Não demorou chegar o aviso de que homens se aproximavam. Eram mais de cem. Iam munidos de armas superiores aos tacapes, flechas e zarabatanas. Caminhavam devassando a selva e ceifando vidas, com o prazer único de matar. Seguiam movidos pela ambição do ouro, das pedras preciosas e se dirigiam para a aldeia Krenac, a tribo lendária que possuía tesouros muito mais preciosos.
Inácio Manoel, português, de gênio forte e alterado, liderava a caravana com mão de ferro. Treinara seus homens para que fossem cruéis, os sentimentos haviam sido extirpados durante os treinamentos, permitindo que homens, mulheres, velhos e crianças pudessem ser assassinados sem misericórdia. Incentivava-os na conquista de riquezas sem fim que os aguardavam. Aqueles povos primitivos, selvagens, não passavam de animais, que deviam ser eliminados, com o apoio e bênçãos da Santa Igreja.
Mediante a pressão e a proximidade dos homens de Inácio Manoel a organização e a paz local foi alterada. Inácio contava com um grupo de pessoas mal sucedidas que encontraram ali a oportunidade de conquistas que pudessem dar a elas dinheiro e renome. Um misto apurado de incapacidades pessoais, vaidades, frustrações, indecisões eram motores para que fossem facilmente conduzidos.
O conflito era inevitável. Aproximando-se da aldeia uma chacina foi iniciada, sob os clamores de todos louvando D. João III e a bandeira de Cristo. Gradualmente corpos se amontoavam. Quatro anciãs do grupo foram capturadas para que revelassem o local onde o tesouro estava escondido. Eram as detentoras de todo conhecimento. Foram duramente torturadas. A mais velha, pairando os cem anos, falou com as outras três e entendeu ser o momento de indicar-lhes o que possuíam e zelavam com tanto amor. A cobiça acendeu-se a todos. Um tesouro cujo valor era maior que o próprio ouro.
As anciãs mais uma vez se entreolharam. Sabiam que seria a última vez. O segredo de centenas de anos seria revelado. Apontaram para junto de uma árvore muito contorcida, escamosa e que denotava estar ali há séculos. Puseram a escavar na terra. Alguns homens as empurraram assumindo a função de desenterrar o fabuloso tesouro. Lentamente emergiram do solo três vasos de cerâmica ricamente adornados. Tendo os valiosos vasos em mãos imediatamente Inácio fez sinal que as mulheres fossem eliminadas.
Ansioso arrebentou o invólucro que mantinha a tampa presa ao vaso. Dentro do primeiro vaso, ornamentado com turquesas, encontrou um pergaminho contendo a inscrição:
tlaixtililistli
tlaxokamalkayotl
A curiosidade e ansiedade tomou conta de todos. Certamente as palavras unidas deveriam revelar o lugar de um tesouro ainda maior. O terceiro vaso vinha incrustrado com ametistas belamente polidas. Violentamente desfechou um golpe no terceiro vaso, desejando ardentemente conhecer o conteúdo. Outro pergaminho e outra inscrição:
tlasojtlalistli
Retornando a Lisboa Inácio presenteou o Rei com os pergaminhos. Os vasos ele já havia vendido por algumas moedas. Colocava-se a disposição para localizar o tesouro cujos pergaminhos anunciavam. Imediatamente o rei chamou seus mais competentes homens para que decifrassem o enigma dos Krenac. Entusiasmado pelas idéias de uma cidade revestida de ouro, determinou que apresentassem o significado daqueles escritos o mais breve possível.
Homens atravessaram madrugadas buscando encontrar um significado para as misteriosas palavras. Estavam desalentados e receosos de enfrentarem a fúria do Rei, quando um deles lembrou-se de uma anciã, que diziam possuir poderes mágicos e capaz de falar em qualquer língua, inclusive a língua dos animais. Era uma bruxa, poderosa e temida. Seu nome era Nanaime. Diziam ter mais de mil anos.
A aparência da mulher demonstrava claramente que o tempo a abandonara. Olhou inquieta os três pergaminhos, roçando suas unhas pontiagudas sobre as palavras. Falou-se consigo mesma várias vezes e disse conhecer o significado delas. A língua é dos seres da natureza e é muito antiga.
Inácio a ameaçou furiosamente para que revelasse o que constava ali, mas a bruxa pareceu não esboçar qualquer reação de medo, fitando-o friamente, ignorando seus gestos. A morte não era algo que temia.
- Sabe que posso matá-la !, reverberou impaciente.
- Sabe que posso morrer com o mistério aqui revelado...apenas direi o que elas falam a nosso Rei, o Piedoso.
Vendo-se acuado, Inácio providenciou uma audiência. A sós a mulher entrou no gabinete do Rei. Passou quase uma hora e ela retirou-se olhando fixamente para cada um. A revelação deveria custar sua proteção num momento em que a Inquisição prosperava.
Em sua sala o Rei olhava pela janela segurando firmemente os manuscritos. Em cada um deles havia um tesouro inigualável, realmente mais valioso que o ouro, diamantes ou qualquer outro bem material. O primeiro pergaminho trazia consigo a palavra RESPEITO, o segundo GRATIDÃO e o terceiro AMOR.
D. João abriu a bíblia, vacilante e inseguro. Gálatas enunciou: “...mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. “. Não foi possível conter as lágrimas. Mas já era tarde, muitas pessoas foram exterminadas para que ele se apropriasse do que há de maior, que somente o espírito poderá carregar onde quer que vá, sem o risco de que salteadores os levem. O tesouro dos Krenac revelava a superioridade daquele povo, já quase totalmente desaparecido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário