Muito velha, sulcada pelas rugas, ninguém se atrevia a arriscar a idade daquela mulher que parecia ter atravessado os séculos. Não se sabe há quanto tempo morava recolhida em uma casa de pau a pique na mata fechada perto do vilarejo. Sempre com seu vestido com dois bolsos para apoiar as mãos, lenço na cabeça evidenciando seus cabelos alvos e longos, presos por um birote.
Os avós e tataravós diziam que ela já era assim quando eram crianças. Era temida e muitas lendas corriam entre as árvores do bosque sobre ela. Dona Serena. Esse era seu nome.
Sua casa estava fincada em um lugar paradisíaco. Além de grandes e copadas árvores, um rio cristalino formado por uma cachoeira de águas geladas e puras desabava não muito longe. Contam que ali se banhava, com o sabão de cinza que ela mesma fazia. Se banhava também com um certo sabão que lhe devolvia a juventude e se tornava bela e sedutora. Narram que já viram a transformação em noite de lua cheia. Seus cabelos prateados pela luz da lua vão se tornando escuros como o breu e seu corpo vai recuperando curvas e maciez.
Nessas noites, Serena deixa sua cabana isolada para penetrar nos sonhos dos moradores do vilarejo, em especial dos meninos que terão sua primeira polução noturna. Sonhos se sucedem deleitando a todos e fazendo-os despertar excitados ou já não mais. Como um súcubo viaja com o vento e adentra as casas pelas frestas das janelas. Por isso, algumas esposas preocupadas cuidavam de fechar todos os vãos perceptíveis de suas casas no afã de proteger seus maridos ou impedir que os compartilhem com a feiticeira.
Especula-se que é com o sêmen coletado que ela faz a alquimia que a mantém eterna.
Jão Terezo sempre sonha com Serena e acredita ser eleito, seu favorito. Esse é o seu assunto enquanto vira uma branquinha no Bar do Tadeu ou enquanto racha lenhas. Vive pensando na noite, pois na noite sonhará com Serena. A pequena população ri dos delírios do moço.
Apesar das advertências, Jão Terezo decide ir ao encontro da amada na mata fechada. É um caminho perigoso e a velha não é confiável.
Quando Dona Serena desce para o vilarejo em busca de mantimentos, tudo se torna silêncio. O cão não late, o galo não canta, a galinha não cacareja. Só depois que ela se afasta pegando a trilha lá no longe é que parece tudo voltar a respirar. Não se vêem crianças nas ruas e há quem diga que nem pássaros passam voando.
Mesmo assim Jão Terezo tomou a trilha. Acompanhado pelo olhar atento dos jacus e cocorutas, seguiu entre os arbustos e árvores antiqüíssimas. Macacos prego e chauás do alto das árvores estranhavam tal presença. Um vento úmido acariciava seu corpo, enquanto urtigas anunciavam que não era bem vindo.
Caminhou longa parte do dia até que ouviu as águas despencando na cachoeira. Sorriu, alimentando em sua mente os mais doces sonhos. Atravessou cipoais, até que pode visualizar toda beleza daquele lugar. Ao subir o barranco pode ver a mais deslumbrante mulher banhando-se alheia a tudo, sentada sobre uma rocha próxima a queda d´água. Ela parecia não ter percebido sua presença, mas estava ainda mais provocante.
Serena o olhou como se penetrasse João Terezo. Ele sentiu-se profundamente atraído e nem percebeu que se encontrava demasiadamente no alto e deixou-se lançar rumo a ela. Jão Terezo sentiu seu corpo cair em queda livre.
Despertou no centro da praça, entre as folhagens. Acordou atordoado, não reconhecendo o local a princípio e sem entender o que acontecera.
Naquela tarde Jão Terezo conheceu Odete, sobrinha do alfaiate e que iria morar com ele. Enamoraram-se. Mas essa é uma outra estória.
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