“Mulher elegante que tem jóias de cobre maciço
É uma cliente dos mercadores de cobre
Oxum limpa suas jóias de cobre antes de limpar seus filhos”
Saudação Yorubá a Oxum
Orixás – Pierre Fatumbi Verger
Eventualmente lançamos em nosso blog alguma data comemorativa, entre tantas, seja por seu significado, seja por sua irrelevância a considerar o dia do bacon, o dia do teclado, entre outras que, perdoem-me aqueles que a cultivam, foram criadas para que? Mas, teoricamente, vivemos em um país democrático, onde prolifera a liberdade de expressão e onde não existem diferenças. Concordam? Certamente não. Cada pessoa tem uma estória para contar sobre cenas explícitas ou não de discriminação, preconceito, rejeição, descaso, a tão comentada exclusão. E há muitas maneiras legais de manter seus conceitos, muitas vezes fundamentados por uma douta ignorância que paradoxalmente insistimos cultivar.
Estamos na chamada Era do Conhecimento e, realmente, a tecnologia atinge a níveis inconcebíveis, enquanto o ser humano ainda anseia pela chegada da Era do Auto-Conhecimento o que dispensará esse número extraordinário de leis que tentam desesperadamente assegurar direitos de ser humano a todas as pessoas independentemente de suas crenças, hábitos, religiões, manifestação de sua sexualidade e de suas raças em especial a cor da pele. Embora sejam louváveis as leis que buscam refrear os abusos, denota-se claramente que vivenciamos uma sociedade doente. Uma sociedade que, por não priorizar a Educação, necessita de legislações inúmeras que cerceiem os excessos e garantam os direitos. Por outro lado, como refletia nossa querida e sábia Rosa Luxemburgo “quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Faz-se importante manifestar-se, exigir reconhecimento, valor em ser humano. Daí a importância da data de hoje: 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. Embora minha pele não denuncie meus antepassados desfilam quase todos de origem indígena e africana.
Uma data que, com certeza, não deve resumir-se a cartazes e recitais, é uma data de reflexão e de ação. O negro ainda ocupa espaços restritos, vez ou outra quebrando o cerco, sutil, pouco transparente, aparentemente amistoso e democrático.
Vinte de Novembro nos trás a memória grandes lideranças a começar por Zumbi dos Palmares ou antes dele, Acotilene (ou Aqualtune), e Ganga-Zumba. Relembramos Abdias do Nascimento, lembramos de Mãe Menininha do Gantois, de Mãe Stella e de Pai Agenor. Mãe Menininha trouxe para as revistas e televisão o respeito do Candomblé, respeitada e querida, um nome consagrado e imortalizado para todos os tempos. Maria Escolástica da Conceição Nazaré. Oxum na terra. Mas não é possível hoje, falar do negro sem falar de Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de Oxóssi, Odé Kayodê. O que uma pessoa pode construir? Mãe Stella se imortaliza por suas obras. É Oxóssi na terra. Cada cidade deve, neste momento estar refletindo sobre nomes mais particulares, pessoas que deixaram a si para lutar por uma coletividade, ou ainda uniram sua individualidade ao coletivo.
O que é o brasileiro sem as raízes africanas: da linguagem aos pratos mais saborosos, a fé nos orixás, nos voduns, nos inkices. Milhares de pessoas reúnem-se a beira-mar no réveillon para saudar a grande mãe Iemanjá, nossa mãe africana, embora talhada de pele alva e longos e reluzentes cabelos negros. Quantas crenças, quantos hábitos foram inseridos no cotidiano de maneira que tão integrado nem imaginamos que partiu da África desde 1594 com primeiros negros aportando por estas terras. Mas negro não é apenas manifestações culturais é a força da resistência, materializada nos candomblés.
Vinte de Novembro também se celebra Mawu, que criou a terra, os seres vivos e engendrou os voduns. Nos Candomblés, Xangôs e Batuques os deuses dançam e isso é magnífico! A beleza, a seriedade e ancestralidade de uma religião que deve ser respeitada.
Há uma música muito bonita intitulada “É d´Oxum”, de Gerônimo, lembro-me dela cantada por Caetano, quase um hino e acredito que ela se faz brilhar em cada cidade brasileira:
Nessa cidade todo mundo é d'Oxum
Homem, menino, menina, mulher
Toda gente irradia magia
Presente na água doce
Presente na água salgada
Presente na água doce
Presente na água salgada
Homem, menino, menina, mulher
Toda gente irradia magia
Presente na água doce
Presente na água salgada
Presente na água doce
Presente na água salgada
E toda cidade brilha
Seja tenente ou filho de pescador
Ou importante desembargador
Se der presente é tudo uma coisa só
A força que mora n'água
Não faz distinção de cor
E toda cidade é d'Oxum
É d'Oxum
É d'Oxum
Eu vou navegar
Eu vou navegar nas ondas do mar.
Seja tenente ou filho de pescador
Ou importante desembargador
Se der presente é tudo uma coisa só
A força que mora n'água
Não faz distinção de cor
E toda cidade é d'Oxum
É d'Oxum
É d'Oxum
Eu vou navegar
Eu vou navegar nas ondas do mar.
“É tudo uma coisa só”. Quando abordamos a Era do Auto-Conhecimento é justamente por acreditarmos nesse despertar da consciência. Sentimos as mesmas dores, cultivamos anseios similares, construímos nossos pensamentos através dos mesmos mecanismos, o sangue corre o mesmo em todas as veias, seja um ou vários deuses todos buscamos a paz, a felicidade, o bem estar, a saúde, a longevidade. Urge reconhecermos, no mínimo o ser humano. Digo, no mínimo, por que o respeito deve estender a todos os seres, todos sentem, todos vivem, todos querem viver.
Acredito que 20 de novembro não é apenas um grito que ressoa dos recônditos lá de Alagoas com nzumbe, o fantasma negro que, apesar de aparentemente ter sido liquidado, ressurgiu qual fênix para salvar não apenas seu povo, mas toda gente. É grito mudo e, muitas vezes silencioso, de alguém que se impõe por sua competência, alicerçada por suas raízes e alimentada por sua inquebrantável força.
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