Final de tarde. O sol mergulha em tons amarelados no horizonte. Alguns grupos de pássaros alçam um vôo barulhento buscando um lugar para se refugiarem durante a noite que se aproxima. Tadeu recolhe o bocó com uns poucos peixes que recolheu do lago não muito distante de sua casa. Esse era o seu ritual desde que aposentara. Passava as tardes com sua vara nas mãos, umas minhocas que arrancava do quintal e a serenidade do lugar. O vôo da garça, alguns patos selvagens e seu espaço debaixo do grande pé de jambolão.
Seguindo o ritmo que adotara para sua vida, chegou em casa, escamou e limpou os peixes. Poucos peixes. De uns dias para cá os peixes haviam começado a rarear. Outros apareceram boiando no rio, mortos. Judite o censurava. Podiam ter alguma contaminação, lá saía o esgoto da cidade. Mas Tadeu sorria das intervenções da esposa. Sentia, dessa forma, que ela se preocupava com ele. Então, não se desgastava. Ela, por fim, fritava os peixes e ainda levava uma cerveja gelada enquanto ele se acomodava na mesinha velha no fundo do quintal. Lá se deleitava com seu cachorro Zico, o gato angorá Tito e o jaboti Sapoti. O quintal era repleto de plantas. Um chuchuzeiro, hortinhas, pés de abóbora e folhagens onde Sapoti se escondia.
Todos os animais esperavam a chegada de Tadeu, pois sabiam que seriam presenteados com os peixes. Era sempre uma festa.
Nos dias seguintes, Tadeu começou a sentir-se com mais vitalidade. Sentia-se bem disposto, alegre, como se tivesse rejuvenescendo. Cada dia, parecia mais jovial. Brincava dizendo que nem quando era moço tinha tanta disposição. Cada dia inventava uma coisa, plantava uma determinada fruta, fazia uma nova horta semeando legumes, estava irriquieto. Judite sorria olhando-o da janela, pensando que outras surpresas a aguardariam no dia seguinte.
Com o passar dos meses percebia-se que rejuvenescia também fisicamente. A pele mais lisa, maior agilidade, o olhar azul parecia reviver nos tons de outrora. A esposa atenta notou que o mesmo estava acontecendo com seus animais de estimação. Olhava-se no espelho em busca de sinais nela mesma, mas não encontrava. Guardou suas cismas consigo mesma para que não a julgassem louca. Seus filhos, Linda, Lourdes e Osmar notaram a agitação paterna, mas apenas o consideraram saudável e bem disposto. Os netinhos eram a farra dos avós, consumindo toda a atenção.
Certa manhã o casal foi acordado com palmas no portão. Era Lando, filho de Carlão, seu amigo diário de pescaria. Estava morto ! Correram até a casa dele e ficaram surpresos com a descrição lamentosa dos filhos. Havia se deitado e fora encontrado ao amanhecer com o corpo seco, como que mumificado. Narraram que ele vinha demonstrando uma vitalidade sem igual, parecendo até mais jovem e do nada o acharam daquele jeito. Estava no hospital.
O assunto explodiu na imprensa e os médicos não conseguiam um diagnóstico plausível. As carnes pareciam ter sido consumidas por natrão, seguindo os costumes dos antigos egípcios para mumificação. Porém, tudo havia acontecido entre às vinte horas e seis horas da manhã.
Após dias, sem qualquer progresso, o corpo foi liberado e enterrado. Boatos começaram a circular na cidade sobre o castigo que Carlão recebera pelas maldades que fizera com a esposa e os filhos, as farras com as amantes e as noites de folia. Outros falavam da maldição dos gatos que havia sacrificado por simples prazer.
A fala popular logo precisou de outras explicações, pois “Seu Warte”, como era chamado, foi encontrado na cama pela manhã da mesma forma que Carlão. Estava seco feito uma bucha de tomar banho. Outra grande confusão na cidadezinha de São Filiberto das Três Cruzes, bem no pé da serra, desmarcada dos mapas e aterrorizada pelos acontecimentos sobrenaturais.
Por tempos, não havia qualquer assunto em qualquer rodinha de amigos. Dois aposentados mortos de maneira misteriosa. Havia quem comentasse que as esposas dos dois falecidos tinham procurado ajuda de Dona Romana, que vivia no alto da serra e era temida por todos por ter feito pacto com o demônio.
Mas não demorou para que Niniana, esposa do “Seu Warte” também fosse achada deitada na rede como um maracujá seco.
O mal rondava aquele lugar. Foi uma sucessão de homens, mulheres e crianças. Oito ao todo nos três meses seguintes.
Tadeu sentou-se em seu costumeiro lugar de pescaria com os olhos lacrimosos. Lembrava-se de seus companheiros, reunindo-se cada um a um canto e compartilhando os dias. Subitamente arregalou os olhos como se visualizasse algo aterrador. Percebeu uma estranha associação das mortes. Todos os mortos tinham sido pescadores, esposas deles, netos ou filhos deles. A causa não estaria nos peixes? Estaria ele também correndo risco? Levantou-se ágil e procurou a equipe de pesquisadores que havia chegado na cidade, atraídos pelas mortes estranhas.
Tentou em vão conversar com as pessoas. Pareciam intocáveis, disse que sabia o que estava acontecendo mas somente revelaria a eles. Desesperado procurou o jornal local na ânsia de conseguir falar com aquelas pessoas. Zeca Farpa, dono do jornal, passou a insistir nesse encontro, afinal seria um incrível furo de reportagem.
Retornou a casa inconformado e temeroso. Eram os peixes. Se dormisse poderia não acordar, ele poderia ser o próximo. Não quis confidenciar a mulher para não afligi-la. Passou a noite acordado, levantando-se a todo momento, resistindo às investidas do sono.
Sentou-se no sofá. Alguém bateu palmas no portão. Judite correu para atender. Era Zeca Farpa e disse ter conseguido algo muito importante e precisava falar com o Tadeu. Ouviu-se apenas o grito de Judite. Tadeu estava seco no sofá. Em sua mão segurava um peixe ainda fresco.
As pesquisas se intensificaram no lago, sendo realizadas análises na água e peixes. Uma estranha bactéria demonstrou, em experimentos, ser capaz de absorver complemente os líquidos corporais de ratos. O mesmo poderia ter acontecido com as pessoas que consumiram os peixes. Por segurança o lago foi drenado. Mas a verdadeira causa de todas as mortes permanecia oculta, imersa na lama no fundo do extinto lago, aguardando as chuvas para emergir.
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