gatos.
Na verdade buscavam uma nova aventura e um lugar onde pudessem utilizar drogas sem serem incomodados. Entre elas, traziam consigo o boa noite Cinderela. Entre os conceitos de curtição, liberdade e ousadia, Silmara foi estuprada pelos rapazes.
Dezesseis anos, cabelos cor de uva, estilo rebelde, Silmara havia sido convidada pelos garotos naquela noite, estimulada a experimentar algo novo.
A bomba explodiu quando os pais da garota os denunciou, após passar pelos exames requeridos pela polícia. O trânsito de advogados agitou a pacata cidade. Silmara era sobrinha de Zé Cuínha. A cidade borbulhou em polvorosa. Ataques recíprocos tornaram-se agressivos, gerando inúmeros desvios na lógica dos fatos.
Mas o caso deu em nada. O delegado Dr. Zui soube, ardilosamente e com propriedade, contornar a situação, proteger o prefeito e Ricardinho, e voltar as responsabilidades aos pais de Silmara, suscitando comportamentos inadequados da jovem, além de interesses em causar prejuízos a imagem de uma família tão tradicional.
Santinho, lamentando as ocorrências, correu a divulgar que tais escândalos iriam, certamente, interferir nas conquistas ao município. Não bastava o trabalho dele, que era íntegro e persistente, era necessário que houvesse apoio político, sem manchas, para que pudesse cumprir suas promessas.
O antigo prédio continua ileso, distante e absorto, olhando do alto a cidade que oscila entre expectativas e sonhos, enquanto o tempo passa.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A CADEIRA DA VARANDA

Ela gritou para o menino que passava pela calçada, enquanto se ajeitava na cadeira almofadada disposta na varanda da casa:
- Você é o filho da Dita ?
O menino, de uns doze anos, sem camisa e com uma bermuda aparentemente bem maior do que deveria usar, arrastando um chinelo, olhou-a surpreso e com expressão de agressividade, agitando o braço esquerdo, com a frase “sai pra lá!”. Afinal, já podia ter se acostumado às indagações da senhora, uma vez que essa pergunta sempre ressoava quando ele passava por ali. Aliás, não apenas ele, mas todo e qualquer transeunte.
Os vizinhos conheciam Dona Faustina e toda sua história de vida. A vizinha, Dona Zilá, ao adentrar a casa sempre era recepcionada pela senhora lamentosa afirmando que não havia comido ainda, que ninguém dava comida para ela, mesmo que fosse logo após o almoço.
Dona Faustina sempre foi uma mulher batalhadora, sofrida. Havia criado oito filhos, dois haviam falecido. O marido também não estava mais nesse mundo, para felicidade de todos, pois nunca tinha prestado, às voltas com amantes, jogos e bebidas. Tinha sido assassinado pelo marido de um de seus casos. Sempre se fizera ausente e Faustina havia assumido tudo, trabalhando na roça e educado seus filhos. Hoje todos muito bem sucedidos. Bem sucedidos e alheios a mãe. Somente Ciça não teve como escapar daquele “peso”.
Eventualmente alguém surgia para uma rápida visita e deixar um pacotinho disso ou daquilo ou um valor em dinheiro que pouco ajudaria.
Faustina não os reconhecia. Conversava com eles aparentemente interessada, falava de seus filhos como se ainda fossem crianças, sem obedecer a regras temporais. Algumas vezes perguntava do marido e reclamava que estava demorando para o almoço.
De um momento para outro ficara daquele jeito. Para alguns havia se tornado motivo de chacota, para outros de desprezo, para outros de comiseração. Assim se passavam os dias de Faustina na cadeira da varanda. Não havia mais o vigor da juventude, nem se aventurava em preparar suas saborosas iguarias no fogão a lenha, a manter a casa asseada, o jardim florido, as galinhas nutridas, a horta viçosa. O mundo de Faustina oscilava em resgates curiosos, buscando nas janelas da memória pessoas e cenas arquivadas pelo tempo.
A vida seguia seu curso, mas os dias de Faustina eram outros. Tinha muito medo de Ciça que lhe fazia claras ameaças de aprisioná-la no quarto ou na casinha do cachorro. Nesses momentos se calava, sentava-se em sua cadeira e lá permanecia, pensando sabe Deus em que.
Algumas vezes era surpreendida em seu quarto, sentada na cama em animado diálogo com alguém invisível, e logo feliz anunciava que estava conversando com fulano de tal. O que deixava a todos arrepiados, pois a pessoa se encontrava no reino das sombras há décadas. Pairava a dúvida entre a insanidade e a espiritualidade.
Mostrava, contudo, uma saúde de ferro. Nem gripe pegava. Ciça dizia que iria morrer antes dela. Mas não foi assim. Um dia Faustina deitou-se e não levantou. Alguns dos filhos apareceram. Debruçaram-se escandalosamente sobre o caixão e choraram, talvez arrependidos, lembrando-se do descaso, da ausência e do desejo de mantê-la distante, ou preocupados em teatralizar o momento visando penalizar os espectadores.
Faustina estava no céu. Cumprira sua missão, mesmo que de forma inconsciente nos derradeiros meses de sua vida.
Ciça sentou-se na antiga cadeira da varanda e chorou temendo encerrar seus dias como os de sua mãe. Tinha três filhos, cuidariam dela ? Acariciou a cadeira, onde Faustina se manteve sentada dia após dia. Seria prudente conservá-la.

A MENTIRA

A mentira é um sonho
a expectativa de que talvez fosse
justificativa para ocultar-se
ocultar-se de si mesmo
enquanto o sonho corre
no silêncio conturbado da consciência
A mentira é a vitória momentânea
da desonestidade
A mentira é o desafio para que o lógico
e o imaterial se confundam
é mágica, é ilusionismo
é emoção sem sentimentos
A mentira é artimanha
na tentativa vã de se bem sucedido
A mentira é mal necessário, segundo dizem,
para não chocar, gerar melindres
para manter todos felizes
na crença de que tudo está bem
A mentira é utopia
é vida vazia
castelo de areia
frágil, belo , miragem, ilusão
Mentira pode ser gostosa e te deixar afoito
se na forma de biscoito.

PÁSSAROS

Os pássaros passaram em algazarra
Torvelinho do tempo
Que passa num momento
Num gesto, num movimento
Desafiando a gravidade
Curvando o rosto para a terra
Terra que tudo alimenta
Que tudo consome, que tudo encerra
Os pássaros se foram
Mas se foram também os sonhos
Os lamentos corroídos
Dias tão sofridos
A festa de aniversário, o Natal, o Reveillon
Os beijos e os abraços
Os amassos
A terra se aprofunda
Famosos sete pés de fundura
Degraus de uma vida futura
Que talvez não exista.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

DIÁLOGO SOBRE A TRAIÇÃO

A serpente ficou popularizada como símbolo da traição. Uma estória de quem comeu a maçã e no jogo do empurra-empurra sobrou para a serpente. É algo bem humano. Diante do “quem fez isso ?” apressamo-nos em listar justificativas ou buscar culpados, onde raramente a iniciativa foi nossa. As coisas se aquecem quando o tema é traição. Se a traição foi do marido ou da esposa, há uma culpa e a culpa é do outro. Naturalmente com argumentos convincentes e que o ou a absolvem do ato fatídico.
Faz-se dispensável percorrer hábitos claramente animais como acontece com gatos, leões, pingüins, chimpanzés e tantos outros. Eles traem, não são fiéis. Não podemos dizer o mesmo de corujas, golfinhos e cavalos marinhos que permanecem leais a seus companheiros e companheiras. Adultério é crime ?
Quantas situações vivenciamos e acompanhamos onde o casal tão feliz, apenas o é porque desconhece a traição constante de um deles ? Outros, contudo, sabem e fingem que não sabem buscando manter a relação. Outros sabem e não se importam. É curioso o conceito de traição entre diferentes casais.
Mas a traição pode não ser entre casais. Há outros conceitos de traição. Judas traiu Jesus ? O apócrifo Evangelho de Judas não permite que estejamos tão convictos. Porém, pode ser uma realidade diante de outro que tudo assistia. Trair um amigo também pode ser analisado sob múltiplos olhares. Afinal, agimos de acordo com a nossa visão de mundo, nossos conceitos, por isso mais uma vez o trair tem significados interessantes.
Quantas vezes traímos a nós mesmos ? Traímos nossos conceitos, nossos valores quando colocados a prova ou quando não estão sendo observados por terceiros. Muitas vezes pensamentos, palavras e ações se contradizem. Traímos um ou outro grande parte do tempo.
Mas há de considerar que a traição não é de todo maléfica e repugnante. Vassili Vassilievitch Rozanov afirmou certa vez "das grandes traições iniciam-se as grandes renovações." A traição renova. Retomando o início deste diálogo, se não fosse a grande confusão da maçã no paraíso certamente hoje o mundo seria invariavelmente outro. Ou se Judas não tivesse traído Jesus e ele tivesse morrido por morte natural entre seus discípulos, quais crenças alimentaríamos ?
A traição pode denunciar o término de uma relação ou simplesmente o não resistir a uma tentação. Aliás quais as relações entre tentação e traição ? Ainda tomando um pensamento alheio “ o problema de resistir a uma tentação é que você pode não ter uma segunda oportunidade”, diz Laurence Peter.

