Vor 2 Monaten with 83 Anmerkungen
- Prometa-me, Renê, que você se casará com Alcídio, não importando os obstáculos que venha enfrentar..., recomendou Iracy com a voz exausta e debilitada, segurando fortemente nas mãos da moça ensopada de lágrimas.
Iracy era a respeitada matriarca naquele vilarejo, conhecia a todos, praticamente criara a cada um. Agora seu tempo expirava e, com suas últimas forças, procurava garantir o que acreditava ser o melhor. Quase secular entendia ter tido experiências suficientes para poder interferir na vida de cada morador, repreendê-los quando necessário, acolhê-los nos momentos mais difíceis. A própria Renê era prova disso.
A velha senhora a encontrara quase moribunda em uma casinha socada aos pés do morro, perto de um brejo que haviam denominado “Cachorro Deitado”. Após a morte dos pais, Renê lutava para sobreviver correndo pelos campos atrás de serralha, caruru, beldroega e alguns frutos que pudesse coletar para saciar a fome. Estava magra, com olheiras profundas, mal podia caminhar com as próprias pernas. Iracy a carregou. Matou uma galinha, preparou-lhe uma canja e a adotou. Agora, Renê a auxiliava nos serviços domésticos. “Dona Iracy é uma santa !”, sempre resmungava a todos, com olhar contemplativo e um sorriso que entremeava a alegria e a tristeza.
O sofrimento preservara em Renê o corpo fino, esguio, em que as roupas dançavam soltas por mais que as apertasse. Cabelos castanhos claros, olhos redondos e queixo quadrado davam a ela um perfil pouco comum. Já Alcídio era um homem da roça, com um corpo bem talhado pelo serviço pesado e uma descoberta para qualquer agência de modelos. Porém, não tinha consciência de sua beleza. Acordava de madrugada e retornava para casa ao anoitecer, após duro trabalho de lavrador. Mãos calejadas, roupas quase sempre sujas e pouco asseio pessoal, contrastavam com seus cabelos louros, olhos verdes e um belo sorriso.
O jovem era enamorado de Eulina, pessoa que Iracy detestava, considerando-a pessoa de má índole, mulher de beira de estrada como a chamava. Eulina era dona de um corpo apetitoso e que enchia os olhos de Alcídio, rapaz com os hormônios à flor da pele. A moça era cheia de trejeitos, o olhar pidão, a maneira de mexer nos cabelos, a forma chorosa e meio cantada de conversar. Tinha bem mais volume que Renê.
Passados dias decorridos após o féretro de Iracy, Renê guardava dentro de si sua promessa. Sentia amar Alcídio, mas como faria para que ele a notasse? Sentia-se um lixo quando Eulina se aproximava, com seus perfumes, seus vestidos floridos e cheios de cores, o rebolado ao andar. Via o sorriso de Alcídio, os olhares que ele dava para os peitos dela e que ela fazia questão de evidenciar.
Renê não sabia, contudo, que as noites do rapaz não estavam sendo fáceis. Embora dormisse pensando em Eulina, muitas vezes após masturbar-se, sonhava que estava se casando com Renê e Iracy era a madrinha. A visão respeitosa que todos tinham da matriarca o consumia. Seria esse o desejo da senhora? Pensava, então, em Renê, esquálida, sem graça, sem atrativos ao lado da exuberante Eulina.
Apesar dos insistentes sonhos aproximou-se de Eulina e ela não se fez de rogada. Começaram namorar. Bem mais que isso ! Estava bastante satisfeita com o insaciável rapaz, porém não era mulher de um homem só. Caminhava sempre antenada, atenta aos homens ao seu redor, na verdade, buscava alguém abastado, alguém que pudesse lhe dar uma boa vida. Não queria morrer naquele bairro, que só nome já a denunciava “Estica Teta”. O “Estica Teta” era um bairro onde residiam as mulheres da vida. Queria sair dali, ser madame.
Os amigos que buscavam alertar Alcídio entravam em sua lista negra, algumas vezes violentamente. Aos poucos desistiram de avisá-lo sobre quem era Eulina e deixaram que ele descobrisse por si mesmo, mesmo que tardiamente. Havia se tornado motivo de chacota entre os amigos. Estava bobo e apaixonado, inacreditavelmente não enxergava o que acontecia. Eulina vivia disponível para quem quisesse. Renê sofria vendo a cegueira do seu amor.
Mais do que isso, Eulina consumia as suadas moedas que Alcídio conquistava em seu difícil trabalho. Mas o moço queria se casar com ela. Casaram-se. Foram morar no “Água Espraiada”. Um bairro simples, mas onde Alcídio montou sua casa. Vieram os filhos. Primeiro, Antenor, e depois Flávio. Apesar dos filhos, Eulina encontrava-se furtivamente com Laércio, um policial; Décio, um motorista de ônibus; Carlão, um negro taludo e que era mecânico. Diante de alguns espasmos de ciúmes de Alcídio, Eulina o censurava, chorava, ameaçava ir embora diante das desconfianças do marido.Ele, então se aquietava, o medo de perdê-la se sobrepunha a possibilidade de compartilhá-la.
Renê o aguardou por muito tempo, mas cedeu aos apelos de Alfredo. Com Alfredo teve Isabel, Iracy e Walter. Alfredo morreu cedo. Infarto fulminante. Renê cuidou das crianças, labutou, mas ficara bem de vida com o casamento.
Um dia o vilarejo entrou em polvorosa. Haviam encontrado o corpo de Eulina esfaqueado no Morro do Cruzeiro. Alcídio estava desconsolado e prometia vingança. Na verdade, o caso seria abafado, pois o assassino havia sido Laércio e a havia matado para escapar das constantes ameaças de Eulina. A mulher prometia contar para sua esposa que tinham um caso e somente ficaria calada em troca de alta soma em dinheiro. Laércio prometera entregar-lhe o dinheiro no Morro e lá a liquidou.
Foi assim que Renê se aproximou de Alcídio. Alguns meses e Renê já cuidava das roupas dele e dos filhos, fazia almoço e jantar...assumiu a posição de Rainha daquele Lar.
A primeira vez entre eles demorou bastante tempo. Renê enrubescia, disfarçava, fugia, tremia-se toda diante das investidas calorosas de Alcídio. Até que desmanchou-se quando ele a pegou por trás enquanto passava roupas. Pela janela Iracy comandava a torcida abraçada a Flávio e Antenor agarrado a Isabel. Walter olhava enciumado tanto para a mãe quanto para Antenor. Sentia algo estranho quando o novo irmão se aproximava. Passava um bom tempo olhando-o enquanto dormia, ao irem banhar-se na cachoeira, geralmente plenamente despidos.
A união das duas famílias fazia-lhe bem e mal. Queria estar junto de Antenor, mas procurava disfarçar completamente o que sentia, embora não o soubesse claramente.
A grande prova foi quando Antenor após nadar no rio estirou-se nu na grama. Naquele momento soube o queria, mas não ousou arriscar-se. Decidiu que iria embora. Fugiu de casa. Procurou o trem e avançou para a cidade grande. Construiria sua própria vida e não arriscaria destruir a vida de seus pais e irmãos.
Naquela noite, Antenor refugiou-se atrás da imensa jaqueira que ladeava a casa para chorar. Sentia algo estranho por Walter, queria ir atrás dele, procurá-lo, ver o que iria acontecer, mas não tinha coragem para isso.
Renê visitou o túmulo de Iracy com um ramalhete de flores de papagaio e samambaias. Acendeu uma vela e rezou. Ganhara Alcídio e perdera Walter, provavelmente pelo filho não aceitar a união. Pediu que Iracy o protegesse, assim como protegia a todo vilarejo, afinal Walter era filho daquele lugar.
A vida no vilarejo prosseguia em seu ritmo pacato e monótono, enquanto Walter trabalhava numa fábrica de implementos agrícolas na capital. Possivelmente nunca mais se encontrariam, apenas uma foto de Walter e Antenor abraçados na beira do lago, rindo, um sorriso eternizado na memória de ambos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário