Um panfleto recebido na rua, enquanto caminhava despretenciosamente de bermuda e chinelo, óculos de sol e uma regata, fez Francisco estacionar uns instantes para leitura. Era a proposta de um curso semipresencial. Exatamente o que ele precisava, pois, considerando sua rotina diária estudar era um desafio. Vivia absorvido pelo corre-corre. Era uma possibilidade. Guardou o informativo no bolso e prosseguiu.
No período correspondente, Francisco buscou a internet para sua inscrição, entre curioso e sem grandes expectativas, tipo “vamos ver o que vai dar”. E para sua surpresa, deu em cima. Das quarenta vagas disponíveis, foi o quadragésimo. Efetivou sua matrícula com amplo sorriso no rosto. O início das aulas trouxe expectativas e um sonho começou se delinear. As possibilidades eram realmente muitas. Os professores dedicados e um grande trabalho a ser desenvolvido.
Aos poucos apaixonou-se pelo curso, pela escola e por sua carreira enquanto profissional. Dedicou-se. Sua presença passou a ser notada. Seu desempenho enaltecido. Com os projetos propostos pelos docentes, Francisco pode participar de vários desafios, passando a ser constantemente premiado. A ponto de desmotivar colegas...”se ele vai participar nem adianta, ele já ganhou!”. Mas a humildade de Francisco os incentivava. Formaram-se grupos extras de estudo, trabalhos voluntários, feiras e workshops. A liderança de Francisco crescia, se consolidava.
Ao final do curso, Francisco teve duas grandes surpresas: um certificado de honra ao mérito e sua seleção, através de um programa institucional, para um intercâmbio com os Estados Unidos. Teria uma bolsa de estudos e embarcaria dentro de três meses.
A viagem a San Diego trouxe novidades que marcariam ainda mais sua vida. Conheceu Erin. Tornaram-se efusivamente amigos, como se já se conhecessem há milhares de anos. Troca de emails, telefones, endereços e olhares cúmplices. Em pouco tempo ele voltaria para o Brasil, em sua pacata cidadezinha, e Erin retornaria à Austrália.
Francisco voltou ao Brasil decidido a reencontrar Erin. Seu desejo estava transparente: ir para a Austrália. Passou a estudar minuciosamente Perth, em particular, onde Erin residia. A cidade luz !
Em suas buscas aproximou-se de várias pessoas que já haviam morado na Austrália ou que possuíam parentes ou amigos naquela localidade. Pela internet compartilhava seus sonhos, fotos e planos com a garota.
Uma oportunidade de emprego no ramo do curso que concluíra deu-lhe mais gás. Estava exultante ! Deixou o antigo emprego e embrenhou-se num novo caminho. A rotina o fazia animar-se e desanimar-se, por vezes seus sonhos pareciam distanciar, outras vezes chegavam intensos.
Certo dia foi chamado pelo gerente da empresa. Receberiam a visita de um grupo estrangeiro e precisavam de um intérprete. Francisco estava sendo convidado para acompanhar e recepcionar os visitantes. Chegariam de Adelaide, uma cidade australiana.
A equipe empolgou-se com Francisco. A desenvoltura, idéias práticas e inovadoras, fluência na língua e espírito altamente colaborativo. Ao final do encontro foi convidado para conhecer a empresa e embarcar com eles após outros encontros programados. Desnecessário dizer que o convite foi aceito, não sem certa apreensão, afinal seria outra grande mudança em sua vida.
Tendo assumido a posição de autor de sua própria existência, Francisco ousou arriscar mais uma vez. Seria também a oportunidade maravilhosa de rever Erin.
O avião pousou trazendo inúmeros anseios. À princípio ficaria três meses na empresa e depois poderia retornar para a filial no Brasil. Sua meta era ficar na Austrália, mas se retornasse desejava que fosse na posição de chefia. Estava trabalhando arduamente para isso.
O encontro com Erin aconteceu no Kings Park. Tudo era simplesmente incrível. Havia momentos em que Francisco não acreditava que tudo estava acontecendo e tão rapidamente. Foi conhecer a casa de Erin. A casa era confortável e com uma simplicidade luxuosa, exuberante, daqueles lugares que você chega e não pretende sair mais. Os corpos se chamavam, se atraiam explicitamente, pela primeira vez. Beijos, carícias, sussurros e um impacto. A mulher que tanto desejara ao longo de todo tempo era um homem.
Francisco afastou-se. Estava aturdido, chocado, sem chão. Foram noites em que acordava com dezenas de planos, cada contato online era repleto de empolgação, sentia-se traído. Erin poderia ter-lhe dito, contado a verdade.
Os dias se sucederam agitados, tumultuados, inquietos. A baixa em sua produtividade foi percebida pelo gerente que o chamou para uma conversa particular. Certamente algo estava acontecendo. Francisco relatou questões familiares que o estavam preocupando, não se atreveria a revelar a verdade e tornar-se chacota dentro da empresa. Por outro lado, a imagem de Erin o perseguia.
No dia de embarcar de volta para o Brasil recebeu um bilhete de Erin. O bilhete questionava sobre o relacionamento e o sentimento que os unia. Erin se propunha voltar com ele para o Brasil. O coração palpitava descompassado. Sofria.
No aeroporto avistou a moça, loura, de olhos escuros e um belo casaco. Erin não se aproximou, fitando Francisco ao longe. As lágrimas eram inevitáveis.
De súbito, Francisco disparou em direção a Erin. Abraçou-a. Beijou-a longamente nos lábios.
Até sua chegada na Austrália, a vida havia se traduzido em sorte, sorte e sorte nos caminhos de Francisco. O que lhe seria agora reservado ao lado de Erin. A sorte continuaria coroando e adornando sua cabeça?
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