A mata resplandecia num intenso verde, após as chuvas providenciais que a renovavam periodicamente. Sua beleza era intensificada pelos diferentes cantos de pássaros e pelos ruídos dos macacos prego, abundantes ali. Um urubu-rei passa voando leve e soberano deixando cair uma pena, imediatamente colhida no ar por Eusébia. A mulher chegava ao distante sertão de Araraquara, em terras doadas pelas mãos do próprio Imperador. Com ela deus cinco filhos: Luís Henrique, Vanderlei, Ivany, Manoela e Eusébio, o menor, ainda de colo. Viera sozinha, com seus filhos, e nunca falaria sobre o marido.
Alojou-se à beira de um riacho, construindo uma pequena casa de madeira. Em nada temia o trabalho da roça, cortando lenha, capinando e cultivando o que era importante para a subsistência da família. Havia aceitado o desafio de encarar aquele lugar distante, afastado, onde apenas uns poucos tropeiros um dia haviam atravessado. Aos poucos adaptou-se, criou porcos, plantou milho. Todas as tardes rendia-se em oração agradecendo o que possuía, em especial a Santa Bárbara, santa de sua inquestionável devoção.
Os filhos cresciam harmonizados com a natureza, sabendo identificar se o tempo prometia trazer chuva, frio ou estiagem. Os sons da floresta trazia mensagens. Eusébia buscava criar os irmãos para viverem juntos, colaborarem uns com os outros, seriam unidos e nunca se separarem. Mantinha a família com mão de ferro, com regras rígidas e inflexíveis, punindo ferozmente os que ousassem descumpri-las.
Apesar da onipresença de Eusébia na vida dos filhos, naturalmente eram diferentes. Luís Henrique era o mais velho, sempre pronto, madrugando para os serviços do campo, altamente submisso à mãe, atendendo-a com agilidade e sem questionamentos, por mais difícil que fosse a tarefa. Já Vanderlei, embora obediente, tinha um lado mais sonolento, vadio, que acabava por se aproveitar do irmão mais velho, quando lhe convinha. Eusébio ainda crescia, deixando florescer sua personalidade gradativamente. Eusébia parecia ser mais condescendente com ele, evitando serviços mais pesados. Os demais desde crianças já desenvolviam algumas atividades permitidas pela idade.
Ivany e Manoela eram já donas de casa, cozinhando lavando e passando com ferro de brasa. Engomando as roupas e seguindo os passos da mãe. Ivany mais acanhada, reservada, vivendo um mundo desconhecido de todos e oculto em seu silêncio. Manoela, ao contrário, era faladeira, até demais, levando periodicamente tapas na boca por falar o que não devia ou duvidar dos poderes divinos.
Na vila próxima dali, há três quilômetros, Eusébia já era assunto das vizinhas debruçadas nas cercas que dividiam seus quintais. A temiam e reverenciavam, apesar dos protestos do Cônego Lafayete anunciando que deveriam temer exclusivamente a Deus. Tais manifestações duraram até adoecer. Estendido pálido na cama, as senhoras insistiam que ele autorizasse chamar Eusébia, mas ele persistia dizendo que preferia morrer a recebê-la. E morreu duas semanas depois, sendo substituído pelo Padre Eurico, uma pouco mais maleável quanto às crenças populares.
Certos de que Eusébia havia matado o cônego, ficou ainda mais conhecida e as beatas se benziam ao ouvir o nome dela e recusavam-se a pronunciar o nome dela, preferindo dizer “a Senhora do Ribeirão dos Porcos”, tendo-se em vista os animais que Eusébia criava à beira do riacho.
Eventualmente alguém aparecia para ser benzido por Eusébia. Algumas vezes pessoas visivelmente desesperadas e que saíam aliviadas da sala de chão batido da casa muito simples da senhora. Não cobrava nada, não recebia nada em troca e repreendia severamente quem insistia. Não fazia questão de ser agradável, benzia e despachava quem a procurava apenas dizendo “Vá em paz, Santa Bárbara vai te cuidar”.
Um dia Eusébia entrou na mata e não voltou mais. Os filhos a procuraram por dias. Passaram meses. Os filhos estavam desolados, mas decidiram enfrentar a vida tal qual a mãe havia os ensinado.
Ivany era a encarregada de fazer compras na vila, no armazém do Seu Samir. Foi lá que enamorou-se de Kalil, belo moço de cabelos negros e olhos profundos. Aos finais da tarde sentava-se aos pés da mangueira e sonhava com seu príncipe. Termia revelar tais secretos desejos, pois sua mãe ordenara que permanecessem juntos. Os encontros no armazém, a educação, carinho, solicitude de Kalil a desmanchavam qual manteiga ao sol. Não demorou para que o moço aparecesse de trás da mangueira e foi lá que o primeiro beijo fora roubado, apesar do coração tentar saltar garganta a fora e surtar num impiedoso desmaio, ficando desfalecida entre as folhas secas e acudida pela desesperada Manoela.
Mas o destino parecia não corresponder às expectativas de Eusébia. Ivany aos poucos rendeu-se aos apelos de Kalil, Vanderlei conheceu Ivete, Manoela interessou-se por Abdol, primo do cunhado. Na velha casa à beira do Ribeirão dos Porcos permaneceram Luís Henrique e Eusébio. Luís Henrique buscou ser fiel aos ensinamentos da mãe, mas acabou cedendo aos encantos de Belô. Juntos passaram a habitar a herança de Eusébia, ao lado de Eusébio, já adolescente.
A vida percorria o curso normal da vida das pessoas que casam, trabalham, sustentam os filhos e nesse burburinho são absorvidas no cotidiano dos dias.
Abdol gradativamente foi mostrando-se violento. Agressivo com os filhos, apesar de pequenos, Ercília e Clarice. Em uma discussão em que Abdol quebrou uma louça que Manoela amava e avançou para espancá-la, sem razões explícitas para isso, teve sua mão segura no ar, com a materialização de Eusébia empurrando-o e desaparecendo. Atordoado, como que fortemente golpeado, Abdol saiu numa estrondosa batida na porta. Manoela sentou-se, trêmula, seja pela ameaça do marido, seja pela aparição repentina da mãe.
Correu para contar o ocorrido para Ivany, que com lágrimas nos olhos, narrou que a mãe já havia lhe aparecido várias vezes em sonho.
Abdol entregou-se à bebida e para manter a casa Manoela passou a trabalhar em casa de família como doméstica. Ercília havia ficado responsável em levar ao pai o almoço em uma marmita. Com o passar do tempo a menina resistia em fazê-lo, chorava, fingia estar doente e somente cumpria sua tarefa após apanhar vigorosamente. Até que um dia não suportando mais o peso do que sofria narrou para a mãe os abusos do pai. Desolada Manoela pegou as filhas e rumou para sua antiga casa, à beira do riacho. Aproveitaria para fugir do abominável marido e cuidar de Belô que estava gravemente enferma.
Belô veio a falecer com dores indescritíveis. Belô e Luís Henrique não tiveram filhos. Apesar da maneira desastrosa, o acontecido trazia alento ao pobre homem, agora viúvo.
Ivany, por sua vez, notava cada vez mais o silêncio de Kalil, com ar depressivo caminhando pela casa, despertando insone pela madrugada. Badí e Basir, seus filhos sentiam a ausência do pai, antes alegre e brincalhão. Algumas vezes era surpreendido chorando, mas não revelava o que acontecia, deixando a esposa desesperada. O sofrimento explodiu quando Ivany o encontrou enforcado na cozinha. Na mesa, apenas um bilhete “perdoe-me querida Ivany, procure o Dr. Fouad, te amarei sempre.”
O médico lhe trouxe outra informação bombástica. Kalil havia se apaixonado por uma moça sem posses, muito pobre, e com ela tivera um filho. Pediu que nunca fosse revelado o nome da mulher, mas o filho havia sido deixado sem família na maternidade. Milhares de sentimentos povoaram Ivany, da pena ao ódio, do carinho ao desprezo. Queria conhecer a fulana.
Não foi difícil chegar até a moça, muito simples de nome Nádia. Pensou em esbofeteá-la, cortar-lhe o pescoço e lançar o corpo aos cães, mas apiedou-se ao ver a casa, o lugar em que morava, ela já sofria o suficiente. Em prantos dirigiu-se ao hospital. Lá conheceu o bibelô das freiras: o menino que chamavam de Victor. Se era filho de Kalil era seu também. Acolheu-o.
A casa lhe transmitia toda dor de um amor que havia sido lindo por incontáveis anos. Arrumou as malas e retornou à casa de Eusébia. A grande casa os acomodaria com tranqüilidade. Por outro lado, a herança de Kalil permitiria realizar muitas melhorias na fazenda, permitindo uma vida confortável aos filhos.
A vida de Vanderlei também sofreria revezes e que o levariam de volta para a casa de sua mãe. Estava no trabalho na serralheria quando a voz de Eusébia ressoou forte em seus ouvidos chamando-o. Por várias vezes.
