As relações estão sendo alteradas. Em especial aqueles que moram ou moraram em qualquer cidade do interior devem se lembrar das calçadas repletas de cadeiras no início da noite em que os vizinhos se reuniam para um bate-papo e as crianças faziam a algazarra em jogos de queimada, pique, esconde-esconde, pega-pega, cabra-cega, entre outras tantas. Nem todas as casas tinham televisão. Em alguns lugares os que a tinham acolhiam as pessoas para assistir as novelas como “Antonio Maria”, “As pupilas do Senhor Reitor”, com Agnaldo Rayol, entre tantas que basta puxar pela memória e elas desfilarão majestosas e saudosas para muita gente.
A televisão sem sombra de dúvida retirou muita gente das calçadas, inclusive as crianças, pois surgiram também programações exclusivamente infantis. Mas não apenas o desenvolvimento tecnológico trouxe esta mudança. As cidades cresceram. A violência revelada por assaltos, seqüestros e o receio passou a concentrar as pessoas mais dentro de suas casas, por segurança: uma de nossas grandes preocupações conforme podemos visualizar na pirâmide de Maslow.
A tecnologia avançava, contudo, trazendo outro instrumento revolucionário: o computador. Gigantesco a princípio, leve e interativo hoje, é impossível imaginarmos o que estará acontecendo amanhã, com tantas outras possibilidades antes se quer concebidas, sonhadas e digamos até refutadas. A tecnologia desafia o impossível. Por outro lado, revolucionou hábitos e necessidades impondo-se de maneira tal que hoje caminhamos pelas ruas esbarrando em pessoas distraídas conversando em seus celulares e seja no trabalho, seja no interior de suas residências encontram-se postadas diante da tela do computador. Enviamos email para nos comunicar com o colega ao lado e passamos a gravitar em torno de jogos, chats, grupos e redes sociais que se estabeleceram gerando novas relações entre as pessoas.
A vizinha debruçada no muro falando com a outra está se tornando raridade. Muito mais fácil estarem no MSN, facebook ou outra rede de relacionamentos trocando opiniões e lendo o que os outros postam. Algumas pesquisas já apontam para um novo problema: a dependência do computador e da internet. Apontam-se, inclusive transtornos psiquiátricos em decorrência da dependência de jogos eletrônicos, a partir de estudos de neuroimagem e eletrofisiologia, produzindo prejuízos significativos na vida acadêmica, profissional, social e familiar. Por outro lado, outros tantos enriquecem do dia para a noite através de idéias criativas utilizando essas novas tecnologias, gerando outras ou ainda explorando-a através de canais inovadores. Leva-se o cotidiano para as telas do computador e ali ele se materializa criando relações virtuais que antes aconteciam nas calçadas ou nas cercas de bambu que dividiam as casas.
Evidentemente as relações dentro da sala de aula também se alteram e não há como declarar guerra a tudo isso, pois todo discurso será infrutífero. Não basta, contudo, a inclusão dessas novas tecnologias em sala de aula. Temos visto inúmeras experiências como o celular sendo transformado em prática pedagógica, uso de lousas digitais e jogos interativos que traduzem os assuntos estudados de maneira dinâmica. Há também o professor, que mal preparado e mal preparando suas próprias aulas, simulando recursos de pesquisa, cede seu espaço de educador para consultas aleatórias ao Google. A introdução de diferentes tecnologias no cotidiano escolar deve ser muito pensada, preparado, organizado e ter objetivos claros, transparentes e lúcidos para o professor e alunos. Do contrário será um fiasco, enrolação de aula e um socorro para aquele docente que não domina o assunto das aulas que se comprometeu ministrar.
Um outro fator que emerge indiscutível é uma certa carência ou vazio existencial nos alunos (muitas vezes em professores). As relações realmente mudaram. Os pais saem para trabalhar desde cedo, aquele contato familiar que antes existia tornou-se mais frágil. Vemos com freqüência cada vez maior alunos que passaram a residir com avós ou tias em razão do rompimento entre os pais, alunos que moram apenas com o pai ou mãe, alunos que moram com pai e a madrasta ou com o companheiro dele, alunos que moram com a mãe e o padrasto ou com a namorada dela, enfim situações diferenciadas e que exigem tanto uma reorganização mental e afetiva do aluno, quanto da própria escola, no caso. Mais do que nunca nossos alunos precisam de atenção, de uma relação afetiva mais evidente, da manifestação do interesse dos professores pelo seu bem estar. Essa carência, a meu ver e isto é mero atrevimento meu, manifesta-se muitas vezes pela busca de ser líder (talvez até com ingredientes negativos), afrontando valores, agindo com violência, refugiando-se nas drogas, exacerbando a contestação – que em geral já é uma característica dos adolescentes, repletos de vigor, entusiasmo e energia.
Todas as reflexões que fazemos não tem a finalidade acusatória, não objetiva desencadear uma terrível e inquisitória caça às bruxas, são apenas apontamentos sobre novas relações que se estabelecem por n fatores encadeados e incontroláveis, pois não vamos conseguir conter esse processo de transformação. Também não há como resumir em isso é bom ou isso é mau, são fatos. Fatos importantes e que devem gerar discussões maduras dos educadores. Alguns modelos pedagógicos amplamente utilizados começam não atender mais a essa nova realidade.
Os cursos online estão progredindo celeremente e perderam sua imagem pejorativa, revelando-se importantes e sérios instrumentos de aprendizagem atendendo a uma série de pessoas que por inúmeras razões estariam impedidas de freqüentarem cursos presenciais, além da facilidade e comodidade de poderem ser realizados em casa. Esse é um grande impacto nos conceitos de educação. Impacto também nas relações.
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