foto: Bossini
O carro seguia em alta velocidade, som alto e a estrada levantando poeira. Caio, Guto e Dê costumavam fazer o trajeto aos finais de semana visitando uma cidade vizinha há alguns quilômetros, onde amigos e barzinhos comandavam a festa. A noite já principiava e era possível fitar as primeiras estrelas, em especial naqueles trechos onde a escuridão era total. Algo que passava quase despercebido, uma vez que a motivação era outra. Tomando algumas cervejas, Caio pediu que fosse feito uma paradinha, pois estava apertado e precisava liberar o líquido que já estava se acumulando.
Guto, que estava dirigindo, entrou em um espaço mais seguro, já que não havia acostamento. Na verdade todos precisavam daquele momento, saindo do carro em algazarra, falando alto, fazendo algumas aves alçarem vôo assustadas. De repente apenas alguns grilos e um coaxar distante, o ruído da urina nas folhas secas. Um clarão no céu e um estrondo. Os amigos se entreolharam algo havia caído por ali. O pasto plano permitia que vissem como se a grama seca ao redor queimasse. Caio continuou olhando fixo ao local, enquanto Guto e Dê foram buscar lanternas. Pularam a cerca de arame farpado e foram de encontro ao objeto que caíra do céu. A caminhada que parecia rápida se estendeu, levando-os a pisar na lama, estrumes e ouvirem os protestos de Caio sem condições de prosseguir para a outra cidade. Havia escorregado e caído, sua calça branca estava imprestável.
Diante deles sob o foco das lanternas desenhou-se uma rocha do tamanho de uma jaca. Parecia de cristal róseo e havia afundado o solo. Os amigos se entreolharam assustados. Tudo indicava ser um meteorito. Guto pensou em ganhar dinheiro com ele. Dê ficou fascinado com a descoberta e só pensava em tirá-lo dali e levá-lo para casa. E era justamente para lá que iria pois era o único que morava sozinhos, os outros dois moravam com seus pais. Combinaram manter sigilo até que soubessem o que fazer com aquilo.
Deram meia volta e rumaram à casa de Dê, lavaram o meteorito e o colocaram sobre uma mesa, sentando-se ao redor para admirá-lo. Era belíssimo. Guto propôs-se realizar algumas pesquisas na internet sobre o assunto.
Os dias passaram sem novidades, permitindo apenas alguma troca de informações ou especulações. Contudo, diariamente visitavam a pedra que parecia cada vez mais bela e reluzente.
Estranhamente Dê teve sua sensibilidade ainda mais ampliada. Notou que podia perceber um certa luz em algumas pessoas quando fixava o olhar nelas. Algumas emitiam um azul pálido, outros levemente dourado, outros esmeralda, outros em tons de ametista, no espelho via-se iluminado por uma luz âmbar muito bonita. Também sentia que podia falar sobre a personalidade da pessoa, alguns eventos que tinham vivido e outros que estavam por vir. Tentava dizer estas coisas como se fosse uma intuição, mas tudo se mostrava nítido, claro, como se as cenas se sucedessem diante de seus olhos.
Assim passou a analisar seus amigos. Visualizava Guto, com seus vinte e dois anos, calmo, sereno, mais envolvido com sentimento de apoio do que com grandes demonstrações de emocionalismo apaixonado. Mostrava-se excessivamente apegado às pessoas e teria uma fase difícil na vida para libertar-se deste apego. Por outro lado podia identificar em seu íntimo frieza, indiferença com os outros, afeição mau dirigida, sempre lamentando as coisas, uma perspectiva negativa da vida: "Por que isso sempre acontece comigo!". Raramente satisfeito com realizações pessoais.
Enquanto Caio se debruçava na mesa quase entrando no meteorito, Dê olhou-o e sua aura se mostrou revelando-o. Uma pessoa que ama a precisão, preocupado com os detalhes. Sua personalidade é dada ao trabalho com organização tanto no pessoal como no profissional. Aprecia formalidades e procedimentos e fica satisfeito quando seguro da situação e das coisas. Apegado excessivamente a regras e regulamentos, podendo sacrificar a autodeterminação para seguir ordens impostas por superiores. Supersticioso, pretensioso, formal. Caio completara vinte anos. Tudo fluía como se lesse um almanaque.
Por instantes Dê pensou se a análise não estava relacionada ao fato de já conhecê-los, mas arriscara analisar outras pessoas na Universidade e tivera o mesmo êxito.
Os contatos com a rocha estava fazendo com que Caio também mudasse. Algo emergia dentro de si, trazendo a toda a percepção de novos caminhos profissionais e uma busca rompante pela auto-realização.
Guto havia se tornado emotivo, mais carinhoso com os pais e com Natália, sua namorada, a quem até parara de trair.
Na saída da Universidade, Dê foi barrado por dois homens, de terno, bem afeiçoados, imponentes, que perguntaram se ele poderia dar-lhes um segundo de atenção. Embora inseguro, aceitou sentar-se com eles no barzinho no final da esquina, bem menos freqüentado pelos estudantes, em razão dos preços. Os homens se apresentaram com os nomes Ruel e Amiel, expuseram serem pesquisadores e após um longo período de enrolação disseram saber que ele tinha consigo o meteorito. A princípio Dê negou veementemente, mas eles foram contando cena a cena como se o seguissem há dias. Também perguntaram sobre mudanças no comportamento e sensibilidade dos três rapazes. Estava de saia justa e não sabia como sair daquela enroscada, pensou em levantar-se e sair correndo, mas teve medo.
