"O homem não teceu a teia da vida; ele é apenas um fio dela. Tudo que ele faz à teia, ele faz a si mesmo." Ted Perry
Francisco abriu a janela e aspirou o ar gotejado de raios dourados acompanhado de uma brisa levemente gelada. Uma manhã de setembro. Somente ela poderia se apresentar tão contagiante. Junto a brisa o perfume de algumas flores cultivadas no jardim. Debruçou-se na janela para fitar um pouco a beleza daquelas flores e alguns brotos que começavam conquistar seu espaço no canteiro. Abelhas e borboletas já pousavam aqui e ali cumprindo seu papel de polinizadoras, uma parceria eficiente cujo contrato fora assinado há incontáveis séculos. Mais adiante formigas conversavam informando sobre um gafanhoto morto e que constituiria apetitosa refeição.
Entre “bons-dias” aos vizinhos e transeuntes desconhecidos, Francisco atentou-se ao olhar de cada pessoa. O olhar parecia dizer muitas coisas, exteriorizando alegria, tristeza, entusiasmo, formalismo, distância...o “bom dia” de cada um era diferente a partir do olhar e da voz. O verbo realmente demonstrava seu poder. Talvez tudo dependa de como vemos a vida e tudo que a compõe e como a traduzimos em nossas palavras e pensamentos.
Sentiu Luka pular em suas pernas. Era o bom dia de sua cachorrinha. Novamente o olhar de alegria, o sorriso naquele rostinho chato. Luka é um pug. Abraçou-a com carinho como se quisesse introduzi-la no coração.
O coração é ainda a marca da emoção, do amor. Quando falamos em amor pode gerar uma sensação piegas, tola; para outros amor é algo vinculado a religião, às palavras e ensinamentos de um avatar (hoje avatar é um cara alto e azul !) ou profeta; para outros é o sentimento de atração entre uma pessoa e outra; para outros essa atração tem finalidade explicitamente sexual e ligada a certas substâncias químicas do organismo que nos motivam à cópula e procriação. Talvez o amor sejam todas essas manifestações, pois em algum momento cada uma é necessária. Francisco percebeu que amava o mundo.
Vestiu-se e saiu. Havia uma convicção de uma Sabedoria conduzindo tudo desde o Big Bang (ou antes dele). A ciência era capaz de explicar como as coisas podem acontecer, mas a força, a energia, a divindade mobilizava cada coisa para que acontecesse. Parou para analisar sua própria vida e percebeu com nitidez o encadeamento incrível de cada decisão levando a um caminho, se encaixando a outros, pessoas que foi conhecendo, outras de que foi se afastando...tudo parecia obedecer a um atraente jogo de descobrir as palavras.
Cada coisa vai se unindo, se modelando como a própria Natureza. Por isso a Mãe Terra sempre foi tão respeitada. Ela trás a Sabedoria, a história da vida desde a sopa primordial que deu origem a tudo. Um desfile de deuses, cultos e interpretações da vida passaram pela mente de Francisco. Tudo parecia extremamente belo e interligado ao mesmo tempo que simples.
O equilíbrio nem sempre é conquistado com serenidade. A atenção de Francisco foi atraída para o mundo selvagem quando viu um grupo de garotos tentando pegar um gato. A difícil tarefa do homem respeitar a todas as formas de vida. A difícil tarefa de respeitar a si mesmo. Conceitos como de cadeia alimentar e visões de mundo perpassaram pelos pensamentos do rapaz. As religiões são freios importantes para os homens, por essa razão sempre existiram. Ameaças e controles realizados pela justiça dos homens não têm o peso de uma justiça divina. O homem precisa ser conduzido, já disse uma vez Voltaire.
Mas essa força misteriosa se utiliza de todos os elementos e conhecimentos para continuar a incessante construção de um mundo melhor. Alheia às pessoas apressadas que cruzavam a praça, uma pupa metamorfoseou-se em borboleta. Um ovo abriu-se entregando uma rolinha ao mundo entre os galhos de um teixo e um choro alto denunciou o nascimento de mais uma criança. A vida prospera. Francisco sorriu exultante. Um mendigo aproximou-se e indagou de maneira surpreendente: posso dar-lhe um abraço ? E Francisco abraçou aquele homem. Foi abençoado muitas vezes, enquanto atônito seguia rumo ao trabalho.
Naquele instante projetou os melhores acontecimentos para si mesmo. Deu-se o direito de sonhar. Sonhar com coisas boas. Parecia sentir que um anjo estava ao seu lado, onipotente. No meio da praça abriu os braços aos seus, grato por tudo o que havia recebido até aquele dia e agradeceu as bênçãos futuras que viriam. Irradiou uma carga de amor para toda a humanidade, para cada ser vivo.
A partir desse dia acontecimentos curiosos aconteceram, levando gradualmente Francisco a conquistar seus mais íntimos sonhos. Mas esse é um tema para falarmos em outra oportunidade.
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