UMA REFLEXÃO SOBRE O AMBIENTE EDUCACIONAL

O momento educacional em que vivemos exige rápida intervenção. Nunca a importância de saberes foi tão proclamada, tão disponibilizada em tantos meios, e tão dilacerada, tão pobre, tão desgastada. Por tempos ouvi dizer que os alunos eram desmotivados, afinal “estudar para quê ?”, se faltavam oportunidades, se os políticos são corruptos, se não há perspectivas profissionais para quem quer que fosse.
O cenário não se revela dessa forma, vemos um mercado em ampla ascensão exigindo cada vez mais profissionais capacitados, novas habilidades são exigidas, novas profissões são criadas. O mundo desabrocha em possibilidades.
Por outro lado, abandonando a análise sobre motivos que possam levar alunos a um ostracismo educacional, deparamo-nos com a seleção de professores. Surpreende-nos a dificuldade na identificação de profissionais capacitados, que conheçam, dominem e demonstrem compromisso, interesse, competências para atuar junto aos alunos.
Por inúmeras razões e para muitos as aulas tornaram-se um bico. Esse bico que embora pareça um bico de canário, pode ser o de um pelicano. É um bico interessante, que amplia a renda e possibilita aquisições materiais consideráveis. Portanto, não é exatamente um bico, deve ser entendido como um trabalho,sério e comprometido.
Percebemos também a despreocupação de muitos profissionais que buscam ingressar como docentes com parcos conhecimentos e despreocupados com a qualidade de suas atividades, pressupondo que para os alunos qualquer coisa basta. Afinal, não é recente a idéia do enrolar a aula. O problema é quando essa tentativa de enrolação se manifesta mesmo diante de uma banca de especialistas no momento de uma seleção. Chamaremos isso de descaso.
Dá-nos algumas vezes a impressão de que existem profissões sérias como ser advogado, ser médico, ser dentista...e profissões disponíveis para pessoas que não foram bem sucedidas em outras, pessoas menos capacitadas, menos competentes, essas ingressam na área educacional. Talvez você até se choque com o que digo, mas um rápido passeio pelas escolas e podemos perceber no âmago de muitas pessoas (não os chamaremos de profissionais) esse conceito.
Muitos países apresentam outros valores, onde o profissional da educação é realmente aquele que prepara as pessoas de múltiplas maneiras para que sejam bem sucedidas. Eles próprios o são.
Não nos cabe discutir aqui legislações, salários, pois entendemos que a mudança não poderá simplesmente partir de uma regra implantada, uma norma estabelecida, um aumento salarial, uma vez que esses conceitos permanecem. Urge uma maior e melhor seleção de profissionais para atuar junto a Educação. Também dispensar aqueles que não demonstram as qualidades necessárias para tal.
É preciso exigir seriedade, atuação comprometida dos professores. Não responsabilizo os docentes pelo sucesso ou insucesso da escola hoje, mas sem qualquer dúvida são os professores os motores educacionais. Podemos ter diretores fantásticos e coordenadores extraordinários, porém a magia acontece nos recônditos da sala de aula. É ali que tudo se estrutura, se consolida e demonstra a qualidade da aula, do curso e da escola. Por essa razão, a escolha do docente é a grande chave para que tenhamos um caminho educacional de excelência. E são esses competentes professores que assumirão, posteriormente, atribuições importantes como coordenadores ou diretores.
Quando falamos também em Educação faz-se mister notar que a má educação de professores, funcionários e dirigentes não pode, em hipótese alguma, transitar pelos corredores da escola. Se recebemos o nobre e ousado título de educadores, cabe-nos ser educados. Em alguns momentos o saber parece desconectar-se da educação e o bom professor, o coordenador capaz e o diretor competente torna-se sinônimo de agressividade, grosseria e vaidade vazia. A escola é uma exposição de egos inflados, doentes, competindo grotescamente uns com os outros ou uma sucessão de lamentações intermináveis acerca de sua profissão.
Chamamos isso de escola, de ambiente escolar, de ambiente educacional. Ali pregamos a educação, a ética, a cidadania, o respeito, a solidariedade. Ensinamos a hipocrisia.
Talvez você diga que isso está distante de seu ambiente escolar...e torcemos para que isso seja verdade.

GOTA DE CHÃO

gotas insistentes pingam do telhado
é resto de chuva
é do ar condicionado
fria e abandonada
lançada à terra
lama, cheiro, beijo difuso
entre o pó e a gota
a gota d´água
que faz explodir as relações
assim como a gota explode
quando louca
se arrebentando no chão
chão firme, duro, rijo
que a gente perde na emoção
no choque, na traição
a gota perde o chão
o chão chupa a gota
e a elimina
para que reapareça
oculta na nuvem
negra e agressiva
ameaçando o solo
o chão

domingo, 9 de janeiro de 2011

É PROIBIDO ENSINAR

A manhã era uma qualquer com a aglomeração de alunos, carros, transeuntes diante da escola. As regras eram claras e chegar atrasado simbolizava estar fora das aulas, por essa razão era preciso estar atento ao relógio e não deixar-se distrair. As duas primeiras aulas eram justamente as mais chatas com a monotonia da professora de português, Dona Euclédia. Solteirona, intransigente, exigente, daquelas pessoas que cobram bem mais do que oferecem. Prazos rigorosos, tornando-se mais importantes do que aprender ou não aprender. O que importa é entregar trabalhos, lições e outras solicitações dentro do prazo. Parece que suas frustrações sentimentais eram traduzidas no prazer inexorável de anunciar notas baixas, com requintes de velada crueldade e grande satisfação.
O bom é que após a aula de tortura entraria o professor Alessandro em sua aula de Matemática. Alegre, divertido, contagiante. Mesmo a chatice da matéria era sobrepujada por sua energia altamente motivadora. Excetuando, é claro, aqueles dias que alguma revolta parecia tomar conta dele, aí não se agüenta. Gordinho e baixinho, parece ter alguma dificuldade em lidar com isso. Tem uma noiva há muitos anos, cabelos de ébano, olhar esverdeado, que deixa os meninos da sala alertas e entusiasmados. Alguns dizem que ela não é tão fiel e que vivia engraçada com um funcionário de um Banco. É provável que em alguns momentos ele caia em si e percebia o que acontecia a sua volta, e nada melhor do que ter alunos para descontar !
Após o intervalo as coisas continuam agora é o Sandy. Exatamente, sem senhor e sem professor, só Sandy. Novinho ? Tem uns quarenta anos. Em uma escola onde se vê pouco estímulo à criatividade, ele inova. Os demais professores estão presos a um conceito estranho de ensino, onde disciplina é silêncio absoluto, e horários se sobrepõem a possibilidade de verdadeiramente aprendermos. Regras, normas, regulamentos que devem ser cumpridos ou as punições rolam impiedosamente.
Sandy é professor de Biologia. Entre idas ao laboratório para ver essa célula, ver tal reação acontecer, tal larva se desenvolver, podemos caminhar pelo jardim da escola. Algumas aulas são ali, olhando a interação entre os insetos que nunca havíamos percebido que residiam ali. Também apresentava vídeos que geravam longos debates. A maioria dos alunos pode não saber nada, mas sabem Biologia. Só não sabem mais porque a interpretação dos textos acaba comprometida e alguns cálculos, apesar de toda algazarra do professor Alessandro, acabam não bem ensinados. Aí sabemos fazer as coisas nas aulas dele, mas não sabemos usar isso em outros momentos.
Ao que sabemos o professor Alessandro está com problemas. Em uma escola onde é proibido criar, ele não é o exemplo de professor. Dona Euclédia ainda é o modelo de uma excelente professora. Deixa muitos alunos com vermelha e um punhado reprovados.
Falar com a Diretora ? Creio que pouco importa. Dona Eulália também é o exemplo de uma pessoa não realizada. Permanentemente insatisfeita com a vida e consigo mesma. Grossa, antipática e sem sorrisos. Fechou-se em si, mergulhada em sua amargura. O noivo sofrera um acidente no dia do casamento. Nunca se casara. Aliás parece haver na escola um encontro de pessoas infelizes, casadas ou não, e que se especializam em como demonstrar a incompetência e inferioridade dos alunos.
O importante é agora. O sinal da saída e todos saem disparados para suas casas. A escola é assim. Amanhã estaremos de volta com uma carga de aulas de Química, Física e Inglês.
Mais um dia esperando ansiosamente o sinal para ir embora. O bom é que o tempo passa e já sei que terei que dedicar-me ao cursinho caso queira conquistas maiores. O que pretendo ser? Alguma coisa na área de Biologia, Sandy soube me conquistar. Nem tudo foi perdido.

O LOUVA-A-DEUS

Resolvi abandonar-me aos meus pensamentos esticado na rede, balançando e sentindo o vento arrastando as folhas. Vinha um cheiro úmido de terra molhada, cheiro bom, após tanto tempo sem chuvas. Bartolomeu mantinha-se ao meu lado com a pata cobrindo os olhos para fugir da claridade. Era mais um dia. Um dia em que eu esperava que algo acontecesse. A vida se construía numa sucessão de dias intermináveis, monótonos e desgastantes.
A novidade era a chuva. Começou lá no alto, junto a serra, onde se podia ver uma cortina branca que gradualmente foi se aproximando.
Quieto entre os antúrios meditava o voraz e agressivo louva-a-deus. Tão meigo para nós e tão feroz para outros insetos. Talvez eu não tenha aprendido a ser um louva-a-deus na vida. Aprendi apenas a louvar a deus. Pude contemplar um louva-a-deus fugindo de um pássaro. Foi espetacular por suas habilidades de vôo. Creio que todos devêssemos ser educados para sermos louva-a-deus.
Dentre minhas divagações refleti que talvez fosse o sentido de realmente louvar a deus. Preparar-se para a vida, ser capaz de realizar conquistas, consolidar algo para si mesmo. Talvez assim eu pudesse realmente herdar a terra.
Um macho que invade seu território certamente será morto e comido, devorado, e após a ceia, em posição de reza, mãozinhas justapostas, dorme. Dorme o sono da realeza.
O louva-a-deus também nos ensina que podemos perder a cabeça por uma namorada.
Eles fazem o que temos vontade de fazer, freados pelas leis de convívio social ou retornaríamos a barbárie. Hoje fica apenas o desejo.
Lembrei-me do filme “O festim do louva-a-deus”, cujo diretor foi o belga Marc Levie, apontando o terrível canibalismo da espécie. Sorri, imaginando esse instinto no mundo dos homens.
Voltei a balouçar na rede, tranqüilo naquele domingo, ouvindo a chuva. O louva-a-deus voou até a rede e passou a desfilar graciosamente, talvez as lições sobre ele ainda não tivessem terminado, assim passei a observar atentamente os movimentos do meu mestre. Seu jeito calado, quieto, observador e meditativo. Extremamente atento enquanto reza, concentrado.
Seu silêncio é inspirador. É paciente, sabe esperar o momento certo de pegar sua presa. Saber esperar, o exercício fantástico da paciência dinâmica.
Ele também é incrível por que é autêntico. Não é como aquelas pessoas que fingem rezar, que se colocam como religiosos inflexíveis enquanto agem de forma distorcida nos bastidores, no famoso “desde que ninguém saiba, que mal há !”.
O louva-a-deus é o que ele é. Não precisa interpretar, criar papéis, administrar aparências, alardear o quanto é importante louvar a deus. Ele louva em seu silêncio. Atento, contudo às necessidades imperiosas de ter seu espaço, de se alimentar e amar, mesmo sabendo que esse será o seu fim.

ENTRE A MAGIA E O TALENTO

O avião pousou tranquilamente e Karnic adentrou o aeroporto com seu pesado casaco e foi ao encontro de suas bagagens. Atravessou rapidamente o corredor que dava acesso a elas, esbarrando em um número descomunal de pessoas. O que estaria acontecendo para que tantas pessoas fossem embarcar naquele dia? Decidiu tomar um capuccino antes de pegar o táxi. Iria direto para o apartamento e depois passaria pela empresa, haviam documentos que precisavam ser despachados ainda naquele dia.
Entre saudações de boas vindas, Karnic buscou mecanicamente sua sala, convocando pelo caminho as pessoas que deveriam tomar providências urgentes. Em tom sempre severo e quase ríspido determinou as tarefas não apenas do dia, mas da semana, uma vez que nova viagem estava programada. Embarcaria agora para Nairóbi onde outros compromissos o aguardavam, mas para que isso pudesse transcorrer sem surpresas nefastas todos deveriam estar centrados em seus afazeres e conduzirem a empresa na sua ausência.
A empresa se desenvolvia a olhos vistos e crescera rapidamente. No início umas poucas propagandas e agora cuidava do marketing de importantes instituições, inclusive internacionais. Karnic era uma revelação. Sua vida pobre começou com panfletagem, depois teve condições de montar sua própria gráfica, a gráfica extrapolou suas atividades transformando-se na mais procurada empresa de marketing, a Trualls Center.
Karnic tornara-se respeitado, idolatrado até por celebridades, embora mantivesse seu jeito reservado, calado, de poucas palavras. Um gênio no momento da criação e negociação. Nunca falava sobre sua vida pessoal e quase nada se sabia sobre sua família, suas origens. Mas como comentários e fofocas existem em abundância o que se comentava nos bastidores é que tais habilidades haviam sido herdadas do avô Keramin. Keramin teria não apenas ensinado o neto com relação às técnicas de administração, como também como despertar sua criatividade.
Más línguas chegavam a dizer que isso se tratava de pactos com forças malignas. Alguns desses comentários eram fomentados pela imensa escultura, talhada em madeira, de uma deidade africana colocada em sua sala e que ele não admitia que se quer tocassem.
Pela ignorância ou pelo mistério acordavam que não convinha enfrentar o dono de uma das maiores corporações do país. Por magia ou por talento os negócios caminhavam de vento em popa, sem obstáculos e sem concorrentes que pudessem fazer frente.
Novamente estava Karnic no aeroporto, agora com destino a Nairóbi. Ali instalaria a filial de sua empresa. Mas esse é um próximo assunto.

CONTOS EMANADOS DE SITUAÇÕES COTIDIANAS

“Os contos e poemas contidos neste blog são obras de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”

SABORES DO COMENDADOR

Ator Nacional: Carlos Vereza

Ator Internacional: Michael Carlisle Hall/ Jensen Ackles/ Eric Balfour

Atriz Nacional: Rosamaria Murtinho / Laura Cardoso/Zezé Mota

Atriz Internacional: Anjelica Huston

Cantor Nacional: Martinho da Vila/ Zeca Pagodinho

Cantora Nacional: Leci Brandão/ Maria Bethania/ Beth Carvalho/ Alcione/Dona Ivone Lara/Clementina de Jesus

Música: Samba de Roda

Livro: O Egípcio - Mika Waltaire

Autor: Carlos Castañeda

Filme: Besouro/Cafundó/ A Montanha dos Gorilas

Cor: Vinho e Ocre

Animal: Todos, mas especialmente gatos, jabotis e corujas.

Planta: aloé

Comida preferida: sashimi

Bebida: suco de graviola/cerveja

Mania: (várias) não passo embaixo de escada

O que aprecio nas pessoas: pontualidade, responsabilidade e organização

O que não gosto nas pessoas: pessoas indiscretas e que não cumprem seus compromissos.

Alimento que não gosta: coco, canjica, arroz doce, melão, melancia, jaca, caqui.

UM POUCO DO COMENDADOR.


Formado em Matemática e Pedagogica. Especialista em Supervisão Escolar. Especialista em Psicologia Multifocal. Mestre em Educação. Doutor Honoris Causa pela ABD e Instituto VAEBRASIL.

Comenda Rio de Janeiro pela Febacla. Comenda Rubem Braga pela Academia Marataizense de Letras (ES). Comenda Castro Alves (BA). Comendador pela ESCBRAS. Comenda Nelson Mandela pelo CONINTER e OFHM.

