(LEIA ANTES NA SEQUÊNCIA: A FORÇA, SORTE-SORTE-SORTE, REVIRAVOLTA E CAMINHOS TORTUOSOS)
http://www.abengnews.com/2008/05/25/la-condition-africaine-the-south-african-challenge/
Tifany adentrou o apartamento com o olhar distante, lançou as malas a um canto fazendo um estrondo que ecoou pelos cômodos. O ambiente estava recheado de sombras, por isso acreditou estar só, não queria encontrar-se com Francisco, não sabia como iria reagir, o que diria a ele, o que o futuro lhes reservava? Caminhou a passos lentos para o interior como que arrastando-se. Respirou profundamente. Já concluía que estava sozinha, quando a voz de Francisco retumbou da cozinha “já chegou?”.
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O homem, de pijama e chinelos, levantou-se para abraçá-la. Deixou a cerveja sobre a mesa e beijou-lhe na testa.
- Achei que chegaria mais tarde ! Você não ligou ! Aconteceu alguma coisa?, indagou encarando-a e procurando ler nos olhos algo a mais.
- Nada, apenas a viagem foi cansativa...e sabia que você estava concentrado em suas palestras e no novo livro...,tentou explicar-se.
- Procure descansar, disse ele perscrutando os movimentos de Tifany.
Ele sabia que algo havia acontecido. A perda de contato, o jeito frio com que chegou ao apartamento, a perceptível vontade de dizer algo e procurar “engolir”. Estaria ela sabendo de alguma coisa a mais? Afastou-se para continuar saboreando a cerveja gelada que o aguardava.
Tifany retornou após o banho e sentou-se, com seu roupão, para brincar com o controle de TV, percorrendo os canais sem deter-se em nenhum.
Com andar de um gato, Francisco sentou-se ao lado e questionou, embora receoso:
- Creio que você pode confiar em mim ! O que aconteceu ?
- Confiar, confiar...confiei em você desde os meus oito anos...estamos juntos por uma artimanha do destino...comentou a moça e olhando-o fixamente pressionou-o: o que você teve com o assassinato de minha mãe?
Francisco empalideceu. Tentou controlar o tremor que se apossou de seu corpo. Olhou-a nos olhos, esforçando-se para não desviar o olhar.
- Você já está sabendo que seu pai foi o responsável pela morte de Erin, não é? E está acreditando em uma vingança de minha parte...disse reticentemente o homem.
- Soube sim e acredito que há coincidências demais nessa estória...por favor, não minta, você matou minha mãe?, implorou Tifany.
- A polícia entendeu que sua mãe foi assassinada por Saci, por vingança pelo não pagamento de seu pai, quando os contratou para matar Erin...buscou explicar.
- Contudo você remunerou Saci para desaparecer, qual o motivo disso?, disse levantando-se e encarando o homem.
- Mais uma vez uma pessoa pagaria pelos feitos de seu pai, ele próprio deu fim à vida de sua mãe tentando me incriminar e mais uma vez falhou...você nunca conheceu seu próprio pai !, mentiu Francisco buscando isentar-se da acusação.
- Como você pode provar isso?, questionou Tifany quase fora de si.
- Não provo, nem sobre ele, nem sobre mim...as coisas nem sempre são provadas. Se eu tivesse responsabilidades a polícia havia descoberto, não há crime perfeito ! Somos vítimas de muitas coincidências. Tantos boas como ruins. Nosso reencontro foi algo incrível e estamos juntos. Você usufruiu de todo conforto proporcionado por Guilhermo, de repente passou a viver nas ruas, numa kitnet simples, agora viaja para a Europa quando deseja...estamos envoltos num grande mistério! Não permita, Tifany, que essas idéias perturbem uma vida que está tão boa...ponderou Francisco desfocando a atenção da moça.
A discussão se estendeu, com várias pausas para reflexão proporcionadas por Francisco. Tudo terminou com a atração dos corpos, beijos, deixando a paixão fluir e encobrir as dúvidas e incertezas que pairavam no ambiente.
As mágoas pareciam ter sido digeridas, a vida retomava seu rumo.
Sentados no imenso sofá, Tifany e Francisco conversavam quando a moça deteve-se notando uma espécie de mancha brilhante dentro dos olhos do amante. À princípio brincou que ele estava se transformando em um gato, e prosseguiram assistindo a um filme de terror, estilo que Francisco era fã. Gostava de filmes recheados de suspense e assombrações.
Gradualmente, percebeu-se que Francisco estava mais pálido e com algumas manchas vermelhas nas mucosas. Também estava perdendo peso, embora não apresentasse outros sintomas. Acreditando estar estressado em razão dos inúmeros compromissos, decidiu procurar um médico.
O médico examinou-o e passou um anti-depressivo, indicando uma alimentação mais baseada em frutas, legumes e sucos. Aos poucos sentiu-se melhor, mais revigorado, embora a sudorese noturna tivesse se intensificado. Um certo desânimo havia se implantado, fazendo Francisco reduzir seu alucinante ritmo de vida.
Francisco despertou com dores ósseas e nas juntas, que se tornaram mais e mais persistentes. Dores de cabeça aumentaram até o ponto de impedi-lo de realizar pequenas caminhadas. Vômitos começaram a acontecer toda vez que ingeria alguma coisa. Algo estava errado. Exames diversos, novos medicamentos e nenhuma melhora.
O Dr.Gaspar sugeriu que ele procurasse um oncologista. O diagnóstico veio fulminante. Hepatoma. O mundo ruía aos pés de Francisco. Somando-se à doença, Tfany o deixou alegando claramente que não havia nascido para cuidar de doentes. Na verdade, mudou-se para São Paulo junto a Hector, com quem já estava saindo há um certo tempo.
Francisco refletia sobre sua existência. Toda sua trajetória, as perdas e as conquistas, o momento em que as perdas tornaram-se conquistas e os momentos em que as conquistas foram perdas. Os erros e acertos e o limite frágil que pode separá-los.
Após desgastantes tratamentos, Dr.Quintana o desenganou. Embora frágil fisicamente havia uma energia vibrante na alma de Francisco e determinou que aquele não seria o fim. Sentou-se em sua escrivaninha, segurando a cabeça com as mãos, em profundo silêncio. Queria uma direção, um caminho, um sinal. Saiu do torpor para atender o telefone.
Era Bongani, um amigo que fizera na África do Sul. A conversa girou em torno de seu estado físico e do diagnóstico médico. O amigo o queria em seu país. Sem muito refletir, Francisco arriscou-se a fazer a longa viagem.
Bongani estava certo da cura do amigo. Os ancestrais foram consultados. Os sacerdotes sabiam o que devia ser feito. Foram meses de consultas e rituais diversos. Novos ares, nova cultura e um inacreditável encontro consigo mesmo. Francisco revivia, recuperava-se, readquiria vitalidade. Estava curado. Focou-se em ajudar outras pessoas, através de livros e palestras, vivências e workshops. Era outra pessoa.
Não havia nuvens no céu. A manhã límpida traduzia um céu de belíssimo azul, muito claro, suscitando a um momento quase espiritual, de conexão profunda com algo maior, era sensível aquela força que interpenetra tudo e mantém o equilíbrio de todas as coisas. Uma manhã especial. Um daqueles momentos em que uma alegria sem causa flui, emerge e parece querer explodir dentro do peito e desabrochando em um sorriso espontâneo e contagiante. Aquele dia em que tudo parece ser possível e há uma sensação de plenitude.
Francisco abriu a janela e aspirou o ar gotejado de raios dourados acompanhado de uma brisa levemente gelada. Uma manhã de setembro. Somente ela poderia se apresentar tão contagiante. Junto a brisa o perfume de algumas flores cultivadas no jardim. Debruçou-se na janela para fitar um pouco a beleza daquelas flores e alguns brotos que começavam conquistar seu espaço no canteiro. Abelhas e borboletas já pousavam aqui e ali cumprindo seu papel de polinizadoras, uma parceria eficiente cujo contrato fora assinado há incontáveis séculos. Mais adiante formigas conversavam informando sobre um gafanhoto morto e que constituiria apetitosa refeição.
A vida seguia seu curso, mágica, simples e convidando a todos os seres para brindá-la. O sol renascia, porém o dia não seria o mesmo.
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