Ruel pediu que os levasse até sua casa. Pagariam o que desejasse pelo meteorito. Dê explicou que não era dono, os três haviam encontrado e os três deveriam decidir o que ser feito.
- Na verdade, é de nossa atenção não apenas o meteorito, mas também você..., anunciou Amiel com autoridade.
Dê engoliu seco, suas pernas já bambeavam. Os homens levantaram-se e informaram que à noite estariam na casa para receberem o meteorito e conversarem com os três juntos. Alertaram que não tentasse desaparecer com o objeto, pois estariam vigiando e eram muitos.
Os amigos não acreditaram nas palavras de Dê. Estavam temerosos ao mesmo tempo achavam tudo fantástico demais para ser verdade. Estas coisas acontecem em filmes de OVNIs ou coisa parecida ! Mas o dia correu rápido e vinte horas pontualmente a campainha acusou a presença dos dois homens.
Guto tentou comandar a situação, mas logo foi submetido pelas palavras firmes, olhares vítreos e confiantes daqueles personagens enigmáticos. Caio disse que entregaria o meteorito se revelassem a verdade, o motivo pelo qual tanto se interessavam pela pedra.
Como que esperando a pergunta Amiel adiantou-se, estendeu sobre a mesa uma mapa estelar que sacou de sua maleta e passou a apontar para uma série de estrelas contando as origens do Universo, segundo suas concepções.
- Pertencemos a uma irmandade que cultua os nefilins como nossos antepassados. Sabemos que esses homens sagrados, semideuses, passaram a habitar outro planeta. Essa pedra que está nas mãos de vocês é um pedaço desse planeta que viajou centenas de anos para pousar aqui, como uma confirmação, um sinal desse contato.
Guto sorriu irônico, questionando quem eram esses gigantes e como sabiam que essa pedra veio de outro planeta e justamente o planeta que eles queriam...
Sem contagiar-se pela postura do moço, Amiel continuou:
- Se você ler a Bíblia saberá do que falamos. Em Gênesis 6,4 você encontrará "Esses nefilins eram os valentes, os homens de renome, que houve na antigüidade." Mais adiante no Deuteronômio 2.10-11 lerá “Antes haviam habitado nela os emins, povo grande e numeroso, e alto como os anaquins; eles também são considerados refains como os anaquins; mas os moabitas lhes chamam emins." Ainda em Deuteronômio 3.11 "Porque só Ogue, rei de Basã, ficou de resto dos refains; eis que o seu leito, um leito de ferro, não está porventura em Rabá dos amonitas? O seu comprimento é de nove côvados [4 metros], e de quatro côvados [1,78 metros] a sua largura, segundo o côvado em uso." Em Números 13.33 "Também vimos ali os nefilins, isto é, os filhos de Anaque, que são descendentes dos nefilins; éramos aos nossos olhos como gafanhotos; e assim também éramos aos seus olhos."
Caio levantou-se impaciente.
- Já percebemos que vocês decoraram a Bíblia e eu nem sei se é isso mesmo porque nunca li, mas não estou entendendo o que uma coisa tem com a outra. Peço um pouco mais de objetividade.
Dessa vez Ruel, sem mostrar irritação, levantou-se.
- Muitas pesquisas arqueológicas têm comprovado a existência pregressa desses homens. Nefilins vem do hebraico e significa “caídos”. São os anjos caídos que vocês já ouviram quando fizeram catecismo. Por outro lado, pesquisas recentes identificaram um planeta habitável. O planeta fica na constelação de Libra e gira em torno da estrela Gliese 581. Através de nossos astrônomos e também nossos mestres espirituais, com canalizações e outros meios de contato com os nefilins, fomos informados da vinda da rocha, a localização de sua queda e onde se encontrava. Como acreditam que chegamos até aqui ? Mera intuição ? Essa pedra é importante para nós e estejam certos de que a teremos conosco. A forma mais fácil é discutirmos quanto vocês querem para que ela nos seja entregue.
Guto vislumbrou a possibilidade de pagar sua faculdade sem problemas. Enfrentava naquele momento dificuldades financeiras que talvez o obrigasse a deixar o curso. Caio resignou-se diante dos fatos e entendeu o momento de garantir seu pé de meia, dar andamento a seus projetos profissionais. Dê interessou-se pela irmandade, tais assuntos o fascinavam. Conversaram entre si, calcularam, discutiram e apresentaram o valor que acreditavam suficiente para que seus projetos tivessem êxito.
Ruel olhava Dê fixamente, como se pudesse extrair das entranhas os pensamentos mais íntimos.
O acordo foi feito e na manhã seguinte receberiam exatamente o que propuseram. Estavam exultantes, inquietos, aquele realmente havia sido um presente do céu. Mal dormiram à noite, esperando que os primeiros de sol apontassem para que fizessem plantão na casa de Dê.
Os homens mais uma vez foram pontuais. Às oito horas tocaram a campainha. O dinheiro foi entregue conforme o combinado. O valor para Dê era suficiente para comprar sua própria casa. Ruel comunicou que às 20h estariam ali para conduzirem Dê até o templo. Os amigos ficaram boquiabertos. Dê havia se proposto conhecer a irmandade, acharam loucura, mas aceitaram a decisão.
Naquela noite, Dê foi iniciado. Conhecimentos ocultos lhe seriam revelados, coisas que qualquer outro mortal jamais poderia conceber. A irmandade era rica e influente, detentora de um conhecimento milenar e que agora, Ogue, seu nome místico, teria pleno acesso à medida que cumprisse a escalada hierárquica da organização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário