"A terra em si é de muito bons ares frescos e temperados (...) Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo (...)."
Pero Vaz de Caminha
Não se ouve mais o cantar dos galos. A nova estrutura de vida das pessoas exilou as galinhas de seus quintais. Vêem-se cachorros, sempre presentes há milênios, bem ou mal tratados, em estofados ou dormindo no cimento. Também circulam gatos e algumas casas reservam espaço para um jaboti. As nossas velhas amigas da Babilônia, o estranho animal que punha um ovo por dia e servia como alimento, está confinada e congelada nos supermercados.
A mudança não afetou apenas os animais, também as plantas. As hortas ou aquele canteirinho também virou cimento ou deu espaço para folhagens, roseiras e alguns arbustos decorativos. Afinal, alface, couve e cheiro verde está no mercado. Surgiram outras plantas que não eram cultivadas, ou eram, ocupando espaço em latinhas e dependuradas ao redor da casa. Penduradas com elas haviam gaiolas de coleirinhas, canários da terra, bigodinhos, sabiás e outras aves que ficaram restritas a alguns parques, quando podem ser encontradas.
E por falar nisso, onde estão as borboletas ? Alguém às viu ? Vêem-se umas poucas, afinal onde suas pupas podem se alojar e aguardar a misteriosa metamorfose ? Nem vamos pensar nas cigarras e as lagartixas ?
O homem tem se tornado perigosa e exclusivamente urbano, magnetizado e absorvido pelos shoppings, carros importados e roupas de marca. Pensamos hoje em energia nuclear, devemos ouvir Justin Bieber e acompanhar sua trajetória, saber que Cielo foi pego no antidoping, pouco se fala de uma inflação acumulada de 286,63%, conforme IBGE e nada se fala para onde caminha nossa sociedade na formação profissional de pessoas que possam ter competência suficiente para manter uma civilização que gradualmente abandona o campo em um êxodo de conseqüências imprevisíveis para ao manhã (não muito distante). As escolas agrícolas se contorcem para a formação de profissionais e muitas já se adaptam oferecendo cursos que se distanciam de sua finalidade principal.
O galo talvez cante nas granjas. Ele foi substituído por pessoas que cantam de galo, que batem as asas, ciscam o chão, ameaçadores, mas estão interessados apenas nos ovos das galinhas, mas se esquecem do milho para as galinhas !
Nosso olhar precisa dirigir-se mais atentamente ao que está sendo construído, em termos físicos e culturais. Até que ponto estamos seguindo e adotando modelos que não são nossos, até que ponto somos simplesmente manipulados por informações e tendências, até que ponto estamos nos preparando para viver integralmente o hoje e plenamente o amanhã.
Claro que não basta voltar a criar galinhas no quintal, mas se faz importante conectar-se e perceber a complexa teia de conexões em uma decisão tomada, uma legislação publicada, uma tendência seguida sem a devida reflexão, para onde caminhamos. Outro dia ao conversarmos sobre a questão do consumo e economia da água (tão abundante conforme Pero Vaz de Caminha), uma senhora concluiu “até acabar a água estou morta e enterrada, não me fará diferença”. É bem provável que a grande maioria das pessoas pensem e ajam de acordo com tal filosofia, inclusive os políticos, seja acreditando na inesgotabilidade dos recursos, seja despreocupados com as conseqüências do uso desregrado e inconsequente deles.
Os futuros políticos e os futuros profissionais que terão a difícil tarefa de encontrar mecanismos seguros para garantir-se uma vida estável e saudável estão hoje nos bancos escolares. Também alheios e despreocupados, muitas vezes acreditando que a vida se congela naquele momento, que amanhã não estarão adultos, ocupando funções de gerentes, diretores, deputados...aliás pensamos, em geral, em altos cargos, esquecendo-se de outros de extrema importância (talvez de maior relevância) como um técnico em agricultura, em agroecologia, em agropecuária que hoje e amanhã farão a grande diferença.
Importante estudar a pirâmide de Maslow.
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