O amor por Gustavo estendeu-se por anos. Na faculdade conheceu Lucas. Desinibido, alegre e bem mais novo que Lenise. Ela estava concluindo a licenciatura em Matemática e ele iniciava sua graduação em Direito. Nessa época, Lenise já trabalhava como caixa de um Banco. Os encontros entre eles foram se intensificando até que decidiram se casar. O sonho de Lenise se realizava! Viajaram para Londres, conhecerem vários países da Europa, um conto de fadas que se materializava.
As dificuldades de emprego levaram Lenise a manter Lucas na faculdade e para auxiliá-lo ainda mais o presenteou com um carro, que o deixou exultante. O romance entre o casal perdurou até a solenidade de formatura do rapaz, após o qual a vida de Lenise transmutou-se num verdadeiro inferno. Lucas estava mudado. Agressivo, estúpido, encontrando defeito em cada coisa e ampliando problemas desmensuradamente. A cada instante zombava do corpo, da beleza, da inteligência, menosprezando a esposa onde pudesse, inclusive diante de amigos. Maquinava momento a momento como atingir sua auto-estima, parecia odiá-la.
O casamento entrou em queda livre. Ofendida, desanimada, desiludida, Lenise desistiu e solicitou a separação. Ele não se importou. O problema é que apesar de tudo, Lenise continuava amando e buscava justificativas para aquele comportamento. Suas amigas insistiam para que enxergasse a realidade, mas ela resistia. Acreditou, por final, ser algum tipo de influência espiritual nefasta. Dona Dita, benzedeira conhecida, havia afirmado que o trabalho havia sido feito por uma mulher com que ele estava saindo. Até descreveu-a: era loura, bonita, alta, muito vaidosa. Mas mal feito ou não, ele se foi e Lenise ficou. Triste e arrasada. Isolou-se e passou a viver o mundo virtual da internet, aí não se machucaria mais.
O tempo se arrastou e Lenise passou a procurar por alguém. Aos poucos começou interessar-se por uma pessoa com quem falava com mais freqüência no bate-papo. O jovem se identificava como Danilo, vinte e seis anos, programador de computadores em uma grande empresa, independente e residente em uma cidade próxima. Após criar coragem decidiu vê-lo. Agendaram um Hotel Fazenda não muito distante. Seria um bom lugar para conversarem, passearem e quem sabe iniciarem uma nova vida.
Danilo, realmente, não havia mentido. Demonstrava a vivacidade de seus vinte e seis anos, corpo muito bem delineado, cabelos castanhos claros, olhos verdes e um sorriso conquistador. Amável, de boa conversa, encantou a moça. Extremamente carente, viu-se nas mãos de um príncipe. A partir desse dia os contatos foram se estreitando. Frequentemente ele dormia na casa de Lenise.
Gradualmente Danilo renovou seu guarda-roupas com o que havia de mais moderno, foi ornamentado com pulseira e corrente de ouro, relógio, sapatos. A cada presente mais apaixonado ele demonstrava estar. Lenise passou a viver uma incrível histeria em busca de dinheiro para satisfazer os sonhos e desejos sempre caros de seu amante. Mas valia a pena, ela refletia, afinal ele fazia dela uma rainha. Aos poucos enterrou-se em diversos empréstimos bancários, cheque especial e cartões de crédito.
As dívidas de Lenise se avolumavam e buscava manter sua ansiedade oculta do parceiro, não queria que ele se preocupasse. Certo dia, Danilo definiu que gostaria de participar de uma banda e queria uma guitarra. Saíram em busca do instrumento. Lenise avaliou os preços e notou que não tinha mais de onde tirar dinheiro. Criou, então coragem para deixar Danilo ciente do que estava acontecendo. Ele enraiveceu, disse que ela deveria ter contado para ele, que eles estavam juntos, que ela não confiava nele, que ele estava muito chateado, ofendido e saiu da casa batendo a porta. Saiu e não voltou. Foram dias.
Lenise resolveu procurá-lo. Estava sofrendo com a ausência dele, parecia estar hipnotizada, sua imagem persistia em sua mente, como uma droga. Pegou o carro e foi até a casa do moço. A mãe dele recebeu-a com certa tristeza. Disse que ele estava deitado com depressão. Entrou no quarto com o coração aos pulos, sentindo-se culpada, por aquilo estar acontecendo. Diante dele desculpou-se, implorou perdão. Disse que no momento não poderia comprar-lhe a guitarra, mas juntos dariam a volta por cima. Danilo transtornado deu-lhe um tapa no rosto e revelou que não a amava mais. Apenas isso.
Como uma sombra deixou a casa de seu ex-namorado, mais uma vez havia sido enganada. Era mesmo uma idiota, uma imbecil, alguém que jamais conseguiria o que almejava: uma família feliz. Sentou-se na praça observando as pessoas. Uma mulher com o filho no colo comprando algodão doce, dois namorados caminhando abraçados pela praça, um casal de velhinhos de cabelos muito alvos sorrindo enquanto conversavam. Apenas ela estava solitária, vilipendiada, sem amor, sem dinheiro. Perdera todas as suas economias e adquirira uma dívida monstruosa que seria incapaz de pagar. Já não mais se concentrava nas aulas que ministrava e tinha saudades do tempo que trabalhava no Banco. Sua vida tornara-se uma merda.
Saindo da escola, próxima a sua residência, foi caminhando até sua casa, onde encontrou-se com Sr. Alceu regando suas belas margaridas. Eram o luxo dele. O único luxo de alguém que já não tinha mais nada para cuidar.
Debruçou-se no muro de sua casa. O vizinho da frente era um homossexual, Louis, que vivia em guerra com o namorado e o sustentava. Lenise sempre o criticou por isso e nunca havia parado um instante para perceber que fazia exatamente o mesmo. Na verdade, evitava uma proximidade, temia de alguma forma o contato, orbitando num tal nome a zelar, no que os outros vão dizer, na impossibilidade de que aquela relação pudesse ter uma gota se quer de amor. Sorriu de si mesma.
Entrou na casa, pegou a arma, mais uma vez acariciou-a e nada mais viu.
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