DONA MARIA

Com os cabelos agitados pelo vento, caminhava languidamente pelas estradinhas de areia branca, descalça e despreocupada de outros afazeres. Era possível ouvir o ruído das ondas e sentir o seu cheiro, desde menina habitava aquela região, numa casinha simples, de pescador. Ainda menina passava os dias à sombra de um enorme sobreiro, brincando com conchas de inúmeras formas e cores.
A mãe cuidava da casa e produzia adereços que vendia na praia. Possuía um dom incrível para combinar sementes, conchas e missangas, criando braceletes, pulseiras e colares que davam um importante sustento a família. O pai era pescador, trançava as redes, ia cedo para o mar junto com outros, retornava tarde trazendo peixes para alimento e também aos restaurantes e mercados locais.
Tinha outros irmãos. Jandira já se casara, novinha, mas embuchou e foi morar com o marido na casa da sogra. Ficava longe e assim vinha pouco ver os que ficaram. Otair foi trabalhar mais longe ainda, em outra cidade, com o dono do mercado grande. Outros dois morreram pequenos, de colo ainda, mas não se sabe porque.
Havia uma grande diferença de idade entre eles e a pequena, por isso aprendera a brincar só, descobrir os pássaros, animais marinhos e plantas que ali coabitavam. Também aprendera a ser desconfiada. Não era muito chegada a diálogos e na presença de estranhos se afundava na mata ou buscava o refúgio de seu lar.
Gostava de ouvir as estórias de seu pai contando sobre a bela mulher que vivia no mar, a dona das águas, num palácio encantado, que uns a chamavam de sereia, mas seu pai a chamava de Dona Maria. Quando o mar ficava revoltado era Dona Maria que estava brava. Ela era temperamental, gostava de agrados. Sua mãe sempre levava para o mar o colar mais bonito e dava de presente para ela e pai fazia uma oração na frente de Nossa Senhora da Conceição pedindo proteção todas as madrugadas antes de sair.
Ela era muito boa, mas também sabia não ter sentimentos. A menina crescia querendo ser como Dona Maria. Também não ia se casar e queria um palácio onde pudesse viver como rainha.
Mas a menina ficou moça. Bonita, pele morena, cabelos lisos e negro azulados, olhos de turquesa. Encantadora. Não demorou para que fosse cortejada, cobiçada e muitos olhares a buscassem enquanto desfilava à beira mar.
Foi num desses passeios pela praia que conheceu Thorsten, um alemão já beirando os cinqüenta anos. Houve uma estranha fusão naquele momento, uma incrível afinidade se manifestou e não demorou para que fossem constantemente vistos juntos. A amizade se tornou romance, o romance em casamento e a menina-moça embarcou para a Europa. Uma nova vida se desenhava.
Conheceu de perto muitos castelos, viu rainhas de verdade. Viajou pelo mundo. Estava rica.
Preocupou-se em oferecer uma outra casa aos seus pais, mas recusaram. Aceitavam apenas o auxílio financeiro que os socorria quando as vendas das bijuterias escasseavam ou quando Dona Maria escondia seus filhos e o mar não dava os peixes.
Foram muitos anos de felicidade, viagens e sem filhos. Thorsten não podia ser pai.
Num desses dias de mar revolto, o marido foi para o mar e não voltou, apesar das insistências para que não fosse. Nem o corpo encontraram. Só a lancha foi recuperada.
Deitada em sua enorme cama, admirava as muitas jóias ofertadas pelo esposo e enquanto segurava uma brilhante pulseira de diamantes, buscava reviver momentos da infância, sentada na areia, ouvindo o mar.