http://fotosbossini.blogspot.com
Esta é a vida de Sebastião. Sebastião chegou ao vilarejo com cerca de oito anos de idade. A família o mantinha com sua tradicional bermuda pouco abaixo dos joelhos com suspensório, camisa e headwear, meia e sapatos. Um menino de poucas palavras, que brincava pouco. Os pais muito rígidos o mantinham quase que em cativeiro na grande casa da esquina.
A casa pintada em tons de terracota era bastante arborizada, na verdade quase uma floresta onde a família se mantinha isolada, de poucos amigos e nada hospitaleira. Levavam Sebastião até a entrada do colégio e iam buscá-lo, mantendo-o quase intocável. O colégio, dirigido por padres, mantinha o rigor severo da disciplina, portanto entre seus muros os pais podiam ficar despreocupados. Nesse estilo de vida, Sebastião aprofundou-se na leitura, os livros substituíram os amigos e através de seu destaque escolar sobrepujou-se aos colegas, garantindo assim o título de “crânio”, dispensando-o de uma série de outras atividades e justificativas para seu comportamento distante e tímido.
Aos doze anos estava trabalhando na loja de tecidos do “Seu” Bady, inicialmente como entregador, depois como vendedor e não demorou para estar auxiliando nas compras e contabilidade.
- Esse menino é um gênio !, exclamava o homem satisfeito e assombrado com o ágil raciocínio do rapaz e habilidades no cálculo.
O menino realmente possuía uma memória incrível, além da chamada memória fotográfica. Lembrava-se com detalhes dos acontecimentos e pessoas. Essa habilidade encantava os clientes que rapidamente eram reconhecidos e chamados pelo nome, mesmo que tivessem estado na loja apenas uma vez.
Os outros funcionários da loja, Tadeu e Darcy, o incomodavam falando sobre sexo e garotas. Mas Sebastião deslizava habilmente saindo de cena. Os rapazes questionavam se ele queria ser santo e essa probabilidade era grande. Do bolso da bermuda sempre pendia um crucifixo. O menino conhecia os santos e sabia narrar a vida deles com propriedade. Participava das missas e por vezes apontava o desejo interior de ser monge, com voto de silêncio, pobreza e castidade. Mas tratava-se de mero desejo, não totalmente introjetado e rejeitado pelos pais.
Em uma noite em que precisaram avançar até altas horas em razão de uma grande encomenda, Tadeu e Darcy resolveram aplicar uma peça no garoto e articularam levá-lo até a casa de Nelcy. Nelcy era bem conhecida na cidade e possuía um barzinho em uma estradinha de terra afastada da cidade. Sebastião não imaginava que seria levado para uma zona. Inocentemente chegou ao local. Estranhou a pouca luminosidade e a rusticidade do lugar que tanto foi elogiado a ele.
Darcy, já bastante conhecido da casa, fez sinal a uma das meninas de Nelcy, apontando para o novato. O calouro da noite. Um rapazinho virgem entregue nas hábeis mãos de Priscila. O menino foi levado gentilmente para o interior, enquanto Darcy e Tadeu pediram um conhaque. Sempre começavam com um conhaque.
As horas passaram de maneira que os dois amigos se empolgaram. Sebastião devia ter gostado da coisa.
- Nunca comeu melado, agora que comeu deve estar se lambuzando...comentou sorridente Tadeu.
Resolveram ir até o quarto e surpreenderem a estréia do rapaz. A surpresa, no entanto, foi deles. Sebastião, sentado na cama, completamente vestido, de boina, conversava animadamente com Priscila. A moça ainda volta-se para os dois e diz “nossa, ele é ótimo !, traga-o mais vezes aqui...”.
- Pelo menos ele não estava rezando no quarto !, protestou Darcy disfarçando a imensa decepção que caíra sobre ele.
- A Priscila é uma pessoa adorável, quero vê-la outras vezes – revelou Sebastião com uma irritante inocência.
A pressão sobre Sebastião passou a não ser tão grande, convenceram-se de que ele deveria ser padre mesmo. Mas Darcy ainda não se dera por convencido. Era uma questão de honra levá-lo a um puteiro e vê-lo entregar-se aos prazeres carnais, mesmo que tivesse de embebedá-lo.
Dessa forma, Darcy o importunava eventualmente com o objetivo de constrangê-lo. Por vezes fazia questão de exibir seus órgãos genitais ao rapaz, observando atentamente a reação. Sebastião sempre tinha um comentário zombeteiro que deixava Darcy completamente desajeitado e sem resposta. “Ele tem tudo na ponta da língua !”, esbravejava inconformado.
Mais uma tentativa e Darcy combinou com Tadeu dar um porre no jovem. Saíram para o bar do “Seu” Nelson, bem no centro do vilarejo. Assim Sebastião se sentiria mais confiante e confortável. O desafiaram a tomar uma branquinha e logo estavam iniciando uma propositada competição. Uma, duas, três e Sebastião já começou a enrolar a língua, a falar mais e rir muito. O carro de Tadeu aguardava o momento de levá-lo novamente para a casa de Nelcy. Tudo correria bem se Sebastião não tivesse ido ao banheiro e não retornado mais. Encontraram-no dormindo e roncando aos pés do tamarineiro no fundo do estabelecimento. Não houve quem o acordasse. Deram-lhe um café forte e levaram para casa.
Como o movimento da loja crescia, “Seu” Bady contratou para trabalhar um seu sobrinho recém chegado. O rapaz de olhos amendoados, pele bronzeada, sobrancelhas fechadas e aveludadas chamou a atenção de Sebastião. Chamava-se Khalid. Por alguma razão a presença de Khalid fazia Sebastião ficar inseguro, trêmulo e com escassez de raciocínio. Evidentemente, aprimorou-se na arte de disfarçar essas reações exceto do próprio Khalid que logo identificou a mudança de comportamento, o baixar os olhos de Sebastião em sua presença. Curiosamente havia uma estranha satisfação nisso, por essa razão abraçava Sebastião quando estavam todos juntos na loja, porém evitava ficar sozinho com o moço.
Sebastião começou a pensar em deixar a loja, buscar outro emprego, mas não havia justificativa para isso. Com absoluta certeza deveria dar satisfações aos seus pais, ao “Seu” Bady e os colegas Tadeu, Darcy e Khalid.
Nesse ínterim, a família de Sebastião foi procurada pelos Anzol Moreira, Sr. Demerval e Sra. Ernestina, que desejavam arranjar o casamento entre o moço e sua filha Zoé. Zoé recebia tratamento similar ao de Sebastião, estudando em colégio de freiras e tendo uma vida recatada e distante dos burburinhos de uma sociedade perdida. Os pais de Sebastião foram evasivos, secos, ríspidos e todos os sinônimos e atitudes que possam ser dadas a alguém que não deseja estabelecer qualquer tipo de contato amistoso. Praticamente foram postos para fora da casa. Saíram desolados. Sebastião era um bom moço, mas sua família inóspita.
A chegada de Khalid estimulou ainda mais Darcy e Tadeu em produzirem a perda da virgindade de Sebastião. Isso os incomodava. Homem devia sair com as mulheres e a casa de Nelcy era o ponto de encontro de todos os homens. Khalid ficou motivado a colaborar.
Mais uma vez foram à casa de Nelcy. Sebastião seguia feliz com a possibilidade de rever Priscila. Após algumas biritas, Khalid desafiou Sebastião a irem juntos com duas garotas para o mesmo quarto. Os músculos das pernas de Sebastião pareciam querer desprender-se dos ossos. Um tremor incontrolável o dominou. Sem ter tempo para responder, Raquel o puxou para si, enquanto Damascena enlaçava Khalid, sensualmente.
Conforme Khalid havia combinado os dois entrariam no quarto e somente a um sinal elas entrariam. Fechados no estreito quarto mal cheiroso, iluminado por uma vaga luz alaranjada de um abajour, Khalid despiu-se diante do olhar atônito de Sebastião. Sebastião fitava o corpo bem delineado do moço entre milhares de pensamentos que colidiam gerando uma transtornada erupção de emoções. Sebastião timidamente resistia em despir-se, até que impaciente Khalid avançou sobre ele e arrancou-lhe a bermuda. Houve um silêncio sepulcral. Khalid descobria o segredo do moço. Era uma garota.
Perdido e sem saber o que fazer, Khalid pedia perdão. Sebastião chorava. Combinaram que Sebastião estava passando mal e iriam para casa. Comprometera-se guardar isso somente para ele.
A questão é que algo havia despertado em Khalid e não demorou para que passassem a se encontrar secretamente. A mudança nos comportamentos dos rapazes foi percebida por Darcy e Tadeu que entenderam estar acontecendo algo mais íntimo entre os dois. Logo sorrisos irônicos, algumas piadas e indiretas começaram a fazerem parte do cotidiano da loja. Darcy logo decretou que Sebastião deveria ser um “mariquinha”, uma “mulherzinha” e pelo visto era “mulherzinha” do Khalid. As insinuações de Darcy fizeram com que Khalid perdesse a paciência e a tolerância e espancasse violentamente o moço. As coisas ficariam piores se não houvesse a intervenção do "Seu" Bady.
Repentinamente Sebastião desapareceu. “Seu” Bady revoltou-se dizendo que as imbecilidades de Darcy e Tadeu devem ter afastado o melhor profissional da loja. Juntamente com seu sobrinho, Khalid, resolveu ir até a casa do moço, apresentar suas formais desculpas e pedir que retornasse ao trabalho.
A casa estava silenciosa. Após muito bater palmas e chamar pelos donos da casa, uma vizinha apressou-se em atravessar a rua e dizer que eles haviam saído na madrugada da noite anterior com o caminhão de mudança.
- Como sempre não se despediram. Aliás a dona da casa falou comigo umas duas ou três vezes nesses anos todos que moraram aí...complementou a senhora.
Os homens se entreolharam consternados. Khalid estava com o coração apertado, vivera um intenso romance e que jamais poderia revelar.
Sebastião estava distante dali para ter seu filho. A família manteria o seu segredo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário