“Deus não impôs aos ignorantes a obrigação de aprender, sem antes ter tomado dos que sabem, o juramento de ensinar. (Da sabedoria oriental).
A tecnologia se desenvolve celeremente surpreendendo-nos com possibilidades antes inconcebíveis. Desde Graham Bell ou Antonio Meucci nos idos de 1856 com a criação do telettrofono, ou a primeira exibição da televisão em terras brasileiras no ano de 1939, e ainda em 1990 com o lançamento do celular no Rio de Janeiro avançamos assustadoramente. Quem pode comparar hoje o primeiro modelo de celular e os atuais que circulam nas mãos de milhões de pessoas? Vem então notebooks, tablets, smartphones vinculando-se à vida cotidiana, englobando lazer e atividades profissionais. As coisas com certeza não vão parar por aí, apresentando situações desafiadoras e inconcebíveis. No tempo em que se entregavam mensagens em pergaminhos seria inimaginável que um dia o recado à cavalo chegaria instantaneamente via email.
As descobertas envolvendo o espaço sideral e o nosso mundo seja com relação às origens dos planetas e sistemas solares, seja com a possibilidade de vida em tantos outros planetas, traduzem-se de maneira assombrosa a cada nova sonda que vasculha o espaço e telescópios potentes que avançam muito além das estrelas mais próximas.
Outros ramos do conhecimento como a biologia, a química, a psicologia, a antropologia, dentre outras ciências rasgam véus que ocultavam em seu seio conceitos e preconceitos fecundados pela ignorância. Não podemos mais queimar mulheres alucinadas como bruxas apenas por terem saboreado pães de trigo ou centeio já embolorados e de cujo fungo demoníaco emergiu a dietilamida do ácido lisérgico ou, mais comumente chamado, o LSD.
Após situações devastadoras como o massacre da noite de São Bartolomeu, as Cruzadas, os Campos de Concentração Nazistas, a escravização dos povos africanos e outras que passam despercebidas, embora fatais, como a colonização das terras brasileiras dizimando populações indígenas utilizando-se dos mais diferentes recursos para a disseminação de doenças e extermínio com armas de fogo, sem citarmos a morte da alma com a diluição da cultura, das crenças e religião de diferentes povos.
A questão do ensinar é algo complexo, pois nos impele a reproduzir em sala de aula o que acreditamos. Na fala de Erick Cerqueira: “não há imparcialidade se há opinião”. E, em geral, temos opinião. Temos nossas próprias crenças, fomos educados de determinada maneira, cultivamos determinados valores que se revelam espontaneamente através de nossa fala, de nossos gestos, de nosso olhar. Aceitar o outro, com suas diferenças, algumas vezes se traduz em um complicador. Há formas diferentes de se ver e interpretar o mundo. E de repente todas estas pessoas estão reunidas em um mesmo espaço denominado sala de aula. Apesar de todo desenvolvimento tecnológico que nos conecta com o mundo ainda somos prisioneiros de nós mesmos e do que nos foi ensinado pelos familiares ou que intuímos experenciando a vida. Apesar de toda potencialidade da internet ainda vagamos apenas por chats e redes sociais na busca da superficialidade, pois firmar o pé em um terreno tão amplo gera receio e responsabilidade.
Lemos pouco e interpretamos muito menos o que lemos, isso nos torna presas fáceis daqueles que leem algumas linhas a mais e são capazes de nos dominar através de frases feitas e de impacto. Basta observar que a mídia pode nos fazer amar ou detestar alguém ou algo com extrema facilidade. E como aprendemos por imitação, fazemos o que a maioria faz. Isso tem implicações importantes: nos mantém aceitos no grupo e evitamos polêmicas e contradições que podem colocar em cheque o que nós próprios acreditamos!
Nessa perspectiva somos muito propensos a repetirmos situações históricas assinaladas neste texto, além de outras que podem ser facilmente encontradas quando nos voltamos para o passado da humanidade. Há um provérbio árabe que nos conta, com propriedade: “tudo o que acontece uma vez pode nunca mais acontecer, mas tudo o que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira”.
Quando pensamos em um mundo melhor e isso volta e meia vem à tona, conclamando especialmente os jovens para esta tarefa, entendo que se faça mister o estudo aprofundado da História de maneira interdisciplinar, ou seja, analisando todas as influências da geografia, da economia, da política, criando a teia em que vivemos. Há sempre um efeito dominó em uma descoberta e há sempre um interesse político ou econômico conduzindo as regras de certo e errado que comandam os povos. Alicerçados no passado, construindo o presente é possível projetar um futuro melhor.”Todas as flores do futuro estão contidas na semente do hoje”, diz um provérbio chinês. Não podemos, contudo, esperar uma mudança no amanhã sem que o jovem tenha conhecimento e subsídios para interferir na realidade, caso assim se faça necessário.
E o que devemos ensinar, então? Evidentemente há informações e conhecimentos diversos a serem apresentados. Constituem a base para que o aluno construa o seu próprio conhecimento e possa gerar outros. Mas quando mergulhamos na História e novamente emergimos trazemos em nosso fôlego determinados valores. Estes valores desabrocham em conceitos de respeito e compreensão. Respeito a todas as pessoas, a todas as criaturas, respeito ao lugar em que se vive. Com respeito se compreende hábitos, crenças, religiões, diferenças. Isso implica em assumir as próprias ações e ser responsável pelo seu sucesso ou insucesso pessoal (seja lá qual for o seu conceito pessoal de sucesso).
Apesar do belo conceito “pensar globalmente e agir localmente” utilizado por Ulrich Beck, ainda temos um caminho a percorrer para que esse pensamento se materialize em prática. Recorro mais uma vez a um provérbio chinês: “se você quer manter limpa a sua cidade, comece varrendo diante de sua casa”. A construção dessa teoria e a concretização da prática exige rever alguns modelos que utilizamos em Educação. Na maioria das vezes o ensinar se traduz pobremente na confecção de um cartaz ou na criação de uma norma que passa a integrar o Regimento Escolar sem maiores consequências. Aprendemos a ser bons teóricos. De certa forma, induzidos a isso graças a estrutura do sistema escolar que gradualmente nos entorpeceu.
A Deliberação CEE n.º 77/2008, assim se expressa em seu artigo 2º: “são componentes curriculares obrigatórios, segundo a legislação federal em vigor, a serem desenvolvidos nos termos das orientações contidas na Indicação CEE nº 77/2008, que integra a presente Deliberação:
I) Língua Portuguesa;
II) Matemática;
III) Conhecimento do mundo físico e natural;
IV) Conhecimento da realidade social, especialmente a do Brasil;
V) Arte;
VI) Música;
VII) Educação Física;
VIII) História do Brasil;
IX) Língua Estrangeira Moderna;
X) Espanhol;
XI) História da África e dos Africanos;
XII) História da cultura e etnias, principalmente das matrizes indígena, africana e européia;
XIII) Educação Ambiental;
XIV) Filosofia e Sociologia;
XV) Direito da Criança e do Adolescente;
XVI) Conhecimentos sobre o processo de envelhecimento.
Penso nessa estrutura na modalidade integral para que cada uma das propostas possa ser efetivamente trabalhada e não maquiada com um número sofrível de horas aula insuficientes para o desenvolvimento de um trabalho que propicie a construção do conhecimento pelo aluno. Torna-se bastante fácil que todas essas propostas se tornem teóricas e desnecessárias como ocorre em diversas disciplinas hoje presentes no currículo escolar, considerando a impossibilidade de aprofundamento e tempo para que o estudante realmente se aproprie do que está sendo ministrado pelo professor.
A proposta se apresenta, à princípio, com um propósito de desenvolvimento de determinados valores associados a conhecimentos que estruturam nossa vida cotidiana, as inter-relações que estabelecemos. Faltam ainda mecanismos para descompartimentalizarem os conteúdos. Talvez a presença de projetos bem planejados e docentes bem preparados permitam uma valiosa revolução na Educação. Importante dizer que estou falando em um currículo que se construa com os componentes curriculares explicitados no artigo 2º dissolvendo toda organização curricular hoje adotada.
Vejo que este é um tema que deve mobilizar educadores, propondo um novo olhar sobre a estrutura curricular e o aluno que a escola se propõe formar.
“Cérebros brilhantes também podem produzir grandes sofrimentos. É preciso educar os corações” (Dalai Lama)
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