CONTOS DE UMA RAINHA

A mulher passeava com seus cabelos revoltos, tentando domá-los com um lenço branco amarrado na cabeça. Seu amplo quadril rebolava enquanto subia a ladeira, íngreme, de pura pedra, pedras mal colocadas, cada uma numa altura. Perigoso tropeçar. Subia suada. Torrentes escorriam pelo rosto e pescoço. O sol castigava, orgulhoso e sádico vendo a mulher caminhar.
- Boa tarde, Dona Jacira !, proclamava um e outro de dentro das lojinhas, bares e os transeuntes que topavam com ela.
Era pessoa conhecida. Subia com seu tabuleiro de tapioca. Ia vender lá no alto, onde tinhas seus fregueses e choviam turistas. Com simpatia inigualável, sempre sorrindo aos borbotões, brincava e conquistava cada um, da criança ao adulto. Todos iam comprar tapioca só pra falar um tiquinho com Dona Jacira.
Ninguém até hoje tinha visto aquela mulher acabrunhada. Estava sempre sorrindo, de bem com a vida. Distribuindo tapioca recheada de alegria.
Era casada sim, tinha seis filhos e um marido que nasceu livre. Nasceu pra curtir a vida. Fazia ali o transporte das pessoas pela balsa. Quando não queria ia jogar capoeira e mesmo assim arrancava uns trocos da platéia, pelo show que dava. Aí saboreava uma branquinha, às vezes mais do que uma e chegava em casa num porre só. Mas Dona Jacira não se aborrecia e logo gritava:
- Cambaleando de novo, homem ?! Vai tomar um banho e deitar !, decretava ela.
E ele ia. Não brigavam. As crianças já tinham se acostumado. Era parte da vida. Quando crescessem as cenas se repetiriam. Não enxergavam um mundo em nada diferente, nem ansiavam por isso. Aquele jeito tava bom. Tinham o que comer, vestir e se divertiam. Eram felizes.
Se ele traía Dona Jacira ? Certamente. Os homens fazem isso. Então não se incomodava: na hora de comer, dormir ou quando a coisa apertava era para ela que ele corria. Bastava um desarranjo e lá estava ele, santinho de tudo, na barra da saia.
Uns diziam que ela conseguia isso por que à noite era rainha. Quando o batuque começava Dona Jacira virava Oxum. Dançava com uma leveza espetacular, com uma meiguice que era só dela e do orixá.
No outro dia escalava o morro pra vender tapioca, mas a realeza continuava de outro jeito talvez.
- Não quero outra vida não, moço ! A gente tem que aprender a ver a beleza das coisas simples. Da hora em que rala o coco, na hora que chove, na hora do sol a pino, na moqueca que você come e te sustenta, a vida é muito boa. A gente se perde olhando pro horizonte e se afoga no mar.