Cadeira 023, da Área de Letras, Membro Titular do Colegiado Acadêmico do Clube dos Escritores de Piracicaba, patronesse Juliana Dedini Ometto. Membro efetivo da Academia Virtual Brasileira de Letras. Membro da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias. Membro da Literarte - Associação Internacional de Escritores e Acadêmicos. Membro da União Brasileira de Escritores. Membro da Academia de Letras e Artes de Fortaleza (ALAF). Membro da Academia de Letras de Goiás Velho (ALG). Membro da Academia de Letras de Teófilo Ottoni (Minas Gerais). Membro da Academia de Letras de Cabo Frio (ARTPOP). Membro da Academia de Letras do Brasil - Seccional Suíça. Membro da Academia dos Cavaleiros de Cristóvão Colombo. Embaixador pela Académie Française des Arts Lettres et Culture. Membro da Academia de Letras e Artes Buziana. Cadeira de Grande Honra n. 15 - Patrono Pedro I pela Febacla. Membro da Academia de Ciências, Letras e Artes de Iguaba Grande (RJ). Cadeira n.º 2- ALB Araraquara.

Moção de Aplausos pela Câmara Municipal de Taquaritinga pelos serviços em prol da Educação. Moção de Aplausos pela Câmara Municipal de Bebedouro por serviços prestados à Educação Profissional no município. Homenagem pela APEOESP, pelos serviços prestados à Educação. Título de Cidadão Bebedourense. Personalidade 2010 (Top of Mind - O Jornal- Bebedouro). Personalidade Mais Influente e Educador 2011(Top of Mind - O Jornal- Bebedouro). Personalidade 2012 (ARTPOP). Medalha Lítero-Cultural Euclides da Cunha (ALB-Suíça). Embaixador da Paz pelo Instituto VAEBRASIL.

Atuou como Colunista do Diário de Taquaritinga e Jornal "Quatro Páginas" - Bebedouro/SP.
É Colunista do Portal Educação (http://www.portaleducacao.com.br

Premiações Literárias: 1º Classificado na IV Seletiva de Poesias, Contos e Crônicas de Barra Bonita – SP, agosto/2005, Clube Amigo das Letras – poema “A benção”, Menção Honrosa no XVI Concurso Nacional de Poesia “Acadêmico Mário Marinho” – Academia de Letras de Paranapuã, novembro/2005 – poema “Perfeita”, 2º colocado no Prêmio FEUC (Fundação Educacional Unificada Campograndense) de Literatura – dezembro/2005 – conto “A benção”, Menção Especial no Projeto Versos no Varal – Rio de Janeiro – abril/2006 – poema “Invernal”, 1º lugar no V Concurso de Poesias de Igaraçu do Tietê – maio/2006 – poema “Perfeita”, 3º Menção Honrosa no VIII Concurso Nacional de Poesias do Clube de Escritores de Piracicaba – setembro/2006 – poema “Perfeita”, 4º lugar no Concurso Literário de Bebedouro – dezembro/2006 –poema “Tropeiros”, Menção Honrosa no I concurso de Poesias sobre Cooperativismo – Bebedouro – outubro/2007, 1º lugar no VI Concurso de Poesias de Guaratinguetá – julho/2010 – poema “Promessa”, Prêmio Especial no XII Concurso Nacional de Poesias do Clube de Escritores de Piracicaba, outubro/2010, poema “Veludo”, Menção Honrosa no 2º Concurso Literário Internacional Planície Costeira – dezembro/2010, poema “Flor de Cera”, 1º lugar no IV Concurso de Poesias da Costa da Mata Atlântica – dezembro/2010 – poema “Flor de Cera”. Outorga do Colar de Mérito Literário Haldumont Nobre Ferraz, pelo trabalho Cultural e Literário. Prêmio Literário Cláudio de Souza - Literarte 2012 - Melhor Contista.Prêmio Luso-Brasileiro de Poesia 2012 (Literarte/Editora Mágico de Oz), Melhor Contista 2013 (Prêmio Luso Brasileiro de Contos - Literarte\Editora Mágico de Oz)

Antologias: Agreste Utopia – 2004; Vozes Escritas –Clube Amigos das Letras – 2005; Além das Letras – Clube Amigos das Letras – 2006; A Terra é Azul ! -Antologia Literária Internacional – Roberto de Castro Del`Secchi – 2008; Poetas de Todo Brasil – Volume I – Clube dos Escritores de Piracicaba – 2008; XIII Coletânea Komedi – 2009; Antologia Literária Cidade – Volume II – Abílio Pacheco&Deurilene Sousa -2009; XXI Antologia de Poetas e Escritores do Brasil – Reis de Souza- 2009; Guia de Autores Contemporâneos – Galeria Brasil – Celeiro de Escritores – 2009; Guia de Autores Contemporâneos – Galeria Brasil – Celeiro de Escritores – 2010; Prêmio Valdeck Almeida de Jesus – V Edição 2009, Giz Editorial; Antologia Poesia Contemporânea - 14 Poetas - Celeiro de Escritores, 2010; Contos de Outono - Edição 2011, Autores Contemporâneos, Câmara Brasileira de Jovens Escritores; Entrelinhas Literárias, Scortecci Editora, 2011; Antologia Literária Internacional - Del Secchi - Volume XXI; Cinco Passos Para Tornar-se um Escritor, Org. Izabelle Valladares, ARTPOP, 2011; Nordeste em Verso e Prosa, Org. Edson Marques Brandão, Palmeira dos Indios/Alagoas, 2011; Projeto Delicatta VI - Contos e Crônicas, Editora Delicatta, 2011; Portas para o Além - Coletânea de Contos de Terror -Literarte - 2012; Palavras, Versos, Textos e Contextos: elos de uma corrente que nos une! - Literarte - 2012; Galeria Brasil 2012 - Guia de Autores Contemporâneos, Celeiro de Escritores, Ed. Sucesso; Antologia de Contos e Crônicas - Fronteiras : realidade ou ficção ?, Celeiro de Escritores/Editora Sucesso, 2012; Nossa História, Nossos Autores, Scortecci Editora, 2012. Contos de Hoje, Literacidade, 2012. Antologia Brasileira Diamantes III, Berthier, 2012; Antologia Cidade 10, Literacidade, 2013. I Antologia da ALAB. Raízes: Laços entre Brasil e Angola. Antologia Asas da Liberdade. II Antologia da ACLAV, 2013, Literarte. Amor em Prosa e Versos, Celeiro de Escritores, 2013. Antologia Vingança, Literarte, 2013. Antologia Prêmio Luso Brasileiro - Melhores Contistas 2013. O tempo não apaga, Antologia de Poesia e Prosa - Escritores Contemporâneos - Celeiro de Escritores. Palavras Desavisadas de Tudo - Antologia Scortecci de Poesias, Contos e Crônicas 2013. O Conto Brasileiro Hoje - Volume XXIII, RG Editores. Antologia II - Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro. antologia Escritores Brasileiros, ZMF Editora. O Conto Brasileiro Hoje - Volume XXVI - RG Editores (2014). III Antologia Poética Fazendo Arte em Búzios, Editora Somar (2014). International Antology Crossing of Languages - We are Brazilians/ antologia Internacional Cruce de Idiomas - Nosotros Somos Brasileños - Or. Jô Mendonça Alcoforado - Intercâmbio Cultural (2014). 5ª Antologia Poética da ALAF (2014). Coletânea Letras Atuais, Editora Alternativa (2014). Antologia IV da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Editora Iluminatta (2014). A Poesia Contemporânea no Brasil, da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Editora Iluminatta (2014). Enciclopédia de Artistas Contemporâneos Lusófonos - 8 séculos de Língua Portuguesa, Literarte (2014). Mr. Hyde - Homem Monstro - Org. Ademir Pascale , All Print Editora (2014)

Livros (Solos): “Análise Combinatória e Probabilidade”, Geraldo José Sant’Anna/Cláudio Delfini, Editora Érica, 1996, São Paulo, e “Encantamento”, Editora Costelas Felinas, 2010; "Anhelos de la Juvenitud", Geraldo José Sant´Anna/José Roberto Almeida, Editora Costelas Felinas, 2011; O Vôo da Cotovia, Celeiro de Escritores, 2011, Pai´é - Contos de Muito Antigamente, pela Celeiro de Escritores/Editora Sucesso, 2012, A Caminho do Umbigo, pela Ed. Costelas Felinas, 2013. Metodologia de Ensino e Monitoramento da Aprendizagem em Cursos Técnicos sob a Ótica Multifocal (Editora Scortecci). Tarrafa Pedagógica (Org.), Editora Celeiro de Escritores (2013). Jardim das Almas (romance). Floriza e a Bonequinha Dourada (Infantil) pela Literarte. Planejamento, Gestão e Legislação Escolar pela Editora Erica/Saraiva (2014).

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Metodologia e Avaliação da Aprendizagem

Pai´é - Contos de Muito Antigamente

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Contos de Geraldo J. Sant´Anna e fotos de Geraldo Gabriel Bossini

ENCANTAMENTO

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