A manhã estava fria. Felipe acordou incerto se deveria afastar o cobertor que o mantinha aquecido e levantar-se. Contudo o dever o chamava, tinha que trabalhar e não poderia chegar atrasado, o que lhe acarretaria mais problemas além dos que já estava vivendo. Com dor no coração tirou o pijama e trocou-o pelo uniforme da empresa.
Antes que pudesse fechar a porta que dava para a rua deparou-se com um minúsculo ser, franzino e de miado quase inaudível. Alguém havia abandonado em sua porta um gatinho minúsculo, amarelinho e solitário. Preocupado pegou-o e levou-o para o interior da casa envolvendo-o em uma blusa de lã já desgastada. Aqueceu um pouco de leite e percebeu que precisaria de um conta gotas para alimentá-lo. Buscou um vidro onde antes havia o Floral de Bach Gentian e passou a cuidar do animalzinho. Considerando a proximidade de sua casa com o local de trabalho, retornaria no horário do almoço para tratá-lo novamente.
No final da tarde foi chamado até a gerência. Alegando redução de gastos e uma série de providências da empresa para contenção de despesas, Daisuke dispensou-o. Retornou para casa acabrunhado, triste, desolado. Concentrou-se no gatinho, vendo sua inocência e fragilidade. Chorou abundantemente. O acerto daria para algum tempo, mas não muito haviam muitas obrigações: aluguel, água, luz, alimentação e outras dívidas que fizera inadvertidamente. Batizou o gatinho com o nome de Mameco. Mameco passou a ser seu companheiro arrancando risos de seu interior.
Em pouco tempo as dificuldades se manifestaram mais veementemente. Cobranças do aluguel, lojas, luz cortada. Inúmeras humilhações e ofensas, ameaças e situações constrangedoras que foram levando Felipe a um estado de tristeza e depressão.
Mameco crescia rapidamente. Parecia sentir seu estado de espírito buscando aproximar-se, acarinhá-lo, fazê-lo rir de suas palhaçadas infantis. Enquanto isso Felipe distribuía currículos, conversava em diferentes Departamentos Pessoais, caminhando vários quilômetros diariamente.
Em alguns momentos refletia que o mundo havia começado a desmoronar após ter encontrado Mameco. Pouco tempo depois se repreendia, pois não poderia responsabilizar aquele serzinho pelos problemas que já vinha enfrentando, apenas agravados com a perda do emprego. Assim retornava para casa fazendo festa para o gatinho e sendo reciprocamente retribuído com imenso carinho.
Ao longo dos meses, Felipe contou com o apoio de vários amigos, inclusive com cesta básica até que superasse aquele momento difícil. Algumas vezes achou dinheiro na rua suficiente para fazer algum pagamento urgente. O maior achado foi quando exausto resolveu sentar-se um pouco no banco de uma praça. Sobre o banco havia um jornal dobrado ainda dentro de um saco plástico e quando pegou-o para ler, chocou-se ao ver algumas notas de dinheiro e ao contá-las viu que seria o suficiente para pagamento do aluguel. Sentiu-se com sorte. Intuía que conseguiria brevemente um emprego.
Semanas depois assustou-se ao ver um homem sentado na varanda de sua casa. Ele havia aberto o portão e o estava aguardando. Apresentou-se como Dácio, desculpou-se pela invasão e disse estar representando a empresa onde havia trabalhado meses atrás. Estavam precisando de um profissional e a gerência o havia incumbido de negociar o retorno de Felipe.
Felipe quase caiu das pernas. Imediatamente buscou a empresa em que tanto tempo trabalhara, suas orações haviam sido ouvidas. Estava bem mais magro e pálido, mas a notícia trouxera a tona uma nova energia, sentia-se novamente vivo e entusiasmado.
Abraçou carinhosamente Mameco, pedindo-lhe desculpas por ter considerado responsável pelas coisas ruins que se abateram sobre ele. O novo emprego se apresentava com função superior e melhor salário. Quase não dormiu à noite ansioso aguardando seu retorno ao trabalho.
Já era madrugada quando seu quarto iluminou-se e um ser iridescente destacou-se entre as luzes. Era um homem de estatura alta, cabelos curtos e claros, sério e concentrado, parecia estar envolto em um manto faiscante. O anjo sorriu.
Felipe sentou-se assustado na cama, questionando o que havia acontecido, quem era aquele homem, o que fazia ali. Sentia uma sensação de calor intenso, vigor, energia, algo que brotava de seu peito como uma vontade de abrir os braços e entregar-se a contínuas orações.
Entregue em uma sucessão de preces que fluíam inesgotavelmente, adormeceu. Acordou num salto.
Vasculhou a casa atrás de Mameco. Não o encontrara. Havia desaparecido.
Felipe entendeu que sabendo das aflições pelas quais passaria seu anjo de guarda se aproximara na forma de um gatinho indefeso. Enquanto acreditou cuidar dele, estava sendo cuidado por seu fiel amigo.
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