Le Génie du Mal (Guillaume Geefs) 1843
“et habemus firmiorem propheticum sermonem cui bene facitis adtendentes quasi lucernae lucenti in caliginoso loco donec dies inlucescat et lucifer oriatur in cordibus vestris”— 2 Pedro 1:19
Naquela noite houve um clarão no céu. Uma luz alva e clara explodiu no firmamento dissipando as trevas que se condensavam quase absolutas. Nas pequenas aldeias e nas grandes cidades uns poucos puderam contemplar a beleza que se irradiou como se o dia tivesse ressurgido subitamente. Alguns despertaram atônitos frente aquele estranho fenômeno. Havia uma certeza. Os deuses falavam. Não importava se Anu em seu denso bosque de cedros, se Itemu nas negras terras de Quinit, Indra ou Iaveh. O fato é que algo sobrenatural acontecia.
Desde aquela época os homens já povoavam a terra e buscavam sobrevivência de cada dia enfrentando a fome, o frio, as doenças e a morte. Desde tempos imemoriais clamavam por um lugar de paz, prosperidade e eterna bem aventurança. Aquele poderia ser o sinal esperado. Anciões e anciãs buscavam interpretar o sinal brilhante nos céus. Havia os que traçavam mapas e faziam prognósticos com sangue ou lendo as entranhas das vítimas sacrificadas. As afirmações eram contraditórias e alguns passaram a profetizar e anunciar o final dos tempos. Os deuses revoltavam-se com a fragilidade e maldade humana.
Mas houve um rei chamado Motan, estudioso do mundo antigo e dos vaticínios que percorriam os campos e as montanhas, que atreveu-se conhecer mais do que se propagava. Foi despertado na alta madrugada para apreciar o sol que brilhava em plena noite. Olhou maravilhado para aquela luz cristalina qual um diamante. Tal qual apareceu ela se extinguiu como se nada houvesse perturbado a noite. Aquela estrela, contudo, havia se precipitado de algum canto do universo e em algum lugar havia se alojado. Refugiou-se em sua preciosa sala de tesouros. Ali estava todo o seu poder. Centenas de batalhas reuniram naquele compartimento instrumentos que roubara dos deuses. Ali estavam o tridente de Poseidon, o cinturão de Afrodite, o capacete de Hades, o arco e as flechas douradas de Apolo, o arco e as flechas prateadas de Ártemis, a lança Gungnir de Odin, o colar de Freya, entre uma dezena de outras armas. Sentia, entretanto, que em seu arsenal algo estava para ser conquistado.
Logo os sábios lhe informaram de histórias que estavam sendo relatadas por um ermitão que vivia em uma distante montanha no reino de Acshar. Foi assim que Motan e um grupo de homens rumaram para o distante e desconhecido lugar para além dos desertos. A viagem traduzia-se pelos perigos e imprecisão do que poderia acontecer. Duhghar, o mais velho e conhecedor das línguas, viu apenas uma nuvem nebulosa e negra quando sondou o destino através de gravetos estranhamento grafados. Somente ele sabia ler o Ogham. Temeu por todos, mas o rei determinou que saíssem ao amanhecer.
Longa foi a viagem. Carregadores morreram picados por escorpiões, serpentes e aranhas. Outros com uma febre que os consumiu de forma apavorante. Os dias se fecharam negros e chuvas torrenciais buscavam desmotivá-los a continuarem a busca. Com a terra úmida e as rochas escorregadias, dois dos homens foram atraídos para um abismo enquanto atravessavam uma estreita estrada. O coche foi abandonado após o cavalo ter enlouquecido. Começara a salivar, depois se tornou inquieto, atacando algo invisível.
Aos poucos faltou a comida e a água desapareceu. Das chuvas brilhou o sol em temperaturas inenarráveis. Exaustos e certos de que iriam parecer alojaram-se em uma gruta ocultando-se daquela luz destruidora. Entre delírios sentiram mãos que lavavam suas faces, lhes saciavam a sede e davam de comer. Oito homens de avançada idade os acolheram. Estavam na gruta do ermitão. Sorriram pacientes quando Motan anunciou-se rei e repleto de poderes que suas armas lhe conferiam.
- Estamos certos de seu poder, mas por pouco a simples luz nãos os consumiu, tornando-os simplesmente pó..., comentou um deles.
- Leve-me ao homem que sabe o segredo dessa luz! Eu a vi resplandecer na madrugada!, ordenou Motan altivo e seguro de sua missão.
- Antes disso deverá mostrar-se digno. Se aceitar as regras da ordem, poderemos levá-lo até ele, esclareceu um homem com características de um sírio.
Entre a cobiça e a indignação, Motan e seu séquito – ou o que restou dele – submeteram-se a vários trabalhos como buscar água, coletar frutos, caçar pequenos animais para o sustento coletivo, confeccionar jarros de barro e túnicas de lã. Semanas ou até meses transcorreram. A revolta e arrogância aos poucos deram espaço para certa mansidão e cultivo do silêncio.
A madrugada estava fria quando um dos monges despertou Motan para falar com o ermitão. Estava alumiado por uma fraca fogueira e parecia concentrado em si mesmo. Tentou apresentar-se, mas foi interrompido.
- Motan é seu nome. Rei de Grofon. Ladrão dos deuses. O homem mais poderoso sobre a terra.
O rei sorriu orgulhoso e aproximou-se sentando reverente em um banco esculpido na pedra.
- Aqui está para saber da luz. Vou contar-lhe a história de um anjo. Um anjo chamado Lúcifer. Lúcifer é o mais sábio, belo e poderoso. Um querubim, na verdade. Dizem que foi esculpido pelas próprias mãos do Criador a partir do fogo primevo que deu origem ao mundo. O primeiro filho de Deus. Relata-se que possui doze asas, o que significa que pode caminhar pelas doze dimensões do Universo. Este não é o único mundo, há muitos outros, paralelos a este. Portanto não acredite que qualquer divindade tenha criado este mundo como único e exclusivo. Há onze outros. Há canais que os unem. Haverá o tempo em que será possível transitar por toda essa criação. No centro deles é que o que chamamos de Empíreo, onde os deuses habitam.
Motan estava estupefato. Seria então o mais poderoso do mundo? Como dominar todas essas dimensões?
Lendo seus pensamentos o ermitão sorriu, quase em uma gargalhada. Ajeitou-se na pedra e estendeu as mãos para aquecer-se ao fogo. Motan tentou ver-lhe o rosto, mas não conseguiu em razão das sombras e do capuço.
- Há planetas desabitados e outros em que multidões o povoam das mais diferentes maneiras. Mas domine primeiro a si mesmo antes de buscar o universo ou apenas levará destruição e desordem contigo. Lúcifer, como disse, é a mais sábia e bela criatura já criada. É o Portador da Luz. Percebendo-lhe a sabedoria e vendo-o como igual a si mesmo, o enviou através dos canais que como disse, unem os mundos. Assim foi exilado para o que se chamou sheol, o mundo dos mortos, ou se preferir o mundo dos homens. Deixou a luz onde vivia para ser um anjo caído entre nós.
- E que conhecimento é esse, sábio ermitão, que ele foi encarregado de nos ensinar?, questionou Motan assombrado.
- Ocorre que seu exílio não foi amigável quanto parece. Ele indignou-se ao ver os homens mortais, dominados pela doença e com ciclos de existência tão curtos, assim como as árvores, o verme ou o elefante. Sua revolta o fez desafiar seu próprio Criador para que fosse entregue a imortalidade.
“Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”- Gênesis 2:17
- Ousando dar o fruto do conhecimento aos homens, Lúcifer destronava os poderes celestiais. “Se provardes do fruto do conhecimento vos tornarão deuses”, disse o Criador aos primeiros homens. E assim como Prometeu roubando o fogo dos deuses, Lúcifer buscava brilhar a luz do conhecimento sobre os homens. O conhecimento é desafiador, transformador e leva o homem a conquistas que não podem ser concebidas.
- Foi então que o Criador determinou que Miguel o expulsasse definitivamente para as trevas em que orbitam os universos. Você o viu resplandecer neste planeta. Isso ocorre em ciclos, sua aparição trás novos conhecimentos ao homem.
O ermitão chamou dois outros monges para que o auxiliassem, somente então Motan percebeu que era cego.
- Como posso acessar esse conhecimento?, indagou o rei apreensivo com a despedida do ancião.
- Para conhecê-lo terá que viver muitas eras. A ignorância tentará sempre fazer submergir a luz do conhecimento, em especial pelo temor ao Criador. O medo do exílio. O medo das trevas. O medo do sheol. De nada resolverão suas armas combatendo deuses e monstros ou dominando os elementos, combata a ignorância. Deixe sua luz brilhar. Você é o mais belo e sábio filho do Criador. Se provardes do fruto do conhecimento morrerás para as trevas de si mesmo.
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