Naquele tempo assumiu o trono Jelen, o Majestoso. O dia de sua posse foi um dia de festa. Ele costumava argumentar que gostava de tudo muito honesto, o tal “não leva desaforo para casa”, “fala na cara”, coisas desse tipo e que estimula a imaginação popular, gerando uma aura de segurança, por tão solene protetor. Jelen gostava de enumerar seus feitos no estilo dos antigos faraós que registram nas paredes de suas tumbas tudo o que haviam realizado. Tornou-se comum os emissários lerem longos pergaminhos nas esquinas das cidades, falando das proezas do Majestoso.
Jelen era vaidoso e queria ser único. Por isso cuidava para que ninguém mais se destacasse. Todos os feitos eram seus, graças aos seus serviços, seu trabalho, seu esforço. Quem ousasse emergir era delicadamente pisoteado e a imagem denegrida, não pelo imperador, mas por pessoas usadas por ele. Ardilosamente ele nunca se expunha. E como sempre há pessoas que se prestam serem usadas, muitas vezes apenas em troca de um abraço, uma foto ou um tapinha nas costas, o Majestoso garantia sempre alguém para essas ocasiões. Se alguma bomba estourasse...nunca havia sido ele o estopim.
O ego de Jelen era bastante dilatado, precisava ser enaltecido de tempos em tempos, e não admitia reconhecimentos a outros. O mundo existia por causa dele. Sutilmente conduzia o público para ser aplaudido. É claro que os súditos também o aplaudiam por comodismo. A cultura da inatividade insuflada pelo Majestoso convinha a todos. Como gostava de sua imagem, única e exclusiva, isso levava a cada um a esconder-se em suas sombras, alimentando sua própria inoperância, alheamento e a cultura do reclamar e lamentar, auto-justificando o seu não fazer e buscando manter-se nesta situação.
Em pouco tempo de reinado a apatia imperava, simulando uma aparência de rigor e prosperidade. O reino de fachada havia criado um cenário belo de ser admirado por outros reinos, porém aqueles que se admiravam estavam inconscientes do que verdadeiramente era cultivado entre as muralhas de Jelen.
A ociosidade é também uma forma de viver. Uma forma de viver que muitos adotam. A busca pelo ócio leva muitos a se tornarem dissimulados e oportunistas. Era preciso garantir que aquele estilo de vida se perpetuasse. E esse tipo de pessoa começou a se proliferar pelo reino do Majestoso. Toda a relação de conquistas e feitos, sempre adornados de efeitos visuais, pirofagia e neons buscavam esconder o cerne corroído pelos cupins da vaidade, do egocentrismo e da insegurança.
O Majestoso, como não podia deixar de ser, foi se tornando cheio de caprichos e tudo devia acontecer e ser da maneira que ele desejava. O que não atendia aos seus luxos era considerado ruim, de baixa qualidade ou de má influência para seu reino. As trevas foram cobrindo as ruas, casas e repartições. Os mais sábios começaram a imigrar para outros reinos, mesmo os mais distantes. Ao seu lado foram se cristalizando aqueles que se habituaram a se alimentar das gordas tetas do reino, preferindo tudo o que não exigisse esforço.
Muitas vezes não percebemos que as muralhas de Jelen estão sendo construídas ao nosso redor, ao redor de nosso trabalho, de nosso local de estudo, de nossa cidade. Ela é silenciosa, quieta, calada, quase muda. Muitas vezes até colocamos alguns tijolos nesse muro, pois a lei do mínimo esforço algumas vezes é arrebatadora. Vale a pena nos demorarmos alguns momentos para uma criteriosa análise. Até que ponto cruzamos nossos braços mediante um comando de um superior, de um conceito, de um paradigma e, cegamente, atendemos. Até que ponto o famoso “Maria vai com as outras” nos impulsiona a seguir a correnteza irrefletidamente? Até que ponto nos submetemos a desmandos, desvarios, pontos de vista, artimanhas para evitarmos sairmos de nossa zona de conforto e assumirmos as rédeas de nossas próprias vidas?
Derrubar um muro desses exige coragem, esforço e muito mais trabalho do que construí-lo. Um muro invisível, porém de uma matéria bem mais forte que o aço. Mais forte que o buckypaper. Um muro com uma necrófita influência sobre o caráter, o conhecimento, a cidadania...uma desconstrução do ser humano. Jelen pode ser simplesmente a ignorância cultivada arduamente de diferentes formas. Pode ser um líder político, religioso, o gerente de sua empresa, o coordenador de sua escola, pode ser você mesmo. Será possível evitá-lo?
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