- Vá agora para casa, estou mandando!, a voz da mãe era clara, determinada e dura como sempre fora.
Na vila próxima dali, há três quilômetros, Eusébia já era assunto das vizinhas debruçadas nas cercas que dividiam seus quintais. A temiam e reverenciavam, apesar dos protestos do Cônego Lafayete anunciando que deveriam temer exclusivamente a Deus. Tais manifestações duraram até adoecer. Estendido pálido na cama, as senhoras insistiam que ele autorizasse chamar Eusébia, mas ele persistia dizendo que preferia morrer a recebê-la. E morreu duas semanas depois, sendo substituído pelo Padre Eurico, uma pouco mais maleável quanto às crenças populares.
Certos de que Eusébia havia matado o cônego, ficou ainda mais conhecida e as beatas se benziam ao ouvir o nome dela e recusavam-se a pronunciar o nome dela, preferindo dizer “a Senhora do Ribeirão dos Porcos”, tendo-se em vista os animais que Eusébia criava à beira do riacho.
Eventualmente alguém aparecia para ser benzido por Eusébia. Algumas vezes pessoas visivelmente desesperadas e que saíam aliviadas da sala de chão batido da casa muito simples da senhora. Não cobrava nada, não recebia nada em troca e repreendia severamente quem insistia. Não fazia questão de ser agradável, benzia e despachava quem a procurava apenas dizendo “Vá em paz, Santa Bárbara vai te cuidar”.
Um dia Eusébia entrou na mata e não voltou mais. Os filhos a procuraram por dias. Passaram meses. Os filhos estavam desolados, mas decidiram enfrentar a vida tal qual a mãe havia os ensinado.
Ivany era a encarregada de fazer compras na vila, no armazém do Seu Samir. Foi lá que enamorou-se de Kalil, belo moço de cabelos negros e olhos profundos. Aos finais da tarde sentava-se aos pés da mangueira e sonhava com seu príncipe. Termia revelar tais secretos desejos, pois sua mãe ordenara que permanecessem juntos. Os encontros no armazém, a educação, carinho, solicitude de Kalil a desmanchavam qual manteiga ao sol. Não demorou para que o moço aparecesse de trás da mangueira e foi lá que o primeiro beijo fora roubado, apesar do coração tentar saltar garganta a fora e surtar num impiedoso desmaio, ficando desfalecida entre as folhas secas e acudida pela desesperada Manoela.
Mas o destino parecia não corresponder às expectativas de Eusébia. Ivany aos poucos rendeu-se aos apelos de Kalil, Vanderlei conheceu Ivete, Manoela interessou-se por Abdol, primo do cunhado. Na velha casa à beira do Ribeirão dos Porcos permaneceram Luís Henrique e Eusébio. Luís Henrique buscou ser fiel aos ensinamentos da mãe, mas acabou cedendo aos encantos de Belô. Juntos passaram a habitar a herança de Eusébia, ao lado de Eusébio, já adolescente.
A vida percorria o curso normal da vida das pessoas que casam, trabalham, sustentam os filhos e nesse burburinho são absorvidas no cotidiano dos dias.
Abdol gradativamente foi mostrando-se violento. Agressivo com os filhos, apesar de pequenos, Ercília e Clarice. Em uma discussão em que Abdol quebrou uma louça que Manoela amava e avançou para espancá-la, sem razões explícitas para isso, teve sua mão segura no ar, com a materialização de Eusébia empurrando-o e desaparecendo. Atordoado, como que fortemente golpeado, Abdol saiu numa estrondosa batida na porta. Manoela sentou-se, trêmula, seja pela ameaça do marido, seja pela aparição repentina da mãe.
Correu para contar o ocorrido para Ivany, que com lágrimas nos olhos, narrou que a mãe já havia lhe aparecido várias vezes em sonho.
Abdol entregou-se à bebida e para manter a casa Manoela passou a trabalhar em casa de família como doméstica. Ercília havia ficado responsável em levar ao pai o almoço em uma marmita. Com o passar do tempo a menina resistia em fazê-lo, chorava, fingia estar doente e somente cumpria sua tarefa após apanhar vigorosamente. Até que um dia não suportando mais o peso do que sofria narrou para a mãe os abusos do pai. Desolada Manoela pegou as filhas e rumou para sua antiga casa, à beira do riacho. Aproveitaria para fugir do abominável marido e cuidar de Belô que estava gravemente enferma.
Belô veio a falecer com dores indescritíveis. Belô e Luís Henrique não tiveram filhos. Apesar da maneira desastrosa, o acontecido trazia alento ao pobre homem, agora viúvo.
Ivany, por sua vez, notava cada vez mais o silêncio de Kalil, com ar depressivo caminhando pela casa, despertando insone pela madrugada. Badí e Basir, seus filhos sentiam a ausência do pai, antes alegre e brincalhão. Algumas vezes era surpreendido chorando, mas não revelava o que acontecia, deixando a esposa desesperada. O sofrimento explodiu quando Ivany o encontrou enforcado na cozinha. Na mesa, apenas um bilhete “perdoe-me querida Ivany, procure o Dr. Fouad, te amarei sempre.”
O médico lhe trouxe outra informação bombástica. Kalil havia se apaixonado por uma moça sem posses, muito pobre, e com ela tivera um filho. Pediu que nunca fosse revelado o nome da mulher, mas o filho havia sido deixado sem família na maternidade. Milhares de sentimentos povoaram Ivany, da pena ao ódio, do carinho ao desprezo. Queria conhecer a fulana.
Não foi difícil chegar até a moça, muito simples de nome Nádia. Pensou em esbofeteá-la, cortar-lhe o pescoço e lançar o corpo aos cães, mas apiedou-se ao ver a casa, o lugar em que morava, ela já sofria o suficiente. Em prantos dirigiu-se ao hospital. Lá conheceu o bibelô das freiras: o menino que chamavam de Victor. Se era filho de Kalil era seu também. Acolheu-o.
A casa lhe transmitia toda dor de um amor que havia sido lindo por incontáveis anos. Arrumou as malas e retornou à casa de Eusébia. A grande casa os acomodaria com tranqüilidade. Por outro lado, a herança de Kalil permitiria realizar muitas melhorias na fazenda, permitindo uma vida confortável aos filhos.
A vida de Vanderlei também sofreria revezes e que o levariam de volta para a casa de sua mãe. Estava no trabalho na serralheria quando a voz de Eusébia ressoou forte em seus ouvidos chamando-o. Por várias vezes.
- Vá agora para casa, estou mandando!, a voz da mãe era clara, determinada e dura como sempre fora.
Automaticamente levantou-se e foi para casa. Surpreendeu a esposa na cama com Waldemar, o barbeiro. Espancou-o com a fúria de um homem traído. Foi a cozinha pegar uma faca enquanto o barbeiro fugia semi-nu. Colocou a faca no pescoço de Ivete, perguntando “por que”, entre palavrões e ameaças. Lançou-a para fora de casa, jogando as roupas pela calçada, assistido pelo grande público da vizinhança. Sozinho chorou, consolado pela filha Izildinha que se mantinha trancada no quarto até que a mãe ordenasse que saísse.
Contendo o sofrimento e recuperando-se de outra dor que a vida lhe concedeu, meses após, surpreendeu-se com gritos na rua. Izildinha havia sido atropelada. Estava ensangüentada na rua, já morta. De súbito, surge em sua mente a figura de Eusébia “vocês devem permanecer juntos”.
Os irmãos se reuniam na velha casa com as crianças. Relembrando a mãe, Ivany começava a benzer. Sempre o fazia, porém apenas para os filhos e sobrinhos, mas agora queria beneficiar outras pessoas. Os homens decidiram, juntos, cuidar da fazenda. Manoela com as crianças cuidavam da casa.
Eusébio mantinha sua vida serena, quieta, calada, conversando com o velho riacho, o Ribeirão dos Porcos, que nunca deixara. Sabia o que sua mãe determinara e não seria ele a enfrentar uma ordem dela. Em frente à casa, no tosco banco de madeira, Eusébia observava o movimento dos filhos, rindo, conversando...como antes.
Contendo o sofrimento e recuperando-se de outra dor que a vida lhe concedeu, meses após, surpreendeu-se com gritos na rua. Izildinha havia sido atropelada. Estava ensangüentada na rua, já morta. De súbito, surge em sua mente a figura de Eusébia “vocês devem permanecer juntos”.
Os irmãos se reuniam na velha casa com as crianças. Relembrando a mãe, Ivany começava a benzer. Sempre o fazia, porém apenas para os filhos e sobrinhos, mas agora queria beneficiar outras pessoas. Os homens decidiram, juntos, cuidar da fazenda. Manoela com as crianças cuidavam da casa.
Eusébio mantinha sua vida serena, quieta, calada, conversando com o velho riacho, o Ribeirão dos Porcos, que nunca deixara. Sabia o que sua mãe determinara e não seria ele a enfrentar uma ordem dela. Em frente à casa, no tosco banco de madeira, Eusébia observava o movimento dos filhos, rindo, conversando...como antes.
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