"Tudo é o mesmo, as coisas sempre são" (Pirahãs)
A densa e úmida floresta parecia silenciosa, cortada apenas pelo som de alguns tuins e a batida persistente de algum pica-pau. Há meses homens trabalhavam imersos no verde que emoldurava todo o ambiente, alguns se espremiam nas cabanas dominados pela febre. A malária aos poucos derrubava os trabalhadores da mina. A distância da cidade os mantinha isolados e se algo não fosse feito com urgência os garimpeiros estariam todos mortos. Fernão, acompanhado por mais quatro homens, decidiram buscar ajuda dos hiaitsiihi, apesar das animosidades geradas pela exploração das esmeraldas. Batfi iria acompanhá-los, pois era o único que conseguia se comunicar com a tribo. Batfi estava com eles há vários meses, ajudando-os, havia se identificado muito com Fernão e não se desgrudava dele. Fernão o criara desde pequenino. Havia o encontrado abraçado à mãe, morta por algum explorador. Agora já entrava na adolescência. Era da tribo kanamarí.
Após dias exaustivos, mediante a resistência em receber os garimpeiros, Batfi conseguiu contato. Explicou o que estava acontecendo, precisava de ajuda, em troca dariam a eles algumas armas. Não tardou para que um homem muito velho chegasse até a cabana onde se acotovelavam os homens doentes. Serviu-lhes um chá e orientou Batfi que continuasse cuidando deles dessa forma. Retirou-se leve como a onça desaparecendo na mata.
Aos poucos os homens se recuperaram e voltaram ao trabalho. A exploração das esmeraldas exigia um trabalho árduo de todos, problemas como a escuridão das minas, calor, umidade, falta de espaço, exposição a gases tóxicos, poeira e o próprio trabalho físico minavam as forças na mesma intensidade que a própria malária.
As semanas seguiam na rotina das atividades nas minas. As pupilas de Fernão cintilavam de satisfação vendo as belas pedras extraídas. Em sua rede traçava os planos de seu futuro. De natureza luxuriosa e violenta arrancava o couro dos trabalhadores, nem sempre metaforicamente, sendo temido por onde passava. Com ele não havia explicações, tudo deveria acontecer e se desenvolver conforme ele ordenava, não admitindo qualquer falha. Seus objetivos políticos fervilhavam em sua mente, articulando cada movimento e mantendo em suas mãos homens importantes. Através de seus homens conseguia adentrar nos bastidores ocultos da vida dos senhores, e com essas informações negociava pela escada que ampliaria seu domínio e influência.
Um de seus informantes era Foly, magro, cabelos armados e olhar matreiro, lábios grossos, macho quando precisava, não temendo enfiar a faca, que trazia na cintura, no bucho de algum desavisado. Era fêmea a maior parte do tempo, nos conceitos dos rudes garimpeiros. Durante a noite visitava as cabanas, satisfazendo a si e aos homens, ao mesmo tempo em que sabia de cada segredo e cada pensamento dos subordinados de Fernão. Em troca tinha sempre uma bela esmeralda para sua coleção.
Fernão também tinha a proteção de dois homens atentos: Boaventura e Tiro Certo, homens de bons reflexos, ágeis, cruéis e que mantinham a ordem no lugar. Qualquer tentativa de reação a uma ordem de Fernão, tentativa de fuga, rebelião ou se apropriar de algo a mais do que deveria.
Em uma das noites, Foly visitando Trajano descobriu que este acumulava belas pedras em uma saquinho de couro junto aos genitais. Ao meio dia, momento em que todos pararam para um almoço frugal, Trajano foi agarrado pelos homens de Fernão. Diante de todos foi despido e as esmeraldas apresentadas. Um longo discurso de Fernão, sorriso irônico e Trajano foi capado. Aproximando-se do riacho repleto de piranhas lançou para alimentação das mesmas o que extraíra de seu esperto trabalhador. Tiro Certo terminou o serviço com um tiro na testa.
A madrugada seguia alta quando todos foram agitados por um estrondo. Alguns venceram o medo e entraram na floresta em fuga, outros encolheram-se em suas cabanas apavorados, outros morreram dentro da mina. Os sonhos de Fernão estavam comprometidos, uma explosão comprometera os trabalhos.
Despreocupado com os mortos, na manhã seguinte, Fernão seguiu para a cidade em busca de materiais e equipamentos, em companhia de Batfi e seus dois cães de guarda. A exploração não seria cancelada. Deixou em seu lugar Amadeu, um homem de sua confiança, da mesma índole e que iria garantir que os trabalhos na fossem interrompidos. Os garimpeiros, porém, tinham outros planos. Naquela noite, Cícero recebeu a visita de Foly. Todos sabiam que Cícero era um líder no local. Cícero mostrou-se amoroso e receptivo, carinhoso arrancou a roupa de Foly, passando suas mãos ásperas pelo corpo liso do rapaz. E quando o possuía, entraram na cabana mais três homens. Era o plano. Foly foi espancado violentamente, até que Cícero o degolou.
Instantaneamente, todos se dirigiram a cabana de Amadeu. Os guarda-costas não puderam protegê-lo. Amadeu foi amarrado, os corpos de Foly, dos guarda-costas e mais treze garimpeiros foram jogados dentro da cabana e incendiada. De posse de esmeraldas enterradas ao lado das cabanas e outros locais em que vinham fazendo sua provisão, os homens com tochas fugiram para a mata.
Fernão e seus homens chegaram doze dias depois. A paisagem era avassaladora. O homem vociferou alto e agressivo, amaldiçoando os garimpeiros e jurando que mataria um a um onde estivessem. Dirigiu-se a mina, bloqueada e escura. Dentro dela estavam adormecidas reluzentes esmeraldas. Elas o chamavam. Precisaria de homens para trabalharem. Ordenou que Boaventura fosse em busca e que não retornasse ali sem eles.
Três semanas e Fernão levantou-se da cadeira de balanço interessado no vozerio que se aproximava. Levando à rigor as ordens do patrão, Boaventura retornava com dezesseis homens, sete deles haviam fugido na noite do massacre. Mal se aproximaram e lançaram-se aos pés de Fernão pedindo clemência. O poderoso senhor mostrou-se piedoso, pedindo que se levantassem, se alimentassem, descansassem e retornassem ao trabalho.
A exploração recomeçava. A explosão expusera esmeraldas ainda mais belas. Os homens sorriam e festejavam. Fernão olhava sorrindo com os olhos, satisfeito e coçando as mãos esperando a fortuna que se aproximava.
Batfi trouxe a ele, logo ao crepúsculo, uma pedra do tamanho de um côco, esverdeada e tendo dentro dela como que água. Era belíssima. Naquela noite, Fernão dormiu abraçado com ela, em contemplação.
Fernão, ao amanhecer, chamou a todos. Disse terem sido abençoados e que cada um seria beneficiado com a fartura. Desembrulhando de um lenço, a pedra brilhou aos raios do sol. Todos ficaram boquiabertos. Falou sobre a deusa Umina, senhora das esmeraldas, e pediu que todos a reverenciassem, pois ela traria abundância àquele acampamento. Todos se ajoelharam silenciosos, exceto Juvenaldo, Rui e Jovenildo, que se mantiveram em pé. Fernão os questionou sobre o motivo pelo qual não aceitavam as bênçãos da riqueza. Responderam que apenas Jesus merecia que se ajoelhassem.
Fernão não questionou. Pediu que todos se dedicassem, pois a partir daquele dia se tornariam ricos. Os garimpeiros se revitalizaram, entregando-se ao trabalho com entusiasmo nunca visto antes.
Batfi foi chamado na cabana de Fernão. Conversaram por horas.
No outro dia, pela manhã, todos foram novamente reunidos para adorar Umina, a bela pedra esverdeada. Fernão saldou a todos enfatizando o quanto haviam produzido no dia anterior. Todos comemoravam o que haviam encontrado, sem se darem conta de que a produção havia sido a mesma que de dias anteriores, a diferença é que agora valorizavam cada pedra, e Fernão recolhia apenas após juntarem e não na medida em que eram encontradas, mostrando a eles que as esmeraldas escorriam de suas mãos. Fernão passou a pedra para que cada um a beijasse, aproximando-os de sua deusa.
Estavam ausentes Juvenildo, Rui e Jovenildo. Fernão perguntou onde estavam, fazendo-se de preocupado. Peludo trouxe a notícia. Rui estava morto e os outros dois muito mal.
Fernão revelou que haviam insultado a deusa e ela, certamente, os castigava. Ao meio dia os três corpos foram enterrados. Todos ficaram chocados com as mortes repentinas e mais respeitosos com a deusa. O veneno que Batfi colocara na comida deles fizera seu efeito.
Os homens entregavam a Fernão uma quantidade cada vez maior de esmeraldas. Não havia mais violência, a deusa regia as ações dos homens.
Inspirado pela deusa, conforme declarou, Fernão inaugurou uma escola de alfabetização para os garimpeiros, batizando-a com o nome de um ancestral de família bem relacionada e que garantiria sua escalada social e influência nos setores políticos que desejava.
Inspirado pela deusa, conforme declarou, Fernão inaugurou uma escola de alfabetização para os garimpeiros, batizando-a com o nome de um ancestral de família bem relacionada e que garantiria sua escalada social e influência nos setores políticos que desejava.
Naquele ano, Fernão tornou-se deputado, atingindo sua primeira meta.
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