A poderosa Jaloux Mascobe estava em franca expansão. Voltada para tecnologias em informática gradualmente conquistava mais espaços, mais caminhos e oportunidades. Uma das filiais da empresa que mostrava seu potencial estava localizada em pequena cidade do interior de Mato Grosso, tornando-se referência regional e esgotando a tentativa dos competidores em superá-la. As conquistas estavam também relacionadas ao seu gerente, Alziro Freitas. Dinâmico, despojado e destemido não media esforços para que a empresa se evidenciasse em qualidade e ampliasse seus domínios por todo Estado. A dedicação e comprometimento de Alziro chamou a atenção do presidente da empresa levando a um convite para que ele participasse da implantação de outra filial a ser instalada em Keelung, uma cidade portuária em Taiwan. As negociações haviam avançado e Alziro apresentava o perfil que poderia dar a nova empresa a dimensão que necessitava. Bastava a concordância do gerente.
O convite bambeou as pernas de Alziro. Por instantes emudeceu sem perspectivas. Seria uma mudança radical. Deixaria um ambiente que conhecia e dominava para aventurar-se aos desafios de um novo país, nova cultura, língua, contatos, casa. Um recomeço inesperado, após tantos que vivera. Ao longo de sua vida percebeu que era conduzido por ciclos muito bem definidos levando-o a reiniciar periodicamente, embora em continuidade ao construído até então. Não conseguia fixar-se. Uma amiga dizia que era filho de Oxóssi, mas Alziro era uma pessoa que não conseguia ceder ao transcedental. Era prático, analítico e fruto de um materialismo-dialético que o convertera na faculdade. Não que fosse ateu, essa questão não entrava em suas reflexões. Talvez houvesse realmente uma força superior que conduzisse tudo, mas logo era contagiado por novas descobertas científicas que colocavam em cheque o mito da criação e se encantava com o Big Bang, buracos negros e universos paralelos. Apesar do impacto inicial avaliou a beleza do desafio. Embora indeciso e ainda preso às rotinas e projetos da filial em Mato Grosso, Taiwan o chamava de inúmeras maneiras.
Outro problema gerado por seu repentino deslocamento para aquela ilha asiática seria a definição de um novo gerente. Considerando as decisões inesperadas não havia alguém efetivamente preparado. Reuniões com a presidência levantaram vários nomes, buscando-se apontar um profissional que revelasse a competência e dinamismo de Alziro e mantivesse a “Mascobinha”, como era chamada internamente, no patamar que conquistara. Contudo, paralelamente às avaliações da equipe diretora da empresa, no âmago da filial olhos começaram a crescer com a possibilidade da gerência. Uma das mais interessadas chamava-se Belinda. Belinda, em teutônico, significa “bela serpente”. Por influência ou não do nome assim se revelava. Havia começado como operária no chão de fábrica. Ardilosamente, puxando um e outro tapete, começou sua escalada. Aos poucos aproximou-se da diretoria da empresa. Sempre hábil em manipular pessoas e fazer-se de vítima conquistava pessoas apelando pela comiseração. Certa de assumir a gerência iniciou seus contatos na ânsia de reformular a equipe apressou-se em realizar acordos e prometer cargos, buscando assim fortalecer a aceitação das pessoas.
Belinda era uma pessoa assídua, mas com pouca produtividade, capaz de executar algumas ordens, embora sem iniciativa, compromisso e liderança (maquiada por grupos de fofoca, as chamadas “panelinhas”). Com baixa auto-estima, insegura e frustrada, em especial, em razão de variados insucessos amorosos, muitas vezes garantia o mínimo de carinho e atenção através de inserção de novos funcionários na empresa com o preço de algumas horas de prazer. O fato era conhecido e produzia sentimentos contraditórios nas pessoas que oscilavam entre pena e compaixão. Tinha pouco domínio do trabalho, garantindo-se com a distribuição de tarefas entre outros empregados de seu setor. Vivia também indecisa com relação aos próprios sentimentos. No mural em sua sala conferiam-se passeios e fotos em barzinhos com a devotada e apaixonada amiga Braiana.
A bomba eclodiu quando a presidência da Jaloux Mascobe anunciou o novo gerente. O escolhido havia sido Teçá. Teçá atuava na administração da empresa, mas não ansiava ocupar lugares de mais destaque. Para ele não havia horário de trabalho, doando-se para o sucesso da empresa. Era atencioso e íntegro, características estas que mobilizaram os diretores a convidá-lo. Para Belinda a indicação caíra como um raio. Como se justificaria perante as pessoas que já havia estabelecido tantos acordos ? Assumiu a postura de vitima, traída e enganada. Técnicas que costumeiramente usava para manter as pessoas sob seu domínio doentio.
Hábil em destilar venenos e semear discórdias tratou de começar a lançar uma e outra pitada de maldade que percorria em sua veias, trazendo certa compensação para sua alma infeliz e mal-amada.
Dentre as pessoas que utilizava como fantoches estava Zelenka. Zelenka acreditava fielmente em Belinda e tornara-se sua guardiã, defensora tenaz e mensageira. Apenas não percebia que se expunha enquanto sua amiga se mantinha oculta, segura e protegida, muitas vezes comentando o quanto Zelenka era descontrolada e merecedora de desatenção pública.
A primeira ação de Teçá foi separar Belinda e Zelenka, transferindo a funcionária para outro departamento. Sem as regalias que possuía e na impossibilidade de estar ao lado da indefesa Belinda, revoltou-se ao máximo, aproveitando-se de toda e qualquer oportunidade para denegrir a imagem de Teçá.
Zelenka não vacilou passando a encaminhar emails e cartas a diferentes setores da empresa, anonimamente, buscando atingir o alvo, com estórias inventadas entrecortadas de verdade para gerar dúvidas, incertezas e quem sabe fazer a presidência voltar atrás e reconhecer Belinda como a futura gerente. Dentre as promessas de Belinda estava em Zelenka ocupar seu lugar na empresa.
A insistência de Zelenka gerou algumas instabilidades, sendo Teçá chamado à portas fechadas, várias vezes para esclarecer fatos. Enquanto isso Belinda, Zelenka e seu esposo, e Euclides – um funcionário de confiança de Belinda, reuniam-se em barzinhos para celebrarem e confidenciarem os próximos passos que constituiriam a derrota final de Teçá.
Aos poucos Teça desgastou-se. Estava decepcionado, magoado e surpreso, pois nos diálogos com a presidência foi possível identificar as fontes emissoras de tais ocorrências. Motivado pela equipe diretora persistiu.
O tempo rolou com uma ou outra injetada de veneno por parte de Belinda, sempre utilizando-se de subterfúgios, pois jamais “daria a cara para bater”, deveria preservar sua imagem de inocência diante da situação.
Certa tarde, Belinda procurou Teçá apavorada. Residia com a irmã e dois sobrinhos, um de dois e outro de cinco anos. Havia recebido uma ligação que fosse para o hospital pois o sobrinho mais novo havia sido internado com convulsões. Após alguns dias internado e não sendo identificada a causa o menino foi levado a óbito. Não haviam passado quinze dias quando o outro sobrinho foi atropelado e faleceu. Belinda começava entrar em desequilíbrio.
Sua irmã, Gorete, entrou em depressão, pensando diariamente em suicídio. O fato foi agravado com o marido ficar desempregado. Belinda receava que o telefone tocasse informando que a irmã tivesse posto termo a sua vida. Emagrecia a olhos vistos. Tonturas, vômitos e fortes dores de cabeça, antes interpretadas como ansiedade e tensão diante do que passara agora a levava ao médico.
A força destrutiva havia atingido também Zelenka. Um acidente automobilístico a conduziu para a UTI. A colisão danificara sua coluna. Estava paraplégica.
Teçá adentrou sua casa já tarde da noite. Deixou a maleta sobre o sofá e descalço desceu ao quintal onde podia-se ver um poço, uma grande jaqueira e uma cabana de sapé. Na cabana percebia-se um grande pote de barro, lanças de ferro e um boneco de barro imantado com sangue, penas e pelos de animais. Ali ajoelhou-se e reverenciou a entidade representada e cultuada. Arrancou da imagem de barro uma faca pontiaguda onde em sua ponta fulguravam as fotos de Belinda e Zelenka. Estavam dominadas. Sorriu relembrando sua visita a cada uma delas desejando saúde e paz. A paz viria brevemente, pois o silêncio das sepulturas iria aliviá-las, mas a saúde se extinguiria dia-a-dia